Michael Roberts – A lira turca está em crise total e perdeu 40% do seu valor face ao dólar nos últimos seis meses. Chegou a hora do julgamento final para a política económica de Recep Tayyip Erdogan.
A lira turca está em crise total. Perdeu 40% do seu valor face ao dólar nos últimos seis meses e caiu quase 20% na última semana [entre 6 e 10 de agosto]. Chegou a hora do julgamento final para a economia do país e para a errática política económica do seu autocrático líder (recentemente reeleito), Recep Tayyip Erdogan.
O que desencadeou a crise foi o bloqueio de ativos nos EUA ordenado por Trump contra Abdulhamit Gul, ministro de Justiça, e Suleyman Soylu, ministro do Interior, por sua suposta participação na detenção de Andrew Brunson, um pastor protestante norte-americano. O Sr. Brunson, que dirigia uma pequena igreja na Turquia há duas décadas antes de ser preso em outubro de 2016, é acusado de participar numa conspiração para derrubar Erdogan. O pastor tem qualificado as acusações como “calúnias”. A sua detenção é apenas um de vários desacordos entre a Turquia e os EUA, das suas posições divergentes sobre a Síria até à compra de armas nos Estados Unidos.
Na passada sexta-feira (10 de agosto), Wilbur Ross, secretário de Comércio de Estados Unidos, anunciou que os EUA duplicariam o imposto sobre as importações de aço turco para o situar em 50 por cento, porque os 25 por cento aplicados atualmente não tinham sido suficientes para reduzir as exportações turcas para os EUA. “Duplicar o imposto sobre as importações de aço procedentes da Turquia reduzirá ainda mais estas importações que o Departamento [de Comércio] considera que ameaçam a segurança nacional”, disse Ross.
Este foi o gatilho, mas não a pistola que agora é apontada à cabeça da economia da Turquia. A pistola foi a rápida deterioração da situação económica. Depois do falhado golpe militar contra ele em 2016, Erdogan pôs em marcha um boom de crédito para impulsionar a economia, enquanto detinha milhares de pessoas e despedia outras tantas dos seus trabalhos em universidades públicas e no governo. Insistiu em manter as taxas de juro baixas e bloqueou qualquer medida do Banco Central da Turquia para conter a inflação em alta, qualificando as taxas de juro como “a mãe e o pai de todos os males”.
A economia capitalista da Turquia não aguentou essa situação, precisamente no momento em que o dólar norte-americano se fortalecia depois da subida das taxas de juro da Reserva Federal dos Estados Unidos. O problema para a Turquia, um país sem recursos energéticos e que conta só com a sua mão de obra barata e qualificada, é que a grande maioria dos fundos para o seu desenvolvimento industrial, a construção e o setor imobiliário vem do exterior: os investidores americanos e europeus. Os cidadãos e as empresas da Turquia estão fortemente endividados em dólares e euros.
O aparentemente rápido crescimento económico dos últimos dois anos produziu-se sobre pés de barro (crédito e empréstimos do exterior), enquanto as importações inundavam a economia as exportações e a rentabilidade do capital reduziram-se substancialmente na Turquia. O aumento das taxas de juro e do dólar a nível mundial acabaram com a festa e confrontaram Erdogan com as realidades do capitalismo global.
Os bancos e as empresas turcas estão com graves problemas. Os passivos em moeda estrangeira das empresas não financeiras da Turquia agora superam os seus ativos em divisas em mais de 200 mil milhões de dólares.
Os bancos e as empresas do país têm que fazer frente a milhares de milhões de dólares de dívida em divisas que vencem. Os bancos da Turquia devem pagar 51.000 milhões de dólares no próximo ano, enquanto os restantes 18.500 milhões correspondem às empresas não financeiras. Estes pagamentos vencem num momento em que o endividamento das empresas atinge 62 por cento do PIB e metade dessas dívidas é em moeda estrangeira (dólares e euros, na sua maioria).
Aos investidores estrangeiros preocupa-lhes que a Turquia não seja capaz de financiar esses pagamentos. Em relação com a sua dívida externa de curto prazo, as reservas de divisas da Turquia caíram para novos mínimos.
De modo que o capital fugiu do país e a lira entrou em colapso.
A preocupação essencial para o capital global é se os bancos e as empresas da Turquia deixam de pagar o serviço da sua dívida, os bancos europeus poderiam sofrer perdas significativas nos seus próprios balanços – o que os mercados chamam ‘contágio’: a extensão das perdas e das falências a nível internacional. Alguns dos bancos da Turquia são de propriedade estrangeira e os maiores credores da Turquia são o BBVA de Espanha, o UniCredit de Itália e o francês BNP Paribas.
Os bancos turcos parece terem abundância de reservas e os empréstimos à Turquia são apenas uma pequena parte do total dos empréstimos feitos por estes bancos estrangeiros. Mas mesmo as perdas ‘marginais’ podem às vezes ser um ponto de inflexão quando os lucros são baixos. E o crédito malparado nos bancos tem estado a aumentar (ver a % da dívida ‘má’ no gráfico seguinte)
Como pode Erdogan safar-se deste colapso da lira turca? A solução capitalista é subir as taxas de juro de forma astronómica para bloquear novos empréstimos. O governo deveria cortar drasticamente na despesa pública e aumentar os impostos (isto é, austeridade fiscal) e utilizar a ‘poupança’ para resgatar os bancos e cumprir com os pagamentos da dívida externa. A Turquia também deveria recorrer ao FMI para um empréstimo, ao estilo grego. Segundo as regras do FMI, poderia pedir até 28 mil milhões de dólares para financiar futuros pagamentos da dívida, mas ficaria sujeita aos ditames das medidas de austeridade do FMI. Esta solução capitalista significaria uma forte crise da economia turca, que atingiria duramente os cidadãos turcos e prejudicaria seriamente o apoio de Erdogan no país.
O governo poderia introduzir controles de capital e bloquear qualquer saída de capital do país. Mas isto significaria que os credores estrangeiros deixariam de emprestar, levando também a economia para uma depressão. Ou Erdogan poderia tentar obter financiamento da Rússia, da China ou da Arábia Saudita (como o Paquistão acaba de fazer). Infelizmente para ele, não tem as melhores relações com estes países. De momento, Erdogan resiste a todas estas opções, pedindo aos seus seguidores que “confiem em Deus” e nele.
O maior problema é a crescente crise da dívida das economias emergentes. Isto é o que escrevi em maio após as eleições gerais na Turquia: “O aumento das taxas de juro mundiais e a crescente guerra comercial iniciada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, vão atingir as chamadas economias capitalistas emergentes como a Turquia. O custo dos empréstimos em moeda estrangeira vai aumentar muito e é provável que o investimento estrangeiro diminua … A Turquia está na primeira fila para sofrer uma crise da dívida, juntamente com a Argentina (onde já existe), a Ucrânia e a África do Sul “.
De modo que a situação vai piorar.
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Turquia-colapso-economico-total/6/41512
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