Flavio Aguiar – Em abertura de encontro internacional que debate atual situação social e política do país, palavra mais comum foi ‘perseguição’.
A Frente Internacional de Brasileiras e Brasileiros pela Democracia e Contra o Golpe (Fibra) abriu seu 2º Encontro, em Berlim, com a mesa de conversa “Diálogos de um Brasil que Resiste. Estiveram presentes Renata Souza, deputada estadual pelo PSOL no Rio de Janeiro; Jean Wyllys, ex-deputado federal também pelo PSOL do Rio de Janeiro; Maria Dantas, brasileira de nascimento, deputada no Congresso Espanhol pela Esquerda Republicana da Catalunha; Breno Altman, jornalista, criador e editor do site Opera Mundi; Marcia Tiburi, professora de filosofia, escritora; pela Fibra falou Fernanda Otero, da direção da entidade. Jean Wyllys e Marcia Tiburi hoje moram no exterior, devido a ameaças de morte recebidas.
A reunião vai até este domingo (18), debatendo meios de atuação conjunta dos coletivos diante dos retrocessos impostos pelo governo de Jair Bolsonaro.
Organizado desde 2016, em meio ao processo de golpe que derrubou a ex-presidenta Dilma Rousseff, o grupo conta ainda com pessoas de diversas nacionalidades e organizações no Canadá, Estados Unidos e América Latina.
Se houve uma palavra comum a todos os depoimentos no evento de abertura, foi “perseguição”. Todos ressaltaram o clima persecutório instaurado no Brasil pelo governo de Bolsonaro, contra as esquerdas, os pobres (destaque também para o governo de Wilson Witzel no Rio de Janeiro e sua política genocida contra favelados), os homossexuais, as populações indígenas, a educação de um modo geral e particularmente a pública, a mídia e o meio ambiente.
Fernanda Otero abriu a mesa fazendo um histórico da Fibra desde os primeiros movimentos e articulações contra o golpe em 2016. Quando da realização seu primeiro Encontro Internacional, em janeiro de 2017, a Fibra reuniu 107 participantes de 14 países, em Amsterdã.
Desde então ela cresceu enormemente, com contatos no Parlamento Europeu, desfrutando desde março deste ano de um canal no Youtube, e de seu próprio site, e congregando mais de 80 organizações de 40 países, na Europa, América do Norte, Oceania, América Latina a quando, inclusive, no Brasil.
Neste 2º Encontro a Fibra volta-se sobretudo para o futuro, pretendendo fortalecer a articulação entre seus movimentos e a destes com o Brasil e outras frentes democráticas.
Renata Souza fez um histórico das campanhas do PSOL no Rio de Janeiro a partir de um núcleo central instalado na Favela da Maré, onde trabalhou com Marielle Franco, e onde foi realizado o primeiro Congresso do partido.
Lembrou a importância dos contatos e da solidariedade internacionais e ressaltou que o assassinato de Marielle foi um divisor de águas na história do Psol, da política no Rio de Janeiro e também da nacional. Mencionou que há um pedido de cassação de seu mandato proposto pelo governador do Rio, Wilson Witzel.
Renata aproveitou para revelar que, num fato inédito, a ONU e a OEA enviaram carta conjunta aos governos brasileiro e do Rio manifestando preocupação pelas matanças promovidas pela polícia, sobretudo no Rio de Janeiro, inclusive com uso de helicópteros sobrevoando favelas para atirar nas populações.
Jean Wyllys ressaltou a importância de, no encontro da Fibra, dar-se uma abordagem conjunta a fatos da atual conjuntura social e política brasileira que são tratados isoladamente.
Ele citou a negligência do Estado em relação às populações necessitadas, a perseguição contra pobres, a homofobia, a liberação dos agrotóxicos numa escala nunca vista, a perseguição contra partidos políticos de esquerda e contra Glenn Greenwald e o The Intercept, além da invasão das terras indígenas e da transformação da Polícia Federal em órgão de perseguição política contra os dissidentes.
