Mark Weisbrot – No país vizinho, escondido pela mídia, outro sinal de como fracassam as políticas de “corte de gastos”. Pobreza explodiu, inflação passa de 60% e, apesar de empréstimo gigante do FMI, país pode afundar em nova crise cambial.
Agora, 31,3% da população argentina vive em situação de “pobreza multidimensional”. Desde a posse de Macri, e a volta das políticas neoliberais, dois cidadãos caíram, por minuto, abaixo do nível necessário para sobreviver em dignidade material
A economia argentina declinou 6,2% no quarto trimestre de 2018. O retrocesso ocorreu no período em que o país recebeu 56 bilhões de dólares do Fundo Monetrário Internacional – o maior empréstimo deste tipo na história do FMI. Estima-se que a inflação supere os 40% este ano, mas os salários crescerão apenas a metade. Mauricio Macri, o presidente conservador-neoliberal da Argentina, tenta concorrer à reeleição em outubro. Mas à medida em que economia continua a naufragar, é improvável que obtenha um segundo mandato.
Mark Weisbrot, nosso entrevistado é co-diretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política, o CEPR, localizado em Washington. É autor de “Failed: What the ‘Experts’ Got Wrong About the Global Economy [“Erraram: o que os “especialistas” não entenderam sobre a Economia Global”].
Conversamos pela última vez sobre a Argentina em dezembro. Desde então, parece que a economia do país está pior que as previsões pessimistas. O que ocorre? Por que a produção ainda está encolhendo?
Como você disse, espera-se que a inflação seja de 40%. Quando o FMI firmou acordo com o país, previa-se que ela fosse de 20% em 2019. Também se supunha que a economia estivesse crescendo agora, mas ela continua a encolher. Os números que você mencionou comparam o último trimestre daquele ano com o mesmo período do ano anterior. Tudo está piorando.
O problema foi a receita errada para a doença. Voltemos ao ponto em que a última crise começou, em maio do ano passado. Deste então, diversos bancos, instituições financeiras e investidores deixaram o país e venderam os papéis de sua dívida. Isso resultou na queda do peso e elevou a inflação. A combinação destes dois fatos criou uma crise financeira. A solução do FMI, no acordo de 56 billhões de dólares – o maior já feito pelas instituição – foi restaurar a confiança dos investidores. O método foi e continua sendo um aperto do orçamento, a chamada “austeridade”.
Neste caso, também monetária. Significa congelar o atual volume de dinheiro disponível na economia e definir que ele não poderá crescer.
É claro que não funcionou. O FMI fez a primeira revisão do acordo no final do ano passado, e simplesmente dobrou a aposta: ampliou o aperto fiscal. O governo cumpriu a meta e obteve um déficit primário zero, ou “equilíbrio fiscal” no ano – sem contar o pagamento de juros, é claro. Agora, acabam de dobrar de novo. Apertaram a política monetária mais uma vez. As taxas de juros são as mais altas do mundo, 60%. Esperava-se que caíssem a “apenas” 30% este ano. A perspectiva é péssima.
“Analistas” dizem que Macri poderia ser reeleito em outubro, se a economia se recuperasse. Se isso não ocorrer, a ex-presidente Cristina Fernandez pode voltar. Você está dizendo que o cenário não parece bom para Macri. O que você espera que ocorra entre agora e outubro, quando ocorrerão as eleições presidenciais?
Não parece provável que haja uma recuperação. A combinação é mortal. Você tem taxas de juros muito altas, não acalmou os mercados, o peso caiu. Há uma semana, já tinha perdido 8% do valor, desde o início do ano. Mas se o governo tomou tantas medidas, e obteve um empréstimo gigante do FMI, que ocorreu para fracassar? Eles estão aplicando as políticas erradas. A “austeridade” e seus impactos na economia, e mesmo nos mercados financeiros, estão realmente minando a confiança e tragando a economia.
Para Macri ser bem-sucedido, é preciso que algo realmente importante mude. Mas veja que ele já foi beneficiado por uma mudança positiva, e não tirou proveito dela. O banco central dos EUA [o Federal Reserve, ou Fed] decidiu não elevar as taxas de juros, ao contrário do que havia antecipado. As taxas devem permanecer estáveis ao longo de todo o ano. A política anterior, de elevação dos juros, foi vista, em maio passado, como um dos fatores da crise. Porque quando o Fed eleva os juros – e isso foi feito nove vezes, desde 2015 – isso atrai, para os EUA, capital que estava na Argentina. Em resposta, os mercados entram em pânico, antecipando novas altas. Agora, há uma política muito mais amistosa por parte do Fed nos EUA, e a economia argentina segue em situação terrível.
É claro que, com o empréstimo do FMI, Macri terá algum fôlego. Se Cristina Fernandez fosse a presidente, ela certamente não teria obtido tal crédito. Qual é o papel das forças externas no esforço para que Macri seja reeleito?
Há um paradoxo óbvio aqui. Penso que o FMI está, na verdade, agindo contra seus próprios interesses. Eles querem que Macri vença. È por isso que lhe ofereceram este enorme empréstimo. Também os EUA desejam a vitória de Macri e, principalmente sob Trump, agem explicitamente para favorecer o presidente argentino – que é parte da coalização comprometida em derrubar o governo venezuelano. O FMI, diga-se, não é independente do Departamento do Tesouro dos EUA, quando atua nas Américas.
Eles cortaram os créditos do Banco Interamericano de Desenvolvimento para Cristina Kirchner, e os restauraram imediatamente após a vitória de Macri. O juiz Thomas Griesa, de Nova York, que julgava 90% das ações dos fundos-abutre contra o governo argentino, aceitou reabrir os créditos assim que saiu o resultado das urnas. Além disso, tornou explícita a motivação política de seu ato.
Portanto, há um leque de forças nos EUA que deseja a reeleição de Macri.
No entanto, eles todos criaram uma dinâmica que os está ferindo, ao deprimir a economia argentina. Agora, precisam convencer os mercados de que há riscos, de que Macri pode perder. Significa que sempre que algo dá errado em seus planos, e cresce a possibilidade de vitória de Cristina, isso desarranja os mercados financeiros e desencadeia novas notícias ruins: controle sobre a emissão de pesos, alta da inflação antecipando novas quedas da moeda etc. Este é um problema real para Washington. O FMI está tornando tudo pior, devido a sua visão dogmática sobre o problema e sua solução. Por isso, a Argentina tende a se manter em crise, ainda que isso não sirva aos interesses do governo norte-americano, de ajudar Macri de todas as maneiras possíveis.
Deixe uma resposta