Luis Fernando Vitagliano – Para entender as eleições de 2018 devemos esquecer um pouco das diferenças politicas que normalmente influenciam nas eleições e perseguir o dinheiro que fez valer inverdades – batizadas de fakenews – que contaminaram o ambiente político. Não foi só uma estratégia que se focou em fakenews, mas isso inaugurou uma série de mudanças não só no modo como se trabalhou a comunicação de campanha, mas, também, no modo como se construiu apoios e agendas politicas.
Não é novidade pra ninguém que acompanha de perto as eleições que o mapa dos votos de 2018 seguiu a tendência já expressa em 2014 (vejas as Figuras 1 e 2 das eleições de 2014 e 2018, respectivamente). Dilma Rousseff superou Aécio Neves nas regiões Norte e Nordeste, perdendo no Sul e Sudeste com menos intensidade.
Figura 1: O 1º Turno das Eleições de 2014
Com mudanças não muito significativas em termos de distribuição geográfica: Bolsonaro vencendo em parte do Pará,Roraima e Acre. Marina Silva, em 2014 venceu em Pernambuco, Ciro Gomes em 2018 venceu no Ceará, seu estado natal. Mas, algumas regiões no sul do país e do Mato Grosso ainda foram vencidas pelo PT.
Figura 2: O 1º Turno das Eleições de 2018
Apenas um artigo da Rede Brasil Atual (RBA – “Eleitores de Bolsonaro estão em áreas de influencia do agronegócio”, assinado por Cida de Oliveira) – Figura 3 – chamou a atenção para o fato de que o mapa eleitoral tem um recorte parecido com o recorte do desenvolvimento do agronegócio no Brasil. Obviamente este fato deve ser associado ao de que as três principais metrópoles do país – São Paulo, Rio de Janeiroe Belo Horizonte – se renderem uníssonas a propaganda da direita.
Houve, nos governos petistas, um conflito escancarado entre a pauta do agronegócio e a pauta dos movimentos sociais. MST, direitos indígenas, quilombolas, movimentos ambientais, atingidos por barragens, as minorias e grupos sociais que tem uma relação que limita a exploração do agrobusiness. A pauta econômica do agronegócio no Brasil atribuiu ao PT a resistência dos movimentos sociais e a resistência ao agronegócio. É preciso uma exploração mais detalhada sobre isso, mas já é perceptível que a pauta de governo se encaixa perfeitamente na sua base eleitoral e teve como financiador os projetos de expansão agrícola dos negócios brasileiros.
Figura 3: Mapa do Agronegócio comparado às eleições de 2018
(FONTE: No mapa da esquerda esta a produção de soja de 2015, com base nos dados do IBGE e o mapa da direita é a distribuição de votos do primeiro turno de 2018. Publicado em 10/10/2018, no site da Rede Brasil Atual)
Veja os decretos sobre quilombolas e direitos demarcados em terras indígenas, a liberação de agrotóxicos, a criminalização do MST, a liberalização da posse de armas, as mudanças de IBAMA e FUNAI ou mesmo medidas até descabidas de objetividade com a desestruturação da política florestal. Não é uma intervenção direta no conflito do campo apenas. É uma agenda complexa que não se limita ao negócio, mas ao modo de vida das cidades ligadas ao agronegócio, ao tipo de empreendimento que é mais que uma fazenda de produção para o mercado. É uma fazenda com grande influência na produção para o mercado externo, alta produtividade, lucratividade, mas que depende da política publica de financiamento e de infraestrutura para escoamento da produção.
A Figura 4 mostra que a expansão da produção de soja e cana-de-açúcar de 1973tem crescimento no interior do país e também mostra que, neste século, a região amazônica teve redução, dando espaço ao sul do Pará, Maranhão, Tocantins e Goiás e expandiu-se facilmente no Centro-Oeste. A Figura 5 mostra as rotas de escoamento da produção e os principais polos de escoamento, no Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo.
