Wladimir Pomar – Talvez acicatados pelos temores socialistas do bolsonarismo, vários economistas da burguesia brasileira se empenham em convencer a todos que o Brasil, para voltar a crescer economicamente e diminuir a desigualdade de renda, precisa fazer um conjunto amplo de reformas. Segundo eles, tais reformas incluiriam a Previdência, os tributos, o mercado de crédito, o ambiente de negócios, a segurança jurídica, a abertura comercial, as privatizações, as políticas sociais e a educação.
Eles frisam que reformar significa tirar privilégios de alguns grupos que resistem porque os custos serão concentrados neles, embora os benefícios tendam a ser amplos e difusos pelo conjunto da população. Não especificam quem são tais grupos, mas afirmam acreditar que, mesmo que as reformas provoquem resistências e incertezas, elas certamente tornarão o país melhor. Por outro lado, ao reconhecerem que empregos menos eficientes serão destruídos, embora garantam a criação de outros, de novas habilidades, indicam que os supostos grupos privilegiados são os trabalhadores.
Para piorar, também reconhecem que os resultados positivos dessas reformas devem demorar a aparecer. Para tanto tomam como exemplos históricos o que denominam experiências reformistas do Chile, Indonésia, Malásia, Singapura e Nova Zelândia. Para eles, as “reformas chilenas” de 1969, por exemplo, só teriam conseguido alterar para cima a renda per capita após 16 anos de espera. Ou seja, creditam a melhoria da renda dos chilenos não às políticas adotadas após a queda do regime ditatorial de Pinochet, mas às reformas neoliberais do Consenso de Washington que beneficiaram apenas uma minoria privilegiada daquele país.
Com base no pretenso sucesso reformista daqueles países, concluem que isso se deveu a algumas características comuns a todos eles: geograficamente pequenos, com baixa desigualdade social e baixa fragmentação partidária, definição clara do raio de ação dos poderes públicos, alta coesão e confiança social, e economia modernizada antes da abertura política democrática. Ou seja, as reformas de sucesso teriam sido obra de ditaduras, legadas à democracia implantada ou reimplantada.
Para piorar, sua análise sobre as reformas ocorridas no mundo durante a segunda metade do século 20 ignora as reformas econômicas e sociais de grande envergadura realizadas na China e no Vietnã. Simplesmente não levam em conta, como se fosse algo insignificante, que a reforma chinesa, iniciadas em 1978, ocorreu num país geograficamente enorme, com uma população superior a 1,3 bilhão de pessoas, congregando mais de 50 nacionalidades. E que ela mudou radicalmente não só a economia e a sociedade nacional chinesa, mas também a balança econômica, social e política mundial. E que a reforma vietnamita, de conteúdo idêntico, mudou radicalmente o panorama de um país de grande densidade populacional há poucos anos saído de uma guerra extremamente destrutiva.
Ou seja, a China e o Vietnã não são apenas países de características contrárias aos tipos ideais desenhados por tais teóricos como mais aptos para reformas. Suas reformas também foram radicalmente diferentes das reformas neoliberais aplicadas em diferentes países do mundo, e com resultados de médio e longo prazos muito mais consistentes.
No caso chinês, nos 10 primeiros anos cerca de 800 milhões de pessoas foram alçadas de um patamar abaixo da pobreza a um nível superior, tendo por base não só o crescimento da produção agrícola, mas principalmente os intensos processos de industrialização e de construção de uma moderna e diversificada infraestrutura energética, logística e ambiental. Reformas semelhantes foram realizadas no Vietnã, a partir de 1985, com resultados idênticos.
Mesmo os inimigos do socialismo chinês se veem constrangidos a reconhecer que suas reformas estão levando a China a se transformar, no curto espaço histórico de 40 anos, de país econômica, social e cientificamente atrasado numa das mais avançadas e maiores potências mundiais. E que um dos principais indicadores de que suas reformas realmente beneficiam a maior parte da população. Ou, como diriam os teóricos neoliberais, são “difusas”, consistindo no avanço constante de seu PIB pela paridade de poder de compra.
Em tais condições, convenhamos, teóricos reformistas que tenham um mínimo de senso histórico crítico não podem ignorar as reformas chinesas e vietnamitas. Se quiserem realmente aproveitar experiências de reformas com resultados que, embora tenham permitido privilégios para alguns grupos, introduziram benefícios muito mais amplos e difusos, tanto para a população já em situação trabalhadora quanto para milhões que antes viviam em situação abaixo da linha da pobreza, deveriam fazer um estudo sério do que aconteceu na China, a partir de 1978, e no Vietnã, a partir de 1985.
