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As Lições de “Salário, Preço e Lucro” e a Resistência ao Moinho Satânico Neoliberal

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José Raimundo Trindade – Neste maio de 2018, compete visualizar na realidade concreta brasileira as consequências e movimentos deste capitalismo que em sua fase senil retorna aos processos mais ‘sangrentos’ de exploração.

O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono, das refeições, etc., está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia. (MARX, 1865).

Era o ano de 1865 e naquela altura parcela da classe trabalhadora inglesa já estava organizada em sindicatos e as lutas sociais e, muito especialmente, as lutas salariais tornavam-se frequentes na medida em que avançava a organização dos trabalhadores, naquele altura um desconhecido intelectual-militante realizava um seminário com dirigentes sindicais e alertava que frente a “uma verdadeira epidemia de greves e um clamor geral por aumentos de salários” os dirigentes socialistas deveriam adotar “ um critério firme perante este problema fundamental” (MARX 1865).

Mais de 150 anos nos separam do texto citado, fruto de uma exposição realizada por Marx ao “Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores”, cuja tônica mantém-se mais do que sempre atual, principalmente em um momento em que o capitalismo parece dar uma nova guinada cíclica, retornando a um padrão de exploração dos trabalhadores bastante semelhantes aquele que vicejava no capitalismo ainda nascente observado pelo Mouro de Trevés.

Retornar ao clássico “Salário, Preço e Lucro”[1], tem duas perspectivas: primeiramente observar que a dinâmica do capitalismo constitui uma elaborada interação entre novas formas de exploração da força de trabalho, com o uso expansivo de novas tecnologias e novos espaços territoriais para o capitalismo; ao lado da retomada de velhas fórmulas, centradas na expansão das jornadas de trabalho, intensificação da exploração e malversação das taxas de salário.

Neste maio de 2018, compete não somente um retorno teórico, mas sobretudo visualizar na realidade concreta brasileira as consequências e movimentos deste capitalismo que em sua fase senil retorna aos processos mais “sangrentos” de exploração, como marca de um ciclo econômico cuja destrutibilidade social nos encaminha à barbárie, sendo que a resistência social requer a melhor compreensão da temporalidade do atual “moinho satânico” neoliberal.

Os capitalistas, aqui designados os empresários industriais, rurais, comerciantes e banqueiros, se movem segundo um objetivo principal a obtenção do máximo de lucro, sendo que a origem desta forma brilhante e áurea do lucro se encontra numa condição social: a exploração do trabalhador seja ele um operário da construção civil, um metalúrgico, um bancário ou um vendedor das lojas Riachuelo, nos termos do nosso autor: “[sem] sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses limites”[2].

Os economistas do mercado, ou seja, os que pensam conforme os interesses do capital, desde muito apregoam a ideia de que os reajustes salariais são os principais provocadores da inflação e que os trabalhadores deveriam se ajustar permanentemente a um “salário fixo” ou mesmo decrescente e que, assim, poder-se-ia ter o melhor dos mundos: aumento do emprego, não haveria desemprego e a economia cresceria, garantindo-se, de quebra, o justo lucro dos empresários.

Episódio histórico da maior importância relatado por Marx no seu breve opúsculo refere-se a legislação aprovada em 1848, fruto de ampla pressão dos movimentos de trabalhadores “cartistas” que reduziu a jornada de trabalho para 10 horas (às jornadas até então excediam 14 horas), os economistas de plantão, Dr. Ure,  Prof.  Sênior,  que em nada deixam a dever aos nossos Drs. Meirelles, Levys e Nóbregas, anunciaram com alarde o inevitável “decréscimo da acumulação, a alta dos preços, a perda dos mercados, a redução da produção, a consequente reação sobre os salários e, enfim, a ruína”.

Porém a curiosa consequência da referida legislação social foi bem o inverso, como retrata Marx o que se observou no período seguinte foi que mesmo com o aumento dos salários e com a redução da jornada de trabalho, observou-se o crescimento da massa de trabalhadores empregados, baixaram os preços dos bens de trabalhadores e “se expandiram progressivamente, em proporções nunca vistas, os mercados para os seus artigos”, com isso o capitalismo inglês  surfou pela primeira vez em um efeito  de elevação da demanda agregada de bens de trabalhadores.

Vale notar que a elevação da massa de salários responde a diferentes variações salariais, assim a maior parte dos trabalhadores percebe somente reajustes risíveis e uma parte consegue ter reposições salariais que correspondem no máximo à reposição da correção monetária e somente a menor parcela de trabalhadores tem reajustes salariais acima da média.

