Rafael R. Ioris – A Casa de Rio Branco já foi um centro agregador de erudição e humanismo. Desde Joaquim Nabuco a Guimarães Rosa e outros, pensadores corajosos e criativos encontraram na instituição acolhida intelectual e intercâmbio de ideias.
Mesmo pensadores nem sempre alinhados com o chamado mainstream da diplomacia realista, poetas como Vinícius de Moraes e João Cabral de Melo Neto enriqueciam o ambiente de reflexão do Itamaraty e ampliavam em muito a expressão crítica do corpo diplomático. Voltado mais diretamente para o debate político humanista, autores como Rouanet e Melquior deixaram uma marca importante e duradoura no debate nacional e internacional sobre o legado iluminista e a racionalidade ocidental.
Dentro desse contexto e tradição, a indicação da figura obscura de Ernesto Araújo pelo presidente eleito chama a atenção por várias razões. Primeiro, o nome sugere uma escolha pela mediocridade tipicamente demonstrada pela maioria dos outros ministeriáveis já anunciados. Embora diplomata de carreira, Araújo não tem experiência à altura do cargo, já que nunca serviu de embaixador em nenhuma representação fora do país. Da mesma forma, rompendo com o decoro exigido pela carreira, fez campanha aberta em favor do presidente eleito. Mas, para além dessas razões formais, o mais grave da indicação se reflete nas ideias que o próximo chanceler trará para o cargo.
De maneira especial, se levadas a sério suas manifestações sobre o cenário global contemporâneo, Araújo defende uma visão de mundo pré-iluminista, ultramontana e, quem sabe, até mesmo medieval. Trata-se talvez mesmo de posições mais conservadoras que as defendidas por pensadores anti-liberais do século 18, como Edmund Burke, e que talvez somente encontrem guarida no romanticismo pós-iluminista, embora em alguns aspectos suas referências se encontrem mais próximas ao corporativismo medieval do que ao mecanicismo oitocentista. De modo concreto, ao afirmar que a crise do mundo de hoje é uma crise pela falta de Deus e do excesso de humanismo e intelectualismo, Araújo faz uma defesa de um entendimento não somente pré-iluminista, mas talvez mesmo pré-renascentista. Da mesma forma, seu entusiasmo quase juvenil com líderes personalistas, como Trump, aproxima -se do culto aos reis absolutistas do século 17 ou mesmo ao culto ao poder curador dos reis medievais.
Além disso, de modo propositivo, e certamente anacrônico e preocupante, o embaixador parece defender que seria na volta a um mundo destruído pela crítica racionalista, novamente pautado pelos valores tradicionais – religião cristã, culto à nação e instituições tipicamente corporatista como a família e os ancestrais -, que problemas gravíssimos do mundo de hoje, como a crise migratória e ascensão do autoritarismo, encontrariam solução.
Desconectadas com o mundo real onde será forçado a trabalhar – onde a interdependência econômica não é fruto de um complô marxista, como parece afirmar, mas sim de uma realidade definida pela expansão do capitalismo global – as visões do futuro chanceler defendendo uma alinhamento automático como relação aos EUA (posição que nunca deu certo, muito menos agora, com Trump), negando a realidade do aquecimento global e defendendo um confronto com a principal economia do mundo, a China, tida como inimiga do Ocidente, numa evocação saudosista ao espírito das cruzadas do século 12, são todas expressões de uma leitura do mundo bastante preocupante e que deveria ser mais profundamente escrutinada, talvez mesmo de modo a desqualifica-lo do cargo.
De fato, se a exaltação desmedida da figura de Trump não parece ter sido vista como um fator desabonador para um futuro chanceler; seu obscurantismo político, anti-humanismo anacrônico, visão caricatural do mundo de hoje, e entusiasmo por figuras personalistas e autoritárias, como seu próprio futuro chefe na cadeira presidencial, são todas posições aceitáveis em um apoiador normal e típico do próximo presidente, não, contudo, em um dos principais ministros do novo governo de uma das principais economias e nações do mundo.
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