Geografia

Quão pobres são os pobres no Estado de São Paulo?

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LUIZ SUGIMOTO – Demógrafo analisa mudanças nas dinâmicas sociodemográfica, espacial e migratória da população pobre de 1991 a 2015.

Nem todos os pobres são iguais – a afirmação, que parece senso comum, ficou demonstrada em tese de doutorado analisando as mudanças nas dinâmicas sociodemográfica, espacial e migratória da população pobre no Estado de São Paulo entre 1991 e 2015. A pesquisa do demógrafo Pier Francesco De Maria aponta que os níveis de pobreza caíram substancialmente no período analisado – o que coincide com o observado na literatura nacional –, mas que isso não implicou em redução da desigualdade entre os pobres, especialmente entre aqueles em situação de extrema pobreza. Mais: que programas de transferência de renda como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (voltado ao idoso e à pessoa com deficiência), por mais exitosos e importantes que tenham sido e continuem sendo, não necessariamente identificaram ou alcançaram os mais pobres dentre os pobres.

“A renda é um índice unidimensional importante para avaliar a pobreza, mas insuficiente. Por isso, temos avançado na análise do que chamamos de pobreza multidimensional, envolvendo outros aspectos como qualidade da moradia, acesso a serviços, nível de escolaridade para concorrer no mercado de trabalho, o fato de estar trabalhando e assim por diante”, explica Pier De Maria, que teve a orientação da professora Rosana Baeninger, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). “Na tese, procuramos estudar quanto os pobres são diferentes entre si – e também dos não pobres –, recorrendo a uma divisão em quatro grupos: os não-pobres, os vulneráveis à pobreza, os pobres e os extremamente-pobres.”

O autor da tese afirma que a combinação de metodologias e indicadores, a partir do Censo Demográfico (1991, 2000 e 2010) e da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios anual, 1992 a 2015), permitiu observar a trajetória da pobreza no Estado e a sua evolução socioespacial. “Como índice unidimensional seguimos o critério usual no Brasil, que atribui até meio salário mínimo de renda para o pobre e de um quarto do salário para o extremamente-pobre; os vulneráveis à pobreza são aqueles que ganham de meio a dois salários (em torno de 1.800 reais, valor este obtido considerando que a cesta básica é só uma porção da renda necessária) e, acima disso, estão os não-pobres. Como índices multidimensionais, adotamos duas metodologias distintas, uma nacional e outra internacional, cujos resultados, numa escala que vai de zero a 1 (quanto mais próximo de 1, pior a condição do indivíduo), foram estratificados conforme sugerido na literatura.”

Foto: Perri

O demógrafo Pier Francesco De Maria, autor da pesquisa: “A renda é um índice unidimensional importante para avaliar a pobreza, mas insuficiente”

 

Segundo De Maria, a análise dos índices uni e multimensionais confirmou uma esperada redução do número de pobres no Estado de São Paulo, não só em termos absolutos como relativos. “Isso é fato. Ocorre que esta redução não veio acompanhada de uma redução das desigualdades entre os pobres, especialmente entre os de extrema pobreza. A composição da população pobre é cada vez mais heterogênea, não podemos dizer que os pobres são todos iguais: os que eram pobres ascendem para o grupo de não pobres e os extremamente-pobres para o de pobres – é uma troca de patamar, que chamamos de mobilidade ascendente. Mas há um grupo entre os mais pobres que não consegue dar esse salto e fica para trás – isto é, dentro desse grupo, há os que se encontram nos limiares da pobreza e um contingente maior estacionado mais distante, na borda.”

Para o autor da tese, a desigualdade de renda entre os extremamente pobres tem aumentado com o passar do tempo, refletindo uma combinação da heterogeneização da pobreza com a desigualdade no acesso às políticas de transferência de renda. “Essas pessoas não vêm tendo acesso a políticas sociais ou não foram identificadas pelo Estado; sabemos ainda de indivíduos sem registro de nascimento e, consequentemente, sem carteira de identidade para obter os benefícios. Outra possibilidade é de o governo não ter chegado até elas por problemas na gestão dessas políticas. Programas como o Brasil sem Miséria [lançado em junho de 2011, no governo Dilma Rousseff] vieram, de certa forma, identificar e atender esse grupo que ficou esquecido.”

Desigualdade espacial

Pier De Maria atenta que a desigualdade foi igualmente observada em nível espacial, por meio da análise dos 645 municípios do Estado, que é formado por regiões com perfis, dinâmicas e desigualdades distintas. “Constatamos que, além do aumento da desigualdade entre pobres e extremamente pobres, e mesmo com a redução do nível de pobreza, a forma como esta desigualdade está se distribuindo pelo território é diferente. A diminuição da pobreza começou no final da década de 1980 por São Paulo e Campinas, espalhando-se pelas regiões metropolitanas desses grandes centros, avançando em seguida para as principais cidades do interior, como Piracicaba, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, e depois para o interior dessas regiões.”