A participação do agronegócio no PIB brasileiro deve ser muito mais que os 6% que se identifica com a agricultura. Setores da indústria e da logística envolvidos nessa área é uma cadeia importante para o país e não é trivial que Bolsonaro tenha costurado o apoio dessa área.
Figura 4: Mapas do avanço das fronteiras do agronegócio (1973 a 2014)
(FONTE: Atlas do agronegócio, 2018 – disponível aqui)
Agora, imagine que essas diversas empresas ligadas ao agronegócio, assim como empresas que admitiram publicamente fazer campanha para Bolsonaro – como a Havan – tenham financiado a disseminação de fakenews, formado grupos de whatsapp e trabalhado nas redes sociais? Se isso ocorreu, e é provável que tenha ocorrido através de dinheiro de empresas e não de pessoas (e dinheiro não declarado de campanha), isso influenciou fortemente as eleições. Nesse sentido, o Nordeste não foi exatamente preservado ou esteve imune às fakenews.
O fato de que a força da campanha de Bolsonaro ter atingido os bolsões do agronegócio – e menos as regiões litorâneas (não no Sul e Sudeste) – tem, principalmente, dois motivos: primeiro, foram as regiões onde o apoio político, financeiro e de pauta teve maior aderência e, segundo, nas outras regiões, o gasto e o investimento foi menor.
Nesse sentido, supor que houve “antidoto” no Nordeste contra as fakenews ignora o fato de que o gasto e a sustentação financeira da campanha teve menor base no Nordeste – o que não quer dizer que outras estratégias não tenham sido tentadas, principalmente nas capitais – mas com menos eficiência porque os problemas ligados ao agronegócionão são os problemas da agricultura familiar.
Figura 5: Escoamento da produção de soja em 2013
Fonte PAM/IBGE, 2014
Se repararmos no último mapa (Figura 6) é possível defender que umas das barreiras políticas às fakenews e para a campanha difamatória tanto em relação ao PT quanto às políticas públicas dos governos Lula e Dilma é o tipo de negócio que se desenvolveu em determinadas regiões do país a partir dos programas de desenvolvimento que esses governos tiveram – e a agricultura familiar representa uma parte disso.
Figura 6: Mapas da agricultura familiar no Brasil
Fonte PAM/IBGE, 2014
Obviamente a agricultura familiar da região Sul e Sudeste do país é bastante diferente da região Nordeste ou mesmo da Norte. Os problemas em cada lugar são diversos. A agricultura familiar do Sul e Sudeste está diretamente ligada ao abastecimento das cidades. O Nordeste tem que lidar com um problema sério de água e o Norte com o escoamento da produção e a zona de preservação ambiental no interior. Mas o sintomático é que a politização do agronegócio no Brasil parte de uma repulsa antipetista difícil de tornar-se razoável. Os governos petistas não estabeleceram um conflito ou uma disputa que visou diminuir ou derrubar o agronegócio, pelo contrário, foram bastante favoráveis, abrindo e buscando várias oportunidades ao setor. De outro lado, fizeram isso buscando a regulação do setor e, principalmente, sua coexistência com outras demandas legítimas da sociedade brasileira como a tradicional luta por reforma agrária, por direitos das populações negras e o direito dos povos originários, a regulamentação de obrigações ambientais e condições para a produção e escoamento das mercadorias, mediado com condições de financiamento e desenvolvimento do setor com sua internacionalização.
O fato do setor não aceitar limites ao seu avanço e, com isso, se impor a outras pautas tornando a política um fla-flu de produtores rurais contra todas as outras minorias que não se enquadram no seu tipo de negócio cria no Brasil uma espécie de nova polarização porque uma parte importante da política no país não consegue conviver com os limites que a própria sociabilidade lhes impõe.
http://www.ihu.unisinos.br/587705-os-mapas-do-poder-dos-ruralistas
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