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Finalizar a Guerra da Síria sem nova crise humanitária

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Luiz Eça – Não há mais chances de os re­beldes de­sa­lo­jarem Assad do poder. Só a pro­víncia e a ci­dade de Idlib estão nas mãos deles. Fora isso, restam-lhes apenas al­guns bol­sões no no­ro­este e no leste da Síria. E o trunfo mais im­por­tante: Idlib, agora sob a Hayat Tahrir al-Sham (HTS, ex-Nusra Front, fi­lial da Al-Qaeda no país), a única pro­víncia que re­siste ao go­verno de Da­masco.

O Es­tado Is­lâ­mico (EI) já perdeu quase tudo, vive ainda em uns poucos vi­la­rejos e acam­pa­mentos de mi­li­tantes, es­pa­lhados pelo de­serto.

Dos civis e mi­li­tares mo­de­rados que ini­ci­aram a re­volta, não so­braram muitos. São ir­re­le­vantes nas hostes das forças que se opõem ao re­gime de Assad. Uma parte ainda mi­lita nas Forças De­mo­crá­tica Sí­rias (FDS), também in­te­grada pelos curdos, que as li­deram, e apoiada pela po­de­rosa avi­ação dos EUA.

É nas re­giões ocu­padas pela FDS que estão se­di­ados 5 mil sol­dados norte-ame­ri­canos, à es­pera da ordem de re­ti­rada pro­me­tida pelo pre­si­dente Trump.

Con­ti­nuam em luta ou­tros grupos jiha­distas, dos quais o mais forte é a Frente de Li­ber­tação Na­ci­onal, sob in­fluência dos turcos, a qual ao lado da fi­lial da Al-Qaeda, o Hayat Tahrir al Sham, ma­jo­ri­tária nas ci­dades e vi­la­rejos da pro­víncia de Idlib,

Sendo Idlib a úl­tima área sig­ni­fi­ca­tiva go­ver­nada por re­beldes, o go­verno Assad pri­o­riza sua to­mada, pois isso po­deria fazer as di­versas forças re­beldes aban­do­narem seu sonho im­pos­sível, frag­men­tando-se em ren­di­ções, acordos com Assad ou in­gresso na clan­des­ti­ni­dade para con­ti­nu­arem a operar em ações ter­ro­ristas.

A pro­víncia de Idlib, com cerca de 3 mi­lhões de ha­bi­tantes no in­te­rior e 170 mil na ca­pital, é agora a úl­tima bar­reira para que o go­verno in­clua no seu mapa pra­ti­ca­mente toda a Síria.

Terá pela frente prin­ci­pal­mente os guer­reiros do HTS, que der­ro­taram os ou­tros grupos jiha­distas, as­su­mindo o go­verno da pro­víncia.

Com mais de 20 mil guer­reiros, o HTS e al­guns ali­ados tentam impor a Sharia (lei is­lâ­mica da­tada da Idade Média) ao pé da letra nas re­giões que con­trolam, apli­cando re­gras fun­da­men­ta­listas se­me­lhantes às do EI.

Em agosto de 2018, o mi­nistro do Ex­te­rior da Síria, Walid Mu­allem, de­clarou que agora o ob­je­tivo do seu go­verno era li­bertar Idlib. Em­bora tenha afir­mado que o ter­ri­tório seria re­cu­pe­rado através de “acordos de re­con­ci­li­ação”, deixou os ha­bi­tantes de ore­lhas em pé quando es­cla­receu: “es­tamos de­ter­mi­nados a der­rotar o HTS, não im­portam os sa­cri­fí­cios”.

Como para os su­ces­sores da al Qaeda, re­con­ci­liar-se não cos­tuma ser opção, teme-se que os sa­cri­fí­cios se­riam ine­vi­tá­veis. Re­caindo sobre o povo, como é há­bito de go­vernos em todo o pla­neta.

Os russos, ali­ados im­pres­cin­dí­veis de Assad, apres­saram-se a ra­ti­ficar esse re­ceio, ga­ran­tindo que o go­verno de Da­masco teria todo o di­reito de “li­quidar a ameaça ter­ro­rista no seu ter­ri­tório.”

Au­to­ma­ti­ca­mente, bro­taram os pe­sa­delos dos cercos de Aleppo e Racqua, com as de­vas­ta­ções cau­sadas, res­pec­ti­va­mente, pelos aviões russos e es­ta­du­ni­denses, que des­truíram por­ções subs­tan­ciais dessas ci­dades, ma­tando civis ino­centes em massa.

Fe­liz­mente, a ONU agiu para tentar im­pedir mais um de­sastre hu­ma­ni­tário na Guerra da Síria.

Por pro­posta de Staffan de Mis­tura, seu re­pre­sen­tante na guerra, foi criada, sob pa­tro­cínio da Rússia e da Tur­quia, uma zona tampão des­mi­li­ta­ri­zada, de 15 a 20 km de lar­gura, se­pa­rando os ter­ri­tó­rios re­beldes dos se­tores vi­zi­nhos con­tro­lados pelo re­gime sírio.

Os grupos jiha­distas de­ve­riam aban­donar essa zona, de­vendo ainda re­tirar de lá todas as suas armas pe­sadas. Em con­tra­par­tida, o re­gime de Assad se com­pro­metia a in­ter­romper tem­po­ra­ri­a­mente sua ofen­siva contra Idlib.

Era o pri­meiro passo para se chegar a um acordo entre go­verno e re­beldes.

Uma das prin­ci­pais van­ta­gens ofe­re­cidas é que, no caso de ata­ques de bom­bar­deios russos e sí­rios a Idlib, os civis po­de­riam fugir para a zona tampão, onde re­ce­be­riam ajuda hu­ma­ni­tária.

Foi fi­xado um prazo para que o HTS e a Frente de Li­ber­tação Na­ci­onal cum­prissem todas as suas obri­ga­ções en­vol­vidas no acordo.

De um modo geral, as coisas foram indo bem, apesar de o HTS de­morar a fazer o que devia.

No en­tanto, no mês pas­sado, estes su­ces­sores da al Qaeda lan­çaram-se numa ofen­siva pelo in­te­rior da pro­víncia de Idlib, to­mando ci­dades e vilas e subs­ti­tuindo os go­vernos lo­cais por ele­mentos dó­ceis a seu co­mando.

Já con­quis­taram 90% de Idlib, che­gando mesmo a pe­ne­trar na pró­pria zona tampão, o que ameaça o acordo subs­crito pela Tur­quia e pela Rússia.

Ora, não es­tava no script. Pos­si­vel­mente, o re­gime de Assad deve re­agir, vol­tando a bom­bar­dear Idlib com aviões russos e lan­çando uma ofen­siva ter­restre em grande es­cala.

Es­pera-se que isso seja evi­tado, dando mais tempo para que os re­beldes acabem ad­mi­tindo que sua luta não têm fu­turo e aceitem en­tregar Idlib, o que poria ponto final na Guerra da Síria, com quase todas as suas im­pli­ca­ções.

Ainda fal­taria a lim­peza dos úl­timos e es­gar­çados re­dutos do EI, a so­lução para o pro­blema curdo, um acordo in­ter­na­ci­onal re­gu­lando a tran­sição do país para a de­mo­cracia e a con­cessão de re­cursos para a re­cons­trução da Síria.

Cabe aos EUA, Rússia, Irã, Arábia Sau­dita, Emi­rados Árabes Unidos, Tur­quia, França e Reino Unido as­su­mirem todas estas ações.

Pa­rece muito, mas é o mí­nimo para países cujos in­te­resses po­lí­ticos im­pe­diram que a guerra aca­basse mais cedo.

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