Almir Felitte – Grupo de policiais antifascista de SP quer combater o discurso da bala, que ajudou a eleger Bolsonaro, Doria e Witzel. Propõe novo modelo de combate à violência: policiamento comunitário e união entre baixa patente e população marginalizada.
A eleição do ano passado foi, sem dúvidas, uma das que mais levantaram debates dentro da própria esquerda brasileira. Apesar de todas as ilegalidades e fake news que possam ter recheado a disputa, o campo das esquerdas acendeu o “sinal vermelho” e se tornou praticamente unânime no sentido de que é preciso alguma reformulação em suas trincheiras. E, com um discurso “da bala” inflamado elegendo a direita, ficou claro que a esquerda precisa aprofundar-se mais no tema da segurança pública se quiser vencer o crescimento dessa cultura de ódio.
E nem se diga que o tema tem baixa importância no nosso contexto político. Segundo o Datafolha, em setembro de 2018, a violência era a segunda maior preocupação do eleitor brasileiro (20%), ficando atrás apenas da saúde (23%). Foi nesse cenário que gente como Bolsonaro, Doria e Witzel, com discursos que pregam a violência policial e o superencarceramento como solução, conseguiram se eleger.
Do outro lado, porém, a esquerda brasileira parece preferir continuar apenas no eterno papel de denunciante, por muitas vezes fugindo do debate em momentos em que devia ser propositiva. Não que as denúncias estejam erradas. Pelo contrário, esse papel de denunciar a violência de Estado e a ineficácia do superencarceramento (bem como seu caráter racista e de classe) é essencial para o país. Mas é preciso compreender que a população está em busca de soluções, e precisamos urgentemente de uma saída clara à esquerda para a questão da violência.
Na semana passada, o PSOL parece ter dado um passo ousado nesse sentido. Contando com a filiação de alguns policiais em São Paulo, o partido lançou um Setorial de Segurança Pública para tratar do tema de forma mais aprofundada e com trabalhadores da base da área que se identificam com a esquerda brasileira.
A carta-proposta apresentada pelo Setorial dá um tom interessante para esse desafio que é de todo o campo progressista no país: “subvertendo a lógica ‘de cima pra baixo’ pela qual sempre se construiu a segurança pública brasileira, o Setorial trabalhará para garantir espaço de fala e construção para dois setores historicamente excluídos do debate securitário: os trabalhadores da base da segurança pública e a sociedade civil marginalizada e vitimizada por esse arcaico sistema militarizado de segurança”.
Frise-se, aí, o termo “de cima pra baixo”, talvez o maior diferencial que a esquerda brasileira pode oferecer ao debate da segurança pública no combate ao “discurso da bala”. Isso porque, no Brasil, vivemos um sistema de segurança altamente militarizado, com uma hierarquia essencialmente verticalizada, e a construção de políticas públicas na área segue essa mesma lógica. Ou seja, nem a sociedade civil (sobretudo as camadas mais vitimizadas pela violência) nem os trabalhadores da base das polícias são chamados à construção, ficando esta restrita aos Comandos e à elite do país. Quebrar esta lógica é a grande chance de enfim subverter o tom militarista e punitivista que tomou o debate da segurança pública.
Nesse sentido, a carta-proposta do Setorial ainda conclui: “constituindo-se como uma verdadeira ponte entre essas classes e a política institucional-partidária, o Setorial Estadual de Segurança Pública do PSOL-SP trabalhará para apontar caminhos pragmáticos na construção de um novo modelo de segurança pública para o país pautado na efetiva garantia de direitos da sociedade civil e dos próprios trabalhadores de segurança pública”.
Curiosamente, a esquerda brasileira já tem uma proposta robusta de reformulação da segurança pública do país para trabalhar em cima. Porém, de forma inexplicável, a própria esquerda prefere não pautar o debate sobre ela em momentos cruciais como o das eleições. Trata-se da PEC-51/2013, que reformularia completamente a segurança pública brasileira através da desmilitarização e da construção do policiamento comunitário.
Em próximos artigos, pretendo falar de forma um pouco mais profunda sobre essa proposta, mas é essencial que a esquerda do país se aprofunde nela para enfim tomar para si o debate da segurança pública brasileira. Vivemos tempos em que dizer que “bandido agora vai direto pro cemitério” ou que propostas como colocar snipers para atirar em favelas têm pautado o debate nacional de combate à violência. Se não aceitamos isso como normal, precisamos ir para além das meras denúncias. Precisamos oferecer soluções.
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