CLAUDI PÉREZ – “O ‘crash’ do Lehman Brothers pode se repetir a qualquer momento”, prevê o sociólogo.
Terno cinza, camisa escura e fala tranquila, quase monocórdica: à primeira vista não há absolutamente nada que leve a crer que o intelectual alemão Wolfgang Streeckseja um dos maiores pessimistas do Atlântico Norte. Salvo talvez um discreto bigode pessoano, que antecipa o desassossego deixado por uma hora de conversa com ele: um ar de praga de úlceras com o que vai acumulando fatos e conjeturas para concluir que o capitalismo está a caminho do desastre. O título de seu último livro é sua melhor carta de apresentação: em How Will Capitalism End? (“como acabará o capitalismo?”), ele conclui, em um tom de Antigo Testamento, que a credibilidade das instituições democráticas está desabando, e que a social-democracia – na qual militou – fracassou miseravelmente. Estranha mistura de agudo analista, moralista e profeta, o sociólogo de cabeceira do prestigioso Instituto Max Planck argumenta que será preciso destruir o euro e que a fuselagem do sistema financeiro corre o risco de desmoronar. “O crash do Lehman Brothers pode se repetir a qualquer momento”, vaticina com um fatalismo sem fissuras.
Streeck esteve na quinta-feira passada em Madri para participar de um ciclo de conferências organizado pela Fundação Ramón Areces. O público (e o entrevistador) saíram lívidos: a Grande Crise é “um fracasso do sistema e das ideias que o sustentavam”, “um mal-entendido geral para o qual talvez não haja solução hoje”.
Pergunta. Desde Marx ouvimos falar do final do capitalismo, mas o apocalipse quase sempre frustra seus profetas. Por que será diferente desta vez?
Resposta. Não digo que o capitalismo vá explodir em pleno voo. Digo que o sistema se colocou num limbo e está em franca decadência. A governabilidade do capitalismo democrático, tal como a conhecemos nos anos sessenta, desapareceu. A hiperglobalização neoliberal o tornou intratável. O bipartidarismo está zumbi, a mistura de incerteza e medo está abalando nossas sociedades, e a prova é a aparição de novos partidos que desafiam abertamente a erroneamente chamada ordem liberal. Os Estados se colocaram em formidáveis crises fiscais, e a combinação com níveis de desigualdade lacerantes e endividamentos formidáveis deixou os Estados sem ferramentas. Diferentemente do que ocorre com os acidentes aéreos, as crises se tornaram mais frequentes, não menos: talvez porque o avião seja muito perigoso. O mal-estar é geral.
P. Talvez parte desse mal-estar esteja mais baseado em percepções que em fatos: a expectativa de vida está em seu nível máximo, milhões de pessoas saem da pobreza.
R. Não sou um pessimista irredutível: o que defendo é que a credibilidade das instituições desmorona, e isso não tem nada a ver com a expectativa de vida. Veja, na história do capitalismo as crises se sucederam. A novidade é que agora essas crises se sobrepõem e se reforçam mutuamente. Com um sistema financeiro fora de controle, o casamento do pós-guerra entre capitalismo e democracia vai rumo ao divórcio.
P. Quando chegaria então o estrondo definitivo?
R. Estamos em um limbo: talvez não vejamos um crash, mas sim uma decadência mais ou menos rápida, conforme funcionem ou não as ideias que ocorrerem a Governos e bancos centrais para salvar match points. Vamos para um longo período de improvisações que podem chegar a ser muito arriscadas, e em último termo nefastas.
“Não entendo isso, acordem”, diz sobre a admiração a Merkel na Espanha
P. O “custe o que custar” de Draghi foi uma dessas ideias? A compra de bônus não era imprescindível? O que você teria feito?
R. Eu não sou Draghi, nem trabalhei no Goldman Sachs. O Banco Central Europeu é um bicho esquisito: precisa dar uma receita única para países muito diferentes, não presta contas a ninguém e acabou derrubando Governos, como vimos na Grécia e na Irlanda, ou enviando cartas a primeiros-ministros para que fizessem reformas, como vimos na Espanha e Itália. A montanha de dívida que tínhamos não sumiu; continua aí. Os economistas que mais sabem de bancos dizem que o sistema continua fora de controle, e que a qualquer momento pode haver outro Lehman.
P. A zona do euro resistiu.
R. A Espanha continua com um desemprego de 15% uma década depois do Lehman. A Itália está a caminho de uma terceira recessão. A saída da crise da Grécia é uma piada. Há sacudidas políticas – novos movimentos e partidos – em toda a Europa: os coletes amarelos na França são a expressão desse Estado do mal-estar. As péssimas expectativas das pessoas, conscientes de que esta geração viverá pior que seus pais, estão se decantando na forma de potenciais conflitos políticos e uma enorme instabilidade. É preciso quebrar o euro, e logo.
P. Como é?
R. O euro foi um erro colossal.
P. O custo de destruí-lo não é para pensar duas vezes?
“O euro é um regime monetário para favorecer a Alemanha e seus exportadores”
R. Vocês mesmos [europeus] se encurralaram, puseram uma camisa de força. Sair do euro será custoso em curto prazo, mas em longo prazo seria inclusive mais custoso continuar nele. A Europa do sul sai muito prejudicada do desenho da zona do euro: o euro é um regime monetário para favorecer a Alemanha e seus exportadores. É um experimento de autodestruição: resta ver quando países como a Itália e a Espanha perceberão isso. É um padrão ouro inclusive mais rígido que o de um século atrás.
P. Nem sequer os gregos no auge da crise quiseram sair.
R. Não há como se recuperar de uma crise profunda e desinflar essas gigantescas bolhas com desvalorizações internas que impõem cada vez mais austeridade, como receitou Merkel a toda a Europa, se não forem acompanhadas de um forte crescimento, que não está aí; de inflação, que não é esperada; ou de reestruturações de dívida, que Merkel não permitirá. Sem nada disso à vista, é preciso acompanhar as desvalorizações internas com uma desvalorização externa, da moeda; com o euro, isso é impossível. É preciso renacionalizar a política econômica para ter um pouco de tração.
P. Apesar dessa análise, Merkel é admirada na Espanha.
R. Não entendo isso. Acordem.
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