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Ildo Sauer: governo quer transformar o Brasil numa neocolônia petrolífera

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Hora do Povo – O professor Ildo Sauer, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE) e ex-diretor de Energia e Gás da Petrobrás, contestou a afirmação de Jair Bolsonaro, feita em entrevista coletiva nesta quinta-feira, que a Petrobrás não tem capacidade de fazer os investimentos para a produção de petróleo. O especialista denunciou, em entrevista exclusiva ao HP, que, por trás dessa afirmação estão planos do governo de subordinar os interesses da Petrobrás e do país às grandes potencias, ao sistema financeiro e às multinacionais do petróleo. “Querem transformar o Brasil numa neocolônia petrolífera”, alertou Sauer.

Hora do PovoO presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou na entrevista que a Petrobrás não tem mais capacidade para fazer investimentos. Como o senhor avalia essa declaração?

Ildo Sauer: Dizer que não tem financiamento é uma grande mentira, porque financiamento não falta. Quem tem reservas e tem capacidade tecnológica e de gestão para produzir diretamente, ou em associação, não tem como não obter recursos financeiros. Isso ocorre porque o custo direto da produção de petróleo é de 10 dólares e ele é vendido agora a 80 dólares. É um sistema com alto excedente. A própria China, para quem o Brasil exporta petróleo, financiaria a Petrobrás.

O que está por trás dessa afirmação, na verdade, é outra coisa. É a entrega da hegemonia do processo de produção e venda do nosso petróleo para o sistema financeiro. Um sistema que, na década de 70, destronou a tríade que comandava a economia do pós-guerra (Banco Mundial, FMI e OMC), e passou a ser dirigido diretamente de Wall Street. O sistema financeiro quer afastar os controles governamentais sobre as áreas estratégicas para mandar nos processos de financiamento. Assim ele consegue extrair para si mais excedentes do petróleo. E quer fazer isso com o uso dos instrumentos especulativos criados com o neoliberalismo, que se implantaram no mundo a partir de Wall Street. Neste governo, ao que tudo indica, é esta a lógica que vai prevalecer. O Ministro da Fazenda é da Escola de Chicago, defensora desta lógica.

Com essas afirmações, o que se quer é retirar a Petrobrás do centro para abrir as entranhas do Brasil para as moribundas e antigas herdeiras do Cartel das Sete Irmãs, dado que nos outros países a exploração está vedada para elas. As suas sucessoras, aquelas empresas que foram hegemônicas no mundo até os anos 90, quando a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) – criada nos anos 60 – conseguiu se impôr, através dos Estados Nacionais, se enfraqueceram. Os Estados passaram a controlar o seu ritmo de produção. A ação da Opep fez com que o excedente econômico do petróleo passasse a ser apropriado dentro desses países. A banca internacional quer agora se utilizar dessas empresas para atuar no pré-sal em detrimento da Petrobrás.

Hora do PovoBolsonaro disse também que o Brasil tem que buscar parceiros para a exploração do petróleo do pré-sal. O que ele pretende com essa afirmação?

Ildo Sauer: O Brasil é o foco da disputa geopolítica mundial entre os países da OCDE mais a China, para desestabilizar a hegemonia da Opep, liderada pela Arábia Saudita mais a Rússia. A Opep trabalha para manter o preço do petróleo elevado e, com isso, se apropriar da maior parte dos benefícios do petróleo em favor dos países produtores. De outro lado está a OCDE, comandada pelos EUA mais a China, que querem transladar esses benefícios para os países consumidores de petróleo. Tirar a Petrobrás da frente faz parte desse jogo.

Como o Brasil estará entre os países com grandes reservas no mundo, que chegam, segundo estimativas, a mais de 100 bilhões de barris, quando a Venezuela, a maior reserva mundial, tem 300 bilhões de barris, e a Arábia Saudita, 270 bilhões, a situação do nosso país se alterou. O Brasil passou a ser o grande foco em disputa. A estratégia que está sendo anunciada vai na linha da subordinação do país, para se tornar uma espécie de neocolônia petrolífera. Aquilo que nem a Arábia Saudita, nem o Iraque e nem a Líbia aceitaram fazer, agora parece que, finalmente, encontraram um vassalo.

Em nome dos crimes cometidos contra a Petrobrás pela irresponsabilidade dos governos Lula e Rousseff, estão cometendo um crime ainda maior. A população brasileira, ao invés de se libertar da atuação nefasta do governo Lula e do governo Rousseff, cai numa segunda armadilha, talvez até de maiores proporções.

