Autoria: Bruno Villas Bôas
Apesar do fim da recessão econômica e do início de recuperação do emprego, milhares de brasileiros deixaram de pertencer às classes sociais A e B no ano passado, considerado o critério de renda, mostram estimativas do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do banco Bradesco e da consultoria LCA, obtidas pelo Valor.
Segundo os cálculos do Bradesco, baseados em pesquisas domiciliares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 900 mil pessoas deixaram de integrar as classes A e B no ano passado. Somente na classe A – composta por famílias com renda mensal de R$ 11.001 ou mais – foram 500 mil a menos. Essa elite passou a ser formada por 10,3 milhões de indivíduos em 2017, o que representava 4,9% da população.
Um cálculo paralelo da LCA Consultores identificou a mesma tendência, ainda que com declínio menos acentuado. Para a consultoria, 441 mil pessoas deixaram as classes A e B em 2017. O retrocesso foi maior na classe A – pelo critério da consultoria, renda familiar per capita superior a R$ 3.566. O contingente desse topo social recuou de 13,1 milhões para 12,8 milhões de pessoas, uma baixa de 2,3%.
De modo geral, o declínio dos brasileiros para camadas menos favorecidas refletiu a crise ainda presente no mercado de trabalho no ano passado. Apesar do início de recuperação do emprego, essa melhora se deu por postos de trabalho informais, geralmente de baixa qualidade e menores salários. Ao mesmo tempo, o setor privado seguiu fechando vagas com carteira assinada.
“Mesmo quem conseguiu se recolocar em empregos formais, provavelmente obteve um salário menor do que antes. Tudo isso afeta esse topo da pirâmide”, disse Cosmo Donato, economista da LCA Consultores. “O resultado não surpreende se você considerar que, nas crises, as pessoas tendem a sair de classes mais elevadas e gerar crescimento nas classes intermediárias”.
Como outros cálculos do tipo, as estimativas foram feitas pelo critério de renda. Especialistas em geral admitem que o conceito de classes sociais pode conotar mais do que isso, como nível de escolaridade, segurança econômica, casa própria e, mesmo, características mais subjetivas, como autoimagem. Não existe, contudo, uma definição oficial e consensual sobre as classes.
Nas contas da LCA, o Sudeste foi a região com maior redução do número de pessoas nas classes A e B. A região tinha 40 milhões de pessoas nesses grupos em 2017, queda de 2,5%. Esse achatamento da renda na região mais rica do país foi percebida por outras pesquisas do IBGE. O Índice de Gini, que mede a desigualdade, recuou para 0,529 no Sudeste, por exemplo. A queda ocorreu exatamente pela menor renda dos mais ricos.
Boa parte das pessoas que desceram o degrau social – por essa ótica da renda – passou a integrar a classe C. Essa tendência também foi identificada nas duas estimativas: do banco e da consultoria. O Bradesco estimou que a classe C era composta por 113,1 milhões de pessoas no ano passado, 3,9 milhões a mais na comparação ao ano anterior. Ela representava pouco mais da metade da população: 54%.
Nos anos anteriores à crise, a ascensão de famílias para a classe C foi um dos grandes fenômenos sociais do país. Pelas contas do Bradesco, 18,8 milhões de pessoas passaram a integrar essa nova classe média de 2007 a 2012, impulsionados pelo crescimento econômico, oferta de empregos e crédito mais farto. Mais brasileiros viajaram, compraram carro e entraram na faculdade. O aumento se daria agora, porém, pelo declínio dos mais ricos.
Também pelos cálculos do Bradesco, o número de brasileiros na classe E passou de 40,3 milhões em 2016 para 38,6 milhões em 2017. Neste caso, a estimativa diverge das contas da LCA, que estimou um incremento de 7,9% dessa classe social. A diferença é explicada pela faixa de renda usada para definir a classe E. No caso do Bradesco, é usado o conceito da renda familiar de até R$ 1.100. Já a LCA usa a renda per capita de R$ 178.
O Bradesco utilizou em seus cálculos a renda de todas as fontes (salários, aposentadoria, aluguéis etc.) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2015. Os dados de 2016 e 2017 foram atualizados pela renda do trabalho da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua) trimestral. Ambas as pesquisas são do IBGE. As faixas de renda seriam próximas das praticadas pela FGV Social.
No caso da LCA Consultores, as estimativas foram realizadas com base na renda de todas as fontes da Pnad Contínua anual de 2016 e 2017. As faixas de renda selecionadas seguem o chamado Critério Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), atualizadas pela inflação. Esse critério gera faixas de renda para as classes a partir de estatísticas como posse de bens duráveis pelas famílias.
Existe ainda um terceiro levantamento referente ao ano passado, com outros critérios de corte, e que mostrou dados diferentes sobre a mobilidade social da elite da renda do país. A consultoria Tendências estima que o número de famílias das classes A e B cresceu em 2017, em 6,1% e 2%, respectivamente. Isso representaria uma adição líquida total de 357 mil famílias nessas classes sociais em relação a 2016.
Segundo Adriano Pitoli, diretor da área de Análise Setorial e Inteligência de Mercado da Tendências, o topo da renda do país é mais sensível aos ciclos econômicos e, por isso mesmo, teria crescido ao longo do ano passado. Ele acrescentou que parte da renda dessa parcela mais rica da população está ligada ao lucro de empresas, que avançou no ano passado.
“É um resultado coerente com outros dados, como os que mostram crescimento da renda, sobretudo dos empregadores, uma inserção comum nas classes mais altas. A classe A puxou a renda em 2017”, disse Pitoli.
Os levantamento guarda diferenças em relação aos demais. Uma delas é a faixa de renda considerada para cada classe. A Tendências usa a renda mensal familiar superior a R$ 17.795 para a classe A. Além do IBGE, a consultoria adota dados da Receita para 2016, o que tornaria a estatística mais realista. Os dados dessa fonte, contudo, não estão ainda disponíveis para 2017.
Para Pitoli, o cenário sugere uma volta mais acelerada das famílias para classes mais altas a partir deste ano. Ele prevê a chegada de 539 mil famílias na classe A de 2018 a 2021, para um total de 3 milhões de pessoas. E de mais 1,8 milhão de famílias na classe B, chegando a um total de 12,2 milhões de pessoas no país.
Fonte: http://www.valor.com.br/brasil/5515501/estudos-apontam-que-ate-900-mil-pessoas-deixaram-classes-e-b
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