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Mapa de sangue

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Marcos Rolim – A realidade que emerge desses estudos mostra que ocorrências em que um bandido foi morto por um cidadão armado são casos extremamente raros.

O infográfico no alto deste texto mostra um dos resultados desse imenso arsenal. Ele marca os incidentes com disparos de armas de fogo noticiados nos primeiros seis meses deste ano, até o dia 28 de junho. Até essa data, foram 26.487 casos registrados, que produziram 6.997 mortes e 13.533 feridos (dados disponíveis em www.gunviolencearchive.org)

O infográfico mostra os incidentes com disparos de armas de fogo noticiados nos primeiros seis meses deste ano, até o dia 28 de junho. Até essa data, foram 26.487 casos registrados, que produziram 6.997 mortes e 13.533 feridos (dados disponíveis em www.gunviolencearchive.org).

A posse e o porte de armas de fogo no Brasil voltaram à agenda política por conta da obsessão de Bolsonaro em “armar a população”. O Congresso já derrubou os decretos presidenciais pró-armas, por serem claramente inconstitucionais, mas permanece a necessidade do debate sobre os efeitos de uma maior disponibilidade de armas de fogo. O clã Bolsonaro é fã da tradição americana quanto às armas. Como se sabe, os Estados Unidos possuem uma forte cultura pró-armas. Ter um revólver em casa, ou mesmo rifles e pistolas automáticas, é normal para muitas famílias americanas. Embora existam estados com leis de maior controle sobre a venda de armas, é comum que feiras e mesmo supermercados vendam armas, inclusive armas de ataque (assault weapons). O caso americano é, nesse particular, um ponto fora da curva nas democracias contemporâneas, nas quais se observa forte tendência em favor de políticas restritivas ou mesmo de proibição total ao armamento civil. Também por essa razão, é um exemplo importante se queremos saber o que pode ocorrer em uma sociedade com enorme disponibilidade de armas de fogo e cultura que estimula seu uso.

O infográfico no alto deste texto mostra um dos resultados desse imenso arsenal. Ele marca os incidentes com disparos de armas de fogo noticiados nos primeiros seis meses deste ano, até o dia 28 de junho. Até essa data, foram 26.487 casos registrados, que produziram 6.997 mortes e 13.533 feridos (dados disponíveis em www.gunviolencearchive.org). Se você for olhar os dados no momento em que estiver lendo este texto, eles já serão maiores.

Nesse mesmo período, foram 191 casos de “tiros contra grupos de pessoas”, os chamados mass shootings, ocorrências contadas quando há pelo menos quatro vítimas, entre mortos e feridos, sem contar o atirador. Como regra, sabemos dos massacres ocorridos em escolas americanas – que seguem mobilizando a atenção da mídia – e de eventos com dezenas de mortes, como o de 1º de outubro de 2017, em Las Vegas, quando um atirador se instalou em um quarto no 32º andar de um hotel e disparou aleatoriamente contra uma multidão que assistia a um show, matando 58 pessoas e ferindo mais de 500; ou como o de 12 de junho de 2016, quando um atirador matou 49 pessoas em uma boate gay em Orlando e feriu mais de 50. As tragédias do cotidiano, com número menor de mortos e feridos, sequer mobilizam a atenção, porque se tornaram parte de uma paisagem de sangue.

Qual é a resposta que os defensores das armas nos EUA dão aos massacres? Para a Associação Nacional do Rifle (National Rifle Association – NRA), principal lobby do armamento, essa resposta é uma frase feita: “A única forma de parar um bandido armado é um cidadão de bem com uma arma” (The only way to stop a bad guy with a gun is with a good guy with a gun). Muita gente no Brasil também acredita nesse slogan. O ponto é: ele expressa uma verdade científica?

Por óbvio que há situações em que o emprego de uma arma pode evitar um crime; assim como há casos em que a resistência armada resulta na morte de quem reage. Não se chegará a lugar algum a partir de histórias do tipo, porque elas dizem respeito a um universo que não pode ser apreendido por relatos individuais, mas apenas por dados agregados. Para saber se cigarro faz mal, ninguém deve se embasar no caso do tiozinho que fumou a vida inteira e morreu aos 98 anos. A língua inglesa tem uma palavra para esses “casos” contados, como se fossem a prova de algo: anedoctal.  Não tem a ver com “anedótico”, mas com irrelevância empírica. Para lidar com dados agregados, precisamos de pesquisa e processamento estatístico. Quem tiver interesse em dados científicos poderá encontrá-los em muitos estudos de revisão e em levantamentos criteriosos, como Firearm Justifiable Homicides and Non-Fatal Self-Defense Gun Use, uma análise com base nos dados do FBI e do Serviço Nacional de Pesquisas de Vitimização dos EUA, disponível em: www.vpc.org/studies/justifiable15.pdf.

A realidade que emerge desses estudos mostra que ocorrências em que um bandido foi morto por um cidadão armado são casos extremamente raros. Na proporção, para cada morte legalmente justificável produzida por quem disparou em sua defesa, há 34 homicídios, 78 suicídios e duas mortes acidentais. Ou seja, é duas vezes mais provável que um cidadão armado mate alguém acidentalmente do que mate um bandido em uma tentativa de assalto. Grande parte dos proprietários de armas de fogo jamais fará uso delas, mas entre os que farão uso, é muito maior o número dos que as empregarão para matar do que para se defender. Agora imaginem isso no Brasil, um país onde as pessoas costumam se ofender e ameaçar em suas interações cotidianas e onde a ideia de que há pessoas desprezíveis, que não merecem viver, virou parte da gramática do poder.

https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2019/07/mapa-de-sangue/

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