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Futuro de nossas cidades está na participação ativa da sociedade

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LUÍS MARCELO MARCONDES E PEDRO VERÍSSIMO FERNANDES – Só é possível avançar de maneira justa e democrática quando há acordos claros de participação.

Só é possível avançar de maneira justa e democrática quando há acordos claros de participação

Para uma cidade ser considerada “inteligente”, alguns critérios devem ser analisados: governança, administração pública, planejamento urbano, tecnologia, meio-ambiente, conexões internacionais, coesão social, capital humano e economia. Não precisa de muito esforço para concluir que a junção desses critérios é tarefa árdua aqui e em qualquer lugar do mundo, mas combinar tais fatores, ainda que não em sua excelência, de modo a construir um lugar melhor para se viver é possível. Um grande potencializador é o uso de novas tecnologias, que podem fazer das cidades lugares mais dinâmicos, sustentáveis e economicamente ativos.As cidades enfrentam um duplo desafio: lidar com as transformações que a tecnologia traz ao mundo do trabalho; e conciliar seu desenvolvimento e estratégias de planejamento urbano com as novas tecnologias.

A ideia com esse último texto, que encerra uma série, é defender a seguinte premissa: quem vive na cidade tem o direito de participar de sua construção. Uma ideia que não é nova, mas que ainda enfrenta diversas barreiras. Então, vamos trabalhar a partir dos seguintes argumentos: 1 – as novas tecnologias estão mudando o capitalismo e a estrutura das cidades; 2 – esse avanço tecnológico também mudou nosso jeito de consumir bens e serviços; e, por fim, 3 – essas novas tecnologias podem furar as bolhas formadas por tecnocratas, grupos de interesses econômicos e movimentos representativos que decidem sobre o futuro das cidades.

Das vilas industriais aos coworkings

Bairros como Sumaré, Perdizes ou mesmo o chamado “centro velho” de São Paulo, revelam uma cidade em transformação com novos e modernos condomínios dividindo espaço com pequenos prédios típicos da década de 50 e 60. Galpões abandonados em bairros como Mooca, Ipiranga e Lapa e a verticalização da Av. Paulista, Faria Lima, Berrini com seus novos escritórios e espaços de coworking também nos contam uma história não verbal da transformação do capitalismo e realocação de seus excedentes. Novos adensamentos e deslocamentos são indícios de um modo específico de vida cotidiana e relações sociais que são construídas no tempo.

Se antes eram comuns as vilas industriais ou as “cidades empresariais” como a Cidade de Deus em Osasco, uma espécie de bairro com hospital, escola e mercado para os funcionários do Bradesco, hoje a nova organização caminha para os espaços compartilhados de empresas de tecnologia. Até a organização horizontalizada das vilas ou a planta dos galpões abandonados do centro velho deram lugar a verticalidade dos escritórios.

E todas essas mudanças no mercado de trabalho parecem cada dia mais velozes. Internet das coisas, cidades inteligentes, infofaturação, robotização e indústria 4.0 são termos que vem aparecendo sempre mais em nossas conversas. Não por acaso: a consultoria McKinsey afirma que, hoje, 45% das atividades remuneradas poderiam ser realizadas por máquinas. Ainda segundo a consultoria, entre 400 e 800 milhões de pessoas terão de procurar novas ocupações por conta da automatização até 2030. A Foxconn, que hoje emprega mais de um milhão de trabalhadores na China, prevê que 30% desses funcionários serão substituídos por robôs até 2020.

Todas essas mudanças, por um lado, criam novas demandas de trabalhadores especializados, novas faculdades e perfis de profissionais, e por outro faz crescer a chamada “Gig Economy”, ou economia sob demanda, que diz respeito aos empregos pontuais e intermitentes. Só para se ter uma ideia, entre 2012 e 2016, o número de “Gig Workers” aumentou 10 vezes. Seguindo esse crescimento, a Intuit Research, prevê que “até 2020 a Gig Economy compreenderá 40% dos trabalhadores americanos”.

Todas essas transformações no mercado de trabalho influenciam diretamente na transformação das cidades: aumento do desemprego, trabalhadores precarizados, inadimplência, favelização, insegurança, a consolidação do que Dunker chamou de “lógica do condomínio” e a queda na arrecadação municipal. É uma espécie de ciclo causal: as transformações no mercado de trabalho geram empregos precarizados, baixos salários e desemprego, com isso há queda no consumo, aumento da inadimplência e migração da população para áreas periféricas, precárias em infraestrutura, porém onde o custo de vida é mais barato. Como resultado há também o aumento na procura dos serviços públicos como educação, saúde e transporte, justamente em um momento de baixa arrecadação.

A dinâmica econômica acaba por impor dinâmicas urbanas disfuncionais, principalmente para os mais pobres, que acabam comprometendo um percentual maior de sua renda para morar e se locomover. A conclusão é que há uma lógica dissonante entre aqueles que constroem a cidade com a lógica daqueles que a habitam. Por isso a necessidade de criar espaços de discussão para planejar seu desenvolvimento. Para isso, a mesma tecnologia que vem transformando o modo de acumulação capitalista pode ser uma aliada na participação popular das tomadas de decisão.