A análise evolutiva dos parâmetros de vínculos formais criados na economia brasileira no período de 2002 a 2014, bem como a massa de rendimentos salariais assim decorrentes, demonstra o quanto este ciclo recente da economia brasileira correspondeu a um padrão que poderíamos chamar de clássico, considerando tanto o deslocamento da curva de postos de trabalho quanto da massa salarial. Em termos das lições tratadas em “Salário, Preço e Lucro” este período é ilustrativo das críticas aos economistas: enquanto o ciclo de acumulação permanecer em alta, o que implica crescente rentabilidade empresarial observa-se a permanência da curva ascendente da demanda por força de trabalho, que por sua vez gera o efeito de elevação circular na massa salarial.

Gráfico 1- Vínculos Formais e Massa Salarial – Brasil (2002/2016)

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Marx, já estabelecia naquele momento a crítica necessária aos economistas que achavam e, ainda hoje defendem, que “os preços das mercadorias são determinados ou regulados pelos salários”.   O salário é uma variável dependente, cuja determinação resulta, de um lado do valor da mercadoria força de trabalho, de outro da punção que o capital exerce no processo de acumulação. A lição de Marx é bem clara: os salários “não podem exceder os valores das mercadorias […] mas podem, sim, ser inferiores em todos os graus imagináveis”, de tal forma que os salários dos trabalhadores “achar-se-ão limitados pelos valores dos produtos, mas os valores de seus produtos não se acharão limitados pelos salários”.

Decorrente da lógica exposta, o que temos é que a massa de riqueza gerada, produzida por uma determinada quantidade de trabalho social é de tal volume que gera ao mesmo tempo a renda que remunera os salários dos trabalhadores, como gera a enorme renda apropriada pelos diversos empresários capitalistas. Esta lição, aparentemente simples, até hoje não foi aprendida pelos ditos economistas, sendo que podemos aferir no Gráfico 1 acima uma consequência importante do ciclo econômico recente: poderá haver ganhos salariais e elevação da rentabilidade capitalista mesmo em uma economia periférica como a brasileira, sendo que durante certo período a classe trabalhadora poderá, inclusive, ter seus ganhos médios acima da inflação, como o Gráfico 2 abaixo mostra.

Gráfico 2 – Evolução Taxa de Crescimento da Renda Média e da Inflação – Brasil (2002/2016)

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As lutas salariais e a organização dos trabalhadores

Como assinalado anteriormente o salário corresponde ao valor monetário da força de trabalho, sendo este valor determinado por um mínimo referentes as condições de subsistência do trabalhador e de sua família e por condições históricas e sociais que diferenciam os salários conforme as diferentes localidades e países. As lutas salariais, seja para o incremento da taxa salarial, seja para resistir a sua redução, se estabelecem mediante cinco formatos principais, sendo que cada forma desta relaciona-se as contradições estabelecidas no ciclo conjuntural capitalista:

i) Alterando-se a produtividade do trabalho, o valor da força de trabalho reduz-se, o que implica em ganho superior para o capitalista e possível empobrecimento relativo dos trabalhadores. Vale notar que nas diversas sociedades, como a brasileira, os ganhos recentes de produção na agricultura, barateando os bens de primeira necessidade representaram elevação na produtividade social, porém como mostram os dados do DIEESE referentes ao salário mínimo necessário o padrão brasileiro sempre manteve elevado distanciamento entre a Renda Média e o Salário Mínimo Necessário, o que denota o poder do capital nas relações de disputa social brasileira.

Gráfico 3 – Evolução Renda Média, Salário Mínimo e Salário Mínimo Necessário – Brasil (2002/2016)

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ii) Uma segunda alteração fundamental refere-se ao impacto inflacionário sobre os salários, Marx ponderava que os “valores dos artigos de primeira necessidade e, por conseguinte, o valor do trabalho podem permanecer invariáveis, mas o preço deles em dinheiro pode sofrer alteração desde que se opere uma prévia modificação no valor do dinheiro”. A desvalorização salarial provocada pela inflação, enquanto perda de valor do dinheiro, tornou-se historicamente uma das principais formas de “super-exploração”, algo utilizado recorrentemente no Brasil. Neste sentido, o período em tela analisado é um dos raros momentos, como mostra o Gráfico 2, que os salários tiveram capacidade de recomposição inflacionária e obteve-se pequeno ganho real que durou até 2014.

