Elaine Tavares – No dia 29 de outubro, na localidade de Tacueyó, Turbío, norte de Cauca, foram assassinadas cinco pessoas – entre elas a governadora local – que atuavam como guardas indígenas na estrada que leva à comunidade. A vigilância armada no caminho dos povoados tem sido necessária porque também tem sido comum a ação violenta de paramilitares, narcotraficantes ou até mesmo do exército contra as comunidades originárias depois que o presidente Ivan Duque abandonou os acordos de paz. Essa então foi a maneira que as comunidades encontraram para defender seu território e suas próprias vidas.
No caso da região de Cauca, marcadamente indígena, essa é uma prática tradicional. Ali é um espaço onde a resistência ao plantio da coca tem sido grande, embora os narco já dominem cerca de 61 mil hectares e Cauca seja um dos mais importantes corredores aéreos de saída da coca.
Curiosamente por ali, próximo aos espaços de vigilância indígena, existem sete bases militares, as quais ou são muito incompetentes para dar combate ao narcotráfico, ou são parceiras. Ocorre que desde o dia 14 de outubro circularam panfletos pela região dizendo que começaria uma “limpeza” em Cauca, e que por cada cabeça de guarda ou coordenador da guarda indígena se pagaria 10 milhões de pesos.
As guardas indígenas são formadas por grupos armados que ficam em um posto na estrada, bem como em vigilância motorizada. Dali, eles se comunicam com a comunidade, sabem quem entra e quem sai, e podem alertar para os perigos. E, nas suas terras, de governo autônomo, não entra a Força Nacional. Até então os narco e as Farc sempre respeitaram as guardas locais, que são praticamente uma instituição dentro do mundo indígena, por isso a surpresa de todos com o massacre.
No dia do crime, Cristina Bautista, a governadora local, uma das guardiãs que tombou, chegou a mandar um aviso à comunidade sobre a movimentação de um carro preto nas proximidades em flagrante confronto com a guarda indígena. Uma hora depois ela estava morta. Segundo informações da comunidade, homens desconhecidos dentro de um carro preto chegaram e dispararam contra o carro onde estavam os guardas comunitários, lançando também algumas granadas.
Não satisfeitos com o massacre ainda disparam contra a ambulância que veio socorrer os feridos. Na ação morreram os guardiões (kiwe Thegnas) Asdrual Cayapu, Eliodoro Fiscue, José Gerardo Soto, James Guilfredo Soto e a governadora Nejuex Cristina Bautista. Seis pessoas saíram feridas.
Dois dias depois mais cinco pessoas foram degoladas na localidade de Corinto, 14 quilômetros do lugar onde os guardas indígenas foram assassinados. Segundo informações nos jornais colombianos, eram civis que faziam trabalho de topografia na região dominada por narcotraficantes.
Na noite do dia 3 de novembro houve um atentado contra outro guarda indígena em Tacueyó e perto dali, no centro de Toribío, foi assassinado um morador. Em Corinto dois guardas indígenas foram baleados na sede do Cabildo, uma quadra de distância de onde estavam patrulhas da polícia. E seguem circulando veículos estranhos, tal como a caminhoneta preta que realizou o massacre dos guardas em Tacueyó, sem que ninguém seja responsabilizado.
Ainda que tenham sido celebrados os acordos de paz, nada está em paz na Colômbia. Todos os dias algum líder comunitário, ou indígena, ou sindical é assassinado. Os dados apontam para uma pessoa morta a cada três dias. São ações cirúrgicas, como é comum ao terrorismo estatal. Desde 2016 já foram contabilizados 700 assassinatos desse tipo.
No caso da ação em Tacueyó, nada foi cirúrgico. Foi um deliberado massacre. O presidente da Colômbia insiste em culpar as FARC pelo ataque, mas isso não tem qualquer sentido. Por que as FARC atacariam um posto indígena? Iván Márquez, comandante das FARCs negou qualquer ação de seus guerrilheiros na região: “não há nada que justifique uma ação contra um povo tranquilo que tem manifestado de maneira clara e conclusiva o seu apego à defesa do caminho da reconciliação e do bem viver em concórdia”.
Márquez também diz na nota que por conta da decisão do governo em não reconhecer os acordos de paz, surgiram muitos grupos armados fora das Farcs, alguns formados por ex-guerrilheiros agora pagos pelos narcotraficantes, e que isso é de responsabilidade exclusiva do governo por não ter cumprido com as promessas.
Os jornais colombianos também trabalham com a hipótese de que os assassinos são mesmo grupos ligados aos narcotraficantes que querem estender seus domínios para o plantio da coca e da maconha nos territórios indígenas. O governo insinua que as terras indígenas também se prestam ao plantio da coca e que estão sob fogo de outros bandos. Os dias passam e nada de resolução.
A resposta governamental aos crimes foi a de enviar mais soldados para a zona, militarizando ainda mais a região, o que é repudiado pelos indígenas. E, ainda assim, com toda essa gente circulando por lá, seguem acontecendo ataques contra as comunidades. Por isso os moradores insistem em afirmar que as ações partem do governo, das tropas oficiais, para desestabilizar as comunidades, colocar a culpa nas FARC e ocupar militarmente a região. O fato de o governo também não respeitar os acordos de paz aprofunda ainda mais o clima de violência e de esgarçamento social.
No enterro de seus mortos a comunidade Nasa reafirmou sua disposição em manter a vigilância e a defesa de seu território: “porque não nos enterram, o que fazem é nos semear nas entranhas da mãe terra para florescermos junto com nossos irmãos”.
O massacre em Tacuyeó colocou a violência estatal colombiana em foco outra vez. Mas não nos esqueçamos: a cada três dias um lutador é assassinado na Colômbia, silenciosamente, na rua, em casa, num bar, num descampado. Os colombianos vivem acossados pelo terrorismo de estado que prefere ver seu povo morrer a encontrar um caminho para a paz.
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