Definitivamente, querem transformar o Brasil num país não só subordinado e sangrado, mas, num instrumento para desestabilizar a capacidade da Opep e da Rússia de manter a hegemonia do petróleo em favor dos países produtores.

No Brasil era grande a esperança, desde a descoberta do pré-sal, e antes disso, já com a mobilização dos recursos hidráulicos. Essas rendas iriam proporcionar o desenvolvimento do país. Esse foi o eixo dos debates a partir do enfrentamento da reforma neoliberal de Collor e FHC. Parecia termos a chance de prosperar. Mas essa meta acabou sendo massacrada no interior da disputa intestina dos grupos econômicos, com o beneplácito de Lula da Silva e da senhora Rousseff.

Agora, em vez de retomar um eixo a favor do povo, o Brasil passa a assumir um papel, se esta declaração de Bolsonaro se confirmar, de subordinação ainda maior. Subordinação que era o sonho do Obama, quando, em 2011, visitou a senhora Rousseff e ambos teriam concordado em acelerar a produção do pré-sal como uma das estratégias para enfrentar a Opep. Era isso, ao lado da produção de biocombustíveis e da abertura do golfo do México, o que está sendo feito.

Estamos progressivamente seguindo um caminho onde as escaramuças do debate sobre a corrupção abriu as portas para a destruição de toda uma construção. Estão querendo destruir e estrutura orgânica da Petrobrás.  Eles querem manter o país subordinado à lógica de acumulação em favor dos grandes grupos econômicos e das economias mais dinâmicas do sistema capitalista, incluindo nesse caso a China que, mal ou bem, está lá posicionada ao lado da OCDE no que tange ao acesso ao petróleo.

Hora do Povo: Na entrevista, Jair Bolsonaro afirmou que esse assunto da Petrobrás e do pré-sal não tinha muita importância porque, segundo ele, os combustíveis fósseis estão com os dias contados. Qual a sua opinião sobre isso?

Ildo Sauer: Isso não é verdade. Na lógica do sistema econômico hegemônico, o papel do petróleo ainda vai prevalecer por muito tempo. Apesar do movimento em curso, decorrente da preocupação com as mudanças climáticas e do esforço de transitar da mobilidade baseada no motor da combustão interna, que efetivamente é ineficiente, se comparado com outros operativos, como o elétrico, o petróleo segue sendo o carro chefe, ao lado do setor elétrico e das telecomunicações.

Isso marcou a segunda fase da revolução industrial, do fim do século XIX, até o começo do século XXI. Foi neste período que se construiu o dinamismo do sistema capitalista e a enorme prosperidade e acumulação, apesar da primeira e da segunda guerra mundial.

O petróleo foi e ainda é um dos pilares de tudo isso. Por que se deu isso? Porque ele tem duas características intrínsecas extremamente favoráveis. Alta densidade, isto é, quantidade de energia por volume e por peso e, em segundo lugar, o pequeno esforço econômico para mobilizá-lo. Com isso, ele incrementa a produtividade do sistema social de produção de forma extraordinária e gera grandes lucros, permitindo grande acumulação. Até hoje as fontes alternativas ao petróleo estão longe de suplantar essas duas características.

Então, mesmo que venhamos a ter uma transição para a mobilidade elétrica, e isso abra horizontes para que fontes como a fotovoltaica, eólica e outras tenham uma participação maior como suprimento de fontes primárias de energia, elas não vão excluir o papel hegemônico do petróleo. Isso, mesmo nessa situação, mesmo atendendo à dinâmica que está se desenhando no horizonte, por exemplo, de acabar com o motor a diesel e motor otto.

A lógica do que prevalece sempre esteve e estará vinculada à acumulação. É irônico que quem diz que os fósseis estão com os dias contados acha que o Acordo de Paris não deva prevalecer. E infelizmente não está prevalecendo. Porque os sistemas políticos e econômicos são renovados periodicamente, sempre criando empecilhos às políticas propostas pelos cientistas das mudanças climáticas.

Esses cientistas anunciam as consequências das não mudanças. Mas, confrontada a consequência de aderir a elas e adotar soluções mais custosas economicamente, isto é, abandonar o petróleo e adotar as outras soluções, a realidade tem demonstrado que essa trajetória não tem sido seguida. Portanto, não está no horizonte ainda a declarada substituição do petróleo por outras tecnologias.

https://horadopovo.org.br/ildo-sauer-governo-quer-transformar-o-brasil-numa-neocolonia-petrolifera/

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