iii) uma terceira forma de impacto salarial, que os trabalhadores devem se proteger de uma forma muito efetiva, refere-se a alterações na jornada de trabalho. Marx observa que ao dispor de uma parcela maior do tempo livre do trabalhador, o capital de um lado aumenta sua rentabilidade e, por outro, brutaliza os trabalhadores, dificultando, inclusive, sua capacidade de interação pessoal. Vale notar, que as atuais alterações decorrentes da Lei 13.467/16 tem como um dos focos a elevação da jornada média de trabalho através do artificio da contratação de trabalho intermitente, combinado com as jornadas de 12 horas, assim os empresários passam a contratar empregados em regime de revezamento em que cada um deles trabalhe 12 horas consecutivas para folgar 36, sem ultrapassar o número máximo de horas mensais, de modo a não interromper jamais a produção e não precisar pagar horas extras.

iv) Uma quarta condição de pressão sobre os salários refere-se ao próprio ciclo do capital, como explica nosso autor “a produção capitalista move-se através de determinados ciclos periódicos. Passa por fases de calma, de animação crescente, de prosperidade, de superprodução, de crise e de estagnação. Os preços das mercadorias no mercado e a taxa de lucro no mercado seguem estas fases; ora descendo abaixo de seu nível médio, ora ultrapassando-o”. Durante estes diferentes momentos os trabalhadores estarão submetidos a diferentes condições, até mesmo a de desemprego.

Vale observar que no ciclo recente a recomposição do salário mínimo segundo a regra aprovada em 2004 (correção monetária adicionada ao crescimento médio do PIB dos últimos dois anos) possibilitou um crescimento do salário real médio no período de 2003 a 2014 a uma taxa bem superior as três décadas anteriores, especialmente se descolando da década de 90, marcadamente de perdas para os diversos segmentos de trabalhadores (formais e informais). Essa alteração real dos ganhos médios podem ser vistas comparando-se os valores do salário mínimo em dólares: em 2000, um salário mínimo comprava, aproximadamente, oitenta dólares; em 2014 comprava, aproximadamente, trezentos e vinte dólares. A disputa social no atual momento se coloca pelo menos na condição de garantir a manutenção do que foi acordado em 2004. Usando os termos de Marx, os trabalhadores estão sempre na defensiva, reagindo “contra a ação anterior do capital”.

A legislação radicalmente neoliberal ou não-legislação do trabalho, a partir da referida Lei 13.467, impõe-se um poder “despótico” do capital sobre o mercado de trabalho. Assim, a destruição da regulação trabalhista estabelece condições ainda mais extorsivas de exploração do trabalhador, inclusive estimulando a desmobilização e desorganização dos sindicatos. Entre os pontos mais marcantes da alteração na legislação do trabalho estão: i) a flexibilização da relação empregado e patrão, onde as tomadas de decisão em acordos coletivos supera as disposições definidas na constituição no que diz respeito a tempo de férias (dividida em três vezes) e de descanso durante a jornada de trabalho (de duas horas, passa a ser no mínimo 30 minutos); ii) a extensão da jornada de trabalho de 8h para 12h semanais; e iii) a aprovação do trabalho intermitente, onde o trabalhador recebe pela jornada ou diária de trabalho.

Fica evidente que o objetivo final desta política concentra-se na expansão da subcontratação, pressionando a margem geral de salários para baixo, desmobilizando a classe trabalhadora e ampliando toda sorte de ilegalidades que passam a existir nos interstícios dessas “novas relações de trabalho”, entre elas a abusiva elevação das jornadas, a “pejotização” e a negação de direitos previdenciários básicos.

Todavia, em um contexto de crise sistêmica aguda e de competitividade crescente, no qual os capitais encontram dificuldade progressiva para manter os ritmos de crescimento das suas taxas de lucro, o incremento da taxa de exploração do trabalho representado aqui pelas não-regras trabalhistas, parece ser uma solução que, no entanto, só pode ser paliativa para a crise imanente de reprodução ampliada do capital ao nível global, porém de atroz barbarização dos trabalhadores brasileiros. A única saída é a radical disputa social, capaz de no primeiro momento anular esta legislação e impor um novo quadro regulacional e no momento seguinte propor a “abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado”.

[1] Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3951643/mod_resource/content/1/1978_Marx_Salario%2C%20preco%20e%20lucro.pdf.
[2] Marx esclarece que toda riqueza social provém da exploração do trabalho e que esta mais-valia produzida ou trabalho não remunerado é apropriado pelas diferentes frações da burguesia, assim a “renda territorial, o juro e o lucro industrial nada mais são que nomes diferentes para exprimir as diferentes partes da mais-valia de uma mercadoria ou do trabalho não remunerado, que nela se materializa, e todos provém por igual desta fonte e só desta fonte”.

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/As-Licoes-de-Salario-Preco-e-Lucro-e-a-Resistencia-ao-Moinho-Satanico-Neoliberal/4/40088

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