Sublinhou ainda que o caso brasileiro não é isolado no mundo, e que urgem a formação de uma Internacional Democrática.
Maria Dantas fez um histórico das lutas anti-fascistas e anti-racistas em Barcelona, e de como o assassinato de Marielle teve um papel de proa na formação de uma plataforma de mulheres – de ampla diversidade social e cultural – empenhadas com as lutas democráticas no Brasil e na Europa. Lembrou do clima hostil com que a extrema-direita espanhola encara sua presença no Parlamento daquele país.
Perguntada sobre a efetividade destas lutas, ela lembrou que, se há algo que une as diferentes diásporas brasileiras no exterior, é a precariedade, em todos os sentidos da palavra: precariedade de trabalho, social, de condição social, pois muitas destas mulheres se encontram nos limites da ilegalidade.
Marcia Tiburi fez uma rápida evocação de como se viu forçada a deixar o Brasil diante das ameaças e perseguições que sofria, reiterando que a marca do atual período é o discurso de ódio agora promovido oficialmente pelo presidente.
Lembrou também de que, quando publicou seu livro “Como conversar com um fascista”, em 2015, recebeu críticas por parte de pessoas que consideravam que ela “exagerava”, mas que o passar do tempo deu-lhe razão: o atual presidente do Brasil é, de fato, um fascista, bem como boa parte de seus auxiliares.
Ela também comentou a semelhança de clima político entre a Alemanha dos anos 20 e o Brasil de hoje.
Breno Altman ressaltou a importância da solidariedade internacional para com a luta democrática brasileira. Confrontado com a pergunta sobre se as esquerdas brasileiras estariam desarticuladas, ele lembrou que estas têm duas grandes características: primeiro, a de cometer erros incríveis, e segundo, a de se recuperar e renascer de suas cinzas.
Referiu-se a uma diferença entre a situação das esquerdas logo depois do golpe de 64 e a de hoje. Em 64, disse, a esquerda sofreu uma derrota estrutural: suas instituições foram esmagadas, destruídas. Hoje não; apesar da gravidade da derrota sofrida, estas instituições permanecem intactas e atuantes.
Depois da destruição que sofreram a partir de 64, as esquerdas conseguiram se recuperar, se reorganizar em novas bases, revitalizar o sindicalismo, criar do começo um partido sem precedentes na história brasileira (o PT) e chegar à eleição de presidentes da República. Portanto, disse ele, nem se deve considerar que o governo de Bolsonaro está por um fio, nem que as esquerdas estão inermes.
Esta consideração foi compartilhada pelos outros convidados, que lembraram a vitalidade de manifestações como as da luta pela educação, que estão sendo levadas inclusive com apoio de setores conservadores, a marcha das Margaridas e outras demonstrações de resistência, como a greve de junho, lembrando que o clima repressivo dificulta estas lutas, mas não as impediu até agora.
Maria Dantas sublinhou ainda que movimentos e partidos europeus já se deram conta de que o governo de Bolsonaro não é apenas conservador, mas que tem características de fascismo. Afirmou que para esclarecer melhor a situação brasileira pode-se recorrer à sua similitude com exemplos de partidos, personagens e movimentos europeus, como o caso do VOX na Espanha, o AfD alemão, Aurora Dourada na Grécia, Marine Le Pen na França, Matteo Salvini na Itália, dentre outros.
Ressaltou que não se deve superestimar a União Europeia, cujos governos, em muitos casos, vêm demonstrando descaso diante das tragédias humanitárias do Mediterrâneo.
Ao final do debate Renata Souza lembrou ainda que não se pode esquecer o impulso que Bolsonaro vem dando à indústria bélica no Brasil, nem seu afago e dependência em relação aos militares.
Brasil de Bolsonaro lembra clima político da Alemanha dos anos 20
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