Com isso, conforme o autor da tese, algumas bordas do Estado ficaram para trás. “Esta distribuição desigual da pobreza pode ser explicada, em parte, pela maior eficácia das secretarias das grandes cidades no gerenciamento de políticas sociais, mas também pela hipótese que seguimos na tese: que uma dinâmica econômica local permitiu que a pobreza fosse reduzida mais cedo (e que a desigualdade entre os pobres aumentasse também mais cedo). O que colocamos como bordas do Estado – Vale do Paraíba até o limite com o Rio de Janeiro e nas fronteiras com o Paraná e com o Mato Grosso do Sul – ainda possuem níveis de pobreza mais elevados que o restante do território, devido à demora na chegada dos benefícios e de melhorias econômicas e sociais.”

Dinâmica migratória

Analisando a dinâmica migratória da população por grupo socioeconômico, o demógrafo pôde constatar que os destinos dos pobres são bem diferentes daqueles almejados pelos mais abastados; que os pobres são os que mais migram e vêm de origens mais distantes; e que entre os extremamente pobres é mais intensa a migração intraestadual. “Uma frase que me incomoda bastante é: ‘não migra porque é pobre’. Na separação por grupos, vemos que os pobres migram muito no Estado de São Paulo e, quando são de fora, vêm de locais tão distantes quanto os não-pobres – do litoral e interior do Nordeste, do Norte (Belém, Manaus, Porto Velho). Já o fluxo migratório dos extremamente-pobres é muito mais reduzido, o que pode ter vínculo com a falta de oportunidades e de acesso a renda.”

O pesquisador acrescenta que, focando a mobilidade apenas dentro do Estado de São Paulo, os extremamente pobres vêm de mais longe, percorrendo uma média de 150km, contra 130km dos não pobres. “Por pequena que pareça a diferença, o que muda é o destino: se os não pobres ainda buscam o ABC atrás de uma boa oportunidade de emprego, os mais pobres evitam essa região porque estariam mais próximos da informalidade e com maior custo de vida, em comparação à região de Campinas, por exemplo, que ainda é um polo de crescimento – em seguida aparecem Limeira, Piracicaba, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, que são regiões em expansão. O destino é escolhido a dedo, o que reforça a noção de que a migração atrai a migração: ter alguém conhecido em determinada localidade faz com que a inclusão seja facilitada.”

O peso de Campinas

Outro resultado obtido por Pier De Maria é que o nível de desigualdade no Estado não caiu o quanto poderia, por dois motivos, independentes e combinados entre si: primeiro, que a desigualdade entre os extremamente-pobres triplicou de 1992 a 2015; segundo, que os níveis de pobreza e a dinâmica da desigualdade onde o IBGE define como região intermediária (RI) de Campinas, destoam do restante do território paulista. “Se retirássemos essa RI, a desigualdade no Estado seria em torno de dez por cento menor, com índice de 0.54 contra o registrado de 0.6. Isso significa que nessa região talvez tenhamos maior número de pessoas de mais alta renda ou muito próximas de um índice multidimensional de pobreza igual a zero; ou, ainda, uma concentração de pessoas nem tão grande, mas ricas, em meio a um contingente maior de pessoas de baixa renda e níveis altos de pobreza.”

Por fim, ao dividir os municípios paulistas utilizando o índice de Gini (que mede a desigualdade) e os índices de pobreza multidimensional, o pesquisador chegou a uma regionalização com cinco grupos: áreas de menor pobreza e desigualdade, áreas de transição da pobreza, áreas de transição da desigualdade, áreas de maior pobreza e desigualdade, e áreas de contradição. estas áreas, além de terem diferenças nos índices de pobreza e desigualdade, guardam distinções em termos de participação industrial, vulnerabilidade social, tamanhos de municípios e indicadores demográficos. “Percebemos que a heterogeneidade entre municípios numa mesma área era menor no Censo de 1991, tornou-se mais heterogêneo em 2000 e sinalizava para uma homogeneidade em 2010, o que só poderemos confirmar no Censo de 2020.”

Pier De Maria justifica que a dinâmica de homogeneização então esperada em 2010 esbarrou nos dados da PNAD de 2015 e de outras pesquisas do IBGE de 2016 em diante, mostrando um aumento nos níveis de pobreza e uma mudança nos níveis de desigualdade no Brasil, bem como no Estado de São Paulo. “É provável que a dinâmica imaginada para 2020 se reverta, por conta do que aconteceu nos anos mais recentes. Apenas para citar um exemplo, uma discussão interessante colocada pela banca durante a defesa da tese é que problemas que julgávamos superados no Brasil, como a fome e a mortalidade infantil, estão voltando. Essas questões já não preocupavam tanto o pesquisador social brasileiro, que talvez tenha que retomá-las.”

http://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/06/29/quao-pobres-sao-os-pobres-no-estado-de-sao-paulo

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