Novos formas de se relacionar com o poder público

O modo como lidamos com serviços, adquirimos produtos e interagimos com as pessoas mudou. Hoje pedimos comida de um jeito diferente, nos deslocamos pela cidade de novas maneiras e assistimos filmes e sérias de um modo impensável poucos anos atrás. Não faz sentido que continuemos tão “analógicos” quando o assunto é governança e participação social nas decisões políticas que nos afetam diretamente.

É razoável supor que a administração pública e a política partidária estão sempre passos atrasados em relação à sociedade quando o assunto é tecnologia. Talvez porque, na prática, ocorre pouca renovação. Se olharmos quem são os atores políticos que estão no comando da política nacional e estadual, veremos que pouco mudou, tanto no executivo como, e principalmente, no legislativo. Outro fator que pode contribuir é a baixa renovação no quadro de funcionários do setor público, principalmente na média burocracia, além da cultura do funcionalismo ainda ser a do sigilo e da discricionariedade, que acaba fazendo da padronização sistematização um exercício árduo para transformar essa cultura.

Mas também é razoável supor que transformações não acontecem sem resistência. É possível intensificar a participação popular com os avanços tecnológicos, mesmo que as experiências recentes diminuam nossa esperança com a internet. Consultas periódicas ou referendos online, por exemplo, são realidades possíveis que podem ser usadas.

McLuhan, importante teórico da comunicação nos anos 70 e 80, já tratava dos meios técnicos como extensões dos seres humanos quando falava das mudanças proporcionadas pela tecnologia e a recriação do mundo à imagem de uma “aldeia global”. Por que então não pensar nas novas tecnologias como forma de intensificar nossa participação política? As tecnologias de comunicação mudaram o modo como nos relacionamos com o mundo. A nova interdependência eletrônica possibilita novas “retribalizações” que reivindicam direitos, levantam pautas e definem a agenda política. As Jornadas de Junho no Brasil, as Primaveras no Oriente Médio, os Indignados na Espanha e os “99%” de Wall Street são exemplos atuais dessa nova demanda por participação e de novos modos de organização mediados pelas novas tecnologias.

Democratizar as discussões para melhores soluções

Soma-se a isso a vontade de diferentes atores em discutir o futuro das cidades, como vimos no texto anterior, e defendemos que é obrigação das administrações promover o acesso da sociedade nessas discussões. Pensar em cidades inteligentes, nesse sentido, é dar um passo importante na direção de uma cidade mais democrática. E nesse sentido, o uso de novas tecnologias podem ampliar (e em alguns casos criar) o direito de contribuirmos com alternativas e até mesmo decidirmos sobre o presente e futuro dos nossos locais de viver.

Há uma tendência das discussões sobre planejamento urbano (mas não só) de ficarem centradas em grupos de especialistas e gestores. Quando ampliadas à sociedade, na maioria das vezes, é enquanto agente consultivo ou protocolar. Isso gera um duplo movimento: afastamento da população desses espaços decisórios e, com sorte, criação de novos espaços de discussão fora da esfera pública, que medem seu “peso” nas decisões políticas com base no seus membros, quantidade de participantes ou poder de mobilização. Não por acaso, boa parte desses grupos são financiados por grandes empresas.

Ampliar a participação popular é ampliar as potencialidades na resolução de problemas e planejamento compartilhado para além da lógica tecnicista, o que traz, além de soluções mais inteligentes (e essa é nossa aposta), mais legitimidade às decisões. É comum nessas abordagens técnicas a implantação de políticas públicas sem levar em consideração a realidade local, com suas particularidades e necessidades específicas. E nesse sentido, mais uma vez o Plano Diretor de São Paulo é um caso a ser levado em conta, já que tentou ampliar as discussões com diversos atores sociais e em diversas localidades.

Habermas defende, a partir da ideia de “agir comunicativo”, o diálogo permanente entre diferentes atores que se reconhecem mutuamente enquanto sujeitos de direitos e anseios. Esse é um bom caminho para pensarmos o papel do Estado enquanto agente facilitador e responsável para viabilizar a construção de cidades melhores para se viver.

“Os direitos só se tornam socialmente eficazes, quando os atingidos são suficientemente informados e capazes de atualizar, em casos específicos, a proteção do direito garantida através de direitos fundamentais de justiça. (…) A colaboração no processo de realização do direito cria um laço entre o status positivo de direito, valorizado em termos coletivos, e o status de cidadão ativo”. (Habermas, 2012, p. 149).

A transparência e gestão compartilhada de obras públicas, com definição e acompanhamento de prazos; a obrigatoriedade de consultas populares sobre assuntos de interesse comum; e a discussão sobre o orçamento das cidades, mapeamento e solução de problemas são alguns exemplos que podem ser facilitados com as novas tecnologias. Para além disso, também é necessário que o poder público esteja disposto a compartilhar com a sociedade o desenho e a implementação de políticas públicas.

Só é possível avançar de maneira justa e democrática quando há acordos claros de participação, gestão e revisão constante de normas que dizem respeito ao convívio mútuo.

Futuro de nossas cidades está na participação ativa da sociedade

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