Ou seja, falar sobre experiências de reformas sem examinar as que foram (e continuam sendo) realizadas na China e no Vietnã fica parecendo piada. Pior, citar o Chile como referência de reformas que supostamente teriam gerado uma economia dinâmica capaz de elevar a renda, ampliar a classe média, criar um ambiente estável de mercado e consolidar o liberalismo econômico, conduzindo a mais investimentos e crescimento, não é senão vender gato por lebre e dourar a pílula da ditadura Pinochet.
A questão não reside no genérico das reformas, mas em sua natureza. Nos casos chinês e vietnamita as reformas mais eficientes não se restringiram à economia de países pequenos, sem mercados internos significativos. Foram tanto em um país grande quanto em um país pequeno, ambos com alta densidade populacional e mercados internos significativos. Ambos também precisavam se “abrir para o mundo”, necessitando uma “justiça rápida e segura” para “atrair capitais externos”.
No entanto, ao invés de abrirem suas portas sem quaisquer critérios de manutenção da soberania nacional e de garantia de desenvolvimento científico e tecnológico, a necessária atração externa de capitais foi associada à obrigação de tais capitais transferirem tecnologias modernas para empresas nacionais associadas (estatais e/ou privadas), além de terem que reinvestir parte de seus dividendos na elevação da produção local.
Foi essa natureza das reformas que permitiu aos chineses e aos vietnamitas alcançarem um desenvolvimento econômico e social sem paralelo no final do século 20. E que tem lhes possibilitado manter taxas civilizadas de crescimento econômico de 6% ao ano. Isso, apesar da crise mundial desencadeada a partir de 2007-08, que tem levado os Estados Unidos, a Alemanha e outros países capitalistas avançados a obterem, na melhor das hipóteses, taxas de crescimento de 1% a 2% ao ano.
Portanto, se há programas de reformas econômicas e sociais que precisam ser estudadas porque deram certo, num prazo relativamente curto, tanto do ponto de vista econômico quanto social, são as chinesas e vietnamitas, relacionadas ao que denominam socialismo de mercado. Embora socialismo seja uma palavra maldita no atual contexto governamental brasileiro, teóricos econômicos precisam expressar a realidade como ela se apresenta e não como gostariam que fosse.
Os problemas do Brasil não residem na ausência de características políticas que facilitem as reformas, a exemplo de parlamentos unicamerais, delimitação clara de poderes, sistema eleitoral menos fragmentado e sistema social passível de gerar acordos fortes. Para a realização de reformas econômicas e sociais os problemas brasileiros residem justamente na necessidade preliminar de realizar reformas políticas que mudem a natureza do Estado, de democrática formal para democrática popular efetiva, com um sistema legislativo enraizado nas bases da sociedade e com representações populares efetivas nos municípios, estados e nação, aos quais estejam subordinados os governos.
Reformas políticas desse tipo podem facilitar a implementação de reformas destinadas a mudar a natureza da economia brasileira. Esta é totalmente dependente e subordinada às potências capitalistas, que detêm a produção dos bens de alta tecnologia e monopolizam ramos inteiros da indústria instalada no Brasil. Nessas condições, além de ter sido levada a construir uma infraestrutura logística para atender principalmente o oligopólio automobilístico, nossa economia está agora envolvida em um nefasto processo de desindustrialização.
As reformas políticas e econômicas que o bolsonarismo pretende implementar destinam-se a destruir todas as conquistas políticas democráticas obtidas desde 1988 e aprofundar ainda mais a natureza dependente e subordinada da economia brasileira. Isso, no momento histórico em que o capitalismo avançado permanece em crise e tem como prática principal a espoliação dos países dependentes e subordinados através da especulação financeira.
Nessas condições, a efetivação de reformas econômicas neoliberais, privatizantes e mais desnacionalizantes só pode resultar em maior arrocho sobre as classes trabalhadora e excluída e sobre parcelas crescentes das classes médias. O que coloca em pauta, como contraponto, a necessidade de maior atenção e maior debate às reformas políticas e econômicas que realmente podem levar o Brasil a um caminho de progresso e de melhoria das condições de vida de todo o povo.
http://correiocidadania.com.br/2-uncategorised/13780-teorias-reformistas
Deixe uma resposta