THAIS REIS OLIVEIRA -Para Eduardo Fagnani, professor da Unicamp, governo quer criar ‘colônia exportadora de soja, na qual a população não precisa ter renda’.
A Reforma da Previdência ganhou um nome pomposo e marqueteiro sob a caneta de Bolsonaro: Nova Previdência. A missão alardeada pelo governo parece ainda mais nobre, acabar com os privilégios e cobrar mais de quem ganha mais. Mas o texto enviado ao Congresso mostra pouco disso.Embora corrija certas distorções entre o regime geral e o próprio (dos servidores públicos), as regras ficaram ainda mais duras para os mais pobres. Para se aposentar com 100% da média salarial, será preciso contribuir por 40 anos. A idade mínima subiu e afeta principalmente as mulheres. Também foram cortadas pensão por morte e aposentadoria por invalidez.
Para o economista Eduardo Fagnani, professor da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit), essas mudanças criarão uma massa de miseráveis nas próximas décadas. “Poucos vão conseguir comprovar a idade mínima e o tempo de contribuição. E serão jogados para assistência.”
Um dos pontos mais críticos é o corte no benefício de prestação continuada. Pelas novas regras, os idosos pobres só teriam direito ao salário mínimo a partir dos 70 anos. “No caso dessa população, é muito difícil que eles cheguem aos 70 anos. Haverá uma sobrevida muito curta”, diz.
Ele também rebate os slogans do governo. “Não dá pra dizer que uma reforma é justa se ela deixa de fora os militares. Os policiais civis, federais e agentes penitenciários se aposentam com 55 anos. Porque a mulher rural tem que aposentar com 60 anos, e essas categorias antes?”
Um dos especialistas ouvidos pelas comissões que discutiram a reforma na gestão Temer, Fagnani comenta os principais pontos da nova versão reforma. Confira a seguir.
CartaCapital: O governo fala em previdência justa, com regras iguais para todos. Até que ponto isso é verdade?
Eduardo Fagnani: Não é verdade. O que eu percebo, é que essa reforma continua exigindo muito do INSS e do regime geral. Ela tende a excluir da Previdência muita gente que não vai conseguir chegar na idade mínima e nem comprovar os vinte anos de contribuição. E baixando o benefício assistencial a 400 reais, eles constroem um muro. Vamos sair de um país que tem 80% dos idosos com proteção previdenciária e caminhar para um futuro em que 30% da população terá uma previdência ganhando entre 400 reais e 1000 reais.
CC: Se essa PEC for aprovada como está, quais os efeitos sobre a desigualdade?
EF: Você já tem 50% do mercado de trabalho na informalidade, que não contribui com a Previdência. E com essas regras, que continuam duríssimas, mais uns 20% não irão conseguir e serão lançados à assistência ganhando 400 ou 500 reais. Para que destruir o sistema de proteção social, para que a gente tenha um país indigente daqui a 20 ou 30 anos? País sério faz reforma da Previdência, mas não destrói o sistema de proteção social. Juntando isso com a reforma trabalhista, teremos um capitalismo sem consumidor. Esse é o sonho deles, uma colônia exportadora de soja, na qual a população não precisa ter renda.
CC: Guedes manteve a promessa de economizar 1 trilhão em dez anos. Faz sentido esse cálculo?
EF: Isso é chute. O governo não tem um modelo de projeção atuarial, os economistas não acertam projeções de um ano. Qual o PIB que eles estão projetando para os próximos dez anos? Para dizer isso, é preciso abrir os dados. Eles dizem que só a pensão das Forças Armadas vai gerar uma economia de 92 milhões. Mas eles não têm um projeto para as Forças Armadas. Se não tem projeto, como sabem dessa economia?
CC: Políticos à esquerda e à direita concordam que é preciso reformar a Previdência. Qual seria a reforma ideal?
EF: Nos últimos 30 anos, foram feitas quatro grandes reformas na Previdência. No regime geral, você precisa de correções muito pontuais. A idade mínima existe desde a década de 30, hoje eles dizem que o trabalhador urbano se aposenta com 66 anos. E isso representa 70% das aposentadorias. O restante é por tempo de contribuição. O problema estava aí, mas foi corrigido em 2015 com o fator previdenciário móvel. Isso é padrão de país desenvolvido. Não sei o porquê de mexer de novo nisso.
CC: E a questão dos servidores públicos?
EF: A idade de aposentadoria do servidor público tem que aumentar mesmo, ser pelo menos igual à do INSS. Mas é uma medida pontual. Os problemas da Previdência no setor público são dois. Um é o estoque dos trabalhadores que entraram desde 2012. O outro é a previdência dos estados.
O servidor que entra no serviço público a partir de 2012 tem um teto 5.800 reais do INSS. Porque foi criado o Funpresp [Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal]. Daqui a 35 anos, essa pessoa se aposenta pelo teto. Então o problema também não é quem se aposenta a partir de 2012.
CC: Esse projeto é melhor ou pior do que aquele que o Temer apresentou em 2016?
EF: Os relatores daquela época aprenderam muitas coisas nas discussões, e até tentaram reduzir o problema. Mesmo assim, permanecem aspectos muito críticos. A proposta inicial da reforma era de 25 anos de contribuição. Na versão final, baixou para 15. Agora eles deixaram com 20 anos. Também recuam pouco na questão rural. Mas os problemas permanecem.
CC: Há algum ponto crítico que não esteja recebendo a atenção devida?
EF: O chamado gatilho. A cada quatro anos, sempre que a expectativa de vida subir, a idade mínima aumenta um ano. Em vinte anos, esse limite deve chegar aos 67, 68 anos. É uma coisa doida, porque alguns países capitalistas desenvolvidos passarão a idade para essa faixa etária a partir de 2030. E nós podemos chegar antes deles lá. O Brasil é o nono país mais desigual do mundo [dados da Oxfam]. E além de desigual, é heterogêneo. Não dá pra comparar o Piauí com Santa Catarina.
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