Geografia

Com boom em bairros ricos, prédios superam casas em área construída

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Artur Rodrigues – Cercado por prédios, o pequeno sobrado branco ostenta uma placa de “aluga-se” em uma rua estreita no Itaim Bibi. Do outro lado da rua, o estande de vendas anuncia mais um empreendimento de luxo.

As construções horizontais que sobraram parecem deslocadas, como se estivessem à espera de um prédio envidraçado para tomar seu lugar.

Em 25 anos, em metros quadrados, o Itaim Bibi foi o bairro onde mais se construiu na cidade de São Paulo. São 10 milhões de m², o equivalente a 165 estádios do Pacaembu.

Se na periferia houve acelerado crescimento proporcional, os campeões nos números absolutos de metros quadrados construídos são bairros tradicionalmente ricos ou que se tornaram cobiçados para empreendimentos de alto padrão, como Moema, Tatuapé e Santana.

Os 10 primeiros distritos (a cidade tem 96) da lista foram o destino de um a cada quatro tijolos assentados na cidade.

Apesar de os bairros contarem com infraestrutura melhor do que a encontrada em boa parte da cidade, as mudanças que trouxeram desenvolvimento também arrastaram uma série de efeitos colaterais. Trânsito, barulho, sombra dos arranha-céus e falta de áreas verdes são algumas das reclamações de quem vive por ali.

“Nos oito anos que vivo aqui, peguei alguns prédios em construção ao redor de casa. Eles chegavam a parar 14 caminhões de uma vez na frente da minha garagem”, diz o DJ Victor Bauer, 37, morador de uma casa isolada entre prédios no Itaim.

Ele afirma sentir uma complacência em relação à fiscalização desses empreendimentos, que podem infernizar a vida dos moradores. Apesar disso, ele diz gostar do bairro, pela proximidade da infraestrutura e pela segurança, fatores citados por outros moradores dali.

Outra vantagem apontada é poder ir a vários pontos a pé, em uma região onde ruas estreitas foram inundadas por carros, motos e, agora, patinetes.

Especialistas consideram natural que bairros bem localizados e estruturados passem por processo de adensamento, mas afirmam que não houve cuidados para evitar os efeitos colaterais desse processo.

“Ao longo das décadas, alguns bairros foram eleitos como a bola da vez e sofriam um efeito de manada. Itaim Bibi e Moema passaram por vários momentos desses”, diz o urbanista Kazuo Nakano, da Unifesp. “O problema é o planejamento. A gente não teve uma lógica mais racional baseada na infraestrutura do sistema viário”, diz.

Nakano afirma que a preocupação ganhou forma de política pública a partir do plano diretor aprovado em 2014, na gestão de Fernando Haddad (PT), que estimula adensamento nos eixos de transporte. A gestão Bruno Covas (PSDB) tenta flexibilizar a regra que limita prédio no miolo de alguns bairros.

No Itaim, os imóveis residenciais horizontais caíram 25%, enquanto os verticais decolaram —apartamentos de alto padrão subiram 142% e os voltados a comércio e serviços, 381%.

Parte das áreas com aumento de construção faz parte dos trechos de operações urbanas como a Águas Espraiadas e Faria Lima. As operações urbanas são instrumentos urbanísticos que, em troca da permissão de maior adensamento das regiões, negociam créditos que vão para um fundo. O valor é usado pelo poder público para melhorias na mesma região, que vão de obras viárias a unidades habitacionais de interesse social.

Para a urbanista Lucila Lacreta, do movimento Defenda São Paulo, a cidade de São Paulo acabou deixando as questões social e urbanística para atender apenas aos interesses do mercado imobiliário.

“Cria-se esgotamento do uso do solo sem contrapartida para que seja um lugar mais ameno e agradável”, diz. “O mercado pode até atender aquela demanda para comércio e serviço, mas não atende para saúde, educação, lazer, áreas verdes”, completa.

Na esteira do boom imobiliário da última década, em metros quadrados, as construções verticais passaram as horizontais no ano passado, somando dados de residências, comércios e serviço.

A alta é puxada pelo forte aumento de apartamentos residenciais de médio e alto padrão. Em número de lotes, as residências verticais passaram as horizontais em 2012. Hoje, são 1,5 milhão contra 1,3 milhão.

Em m², os comércios verticais permanecem um pouco atrás dos horizontais, mas com viés de alta.

A maioria do terreno da cidade, no entanto, permanece ocupada por imóveis horizontais.

Representante da área de urbanismo do Secovi (sindicato que representa o mercado imobiliário), Ricardo Yazbek afirma que a cidade ainda é pouco adensada em relação a outras no mundo (hoje, tem cerca de 8.000 habitantes por km²).

“Paris, por exemplo, tem 21,3 mil habitantes por km² e a ilha de Manhatan tem 27 mil habitantes por km²”, diz ele.

Para Yazbek, as operações urbanas foram bem-sucedidas na requalificação das regiões onde foram aplicadas. Ele admite que há um problema de mobilidade da cidade, mas afirma ver algumas das críticas à verticalização como manifestações de pessoas pensando em interesses individuais.

O integrante do Secovi cita o acrônimo Nimby, para a expressão em inglês “not in my backyard” (não no meu quintal), usada para designar o protesto a projetos que afetam alguma vizinhança mas que podem ser benéficos à cidade.

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano da gestão Covas afirma estar trabalhando em 19 projetos de intervenção urbana (PIUs) na cidade, que devem melhorar problemas urbanísticos resultantes do crescimento desordenado.

Assim como as operações urbanas, os projetos vendem créditos, que deverão ser usados em intervenções nas áreas onde forem aplicados. Segundo a administração, há previsão de novos parques, praças, ações de arborização urbana, obras de mobilidade urbana com foco no transporte coletivo e construção e qualificação de habitações de interesse social.

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/com-boom-em-bairros-ricos-predios-superam-casas-em-area-construida.shtml

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