Julia Cagé – Tendo estudado os resultados das eleições municipais e legislativas francesas de 1993 a 2014 e os gastos dos candidatos, a pesquisadora Julia Cagé mostra que a fórmula “um euro, um voto” é mais precisa que a definição de democracia “um homem, um voto”.
No momento em que Comissão Nacional de Contas da campanha e financiamento político (Commission nationale des comptes de campagne et des financements politiques – CNCCFP) publica suas decisões sobre o reembolso de contas de campanha dos onze candidatos à eleição presidencial, uma questão crucial permanece: qual é o preço de um voto? Em outras palavras, qual é o papel do dinheiro privado no processo eleitoral?
Nenhum, responderia o cidadão otimista, a quem foi ensinado que o próprio fundamento do jogo democrático é: “uma pessoa, um voto”. Até ser duramente chamado à realidade: “um euro, um voto” parece mais capaz de definir hoje o funcionamento de nossas democracias. Com o agravamento das desigualdades, está cada mais vez claro o risco de o dinheiro vir corromper a política – e as políticas. É por isso, aliás, que a grande maioria dos países desenvolvidos introduziu limites muito rígidos para as despesas eleitorais de um lado, e, do outro, para os valores que indivíduos e empresas são autorizados a doar, anualmente, aos candidatos e aos partidos.
Nos Estados Unidos, onde a já frágil legislação adotada na década de 1970 foi sendo gradativamente enfraquecida pelo conservadorismo dos juízes da Suprema Corte (até sua revogação em 2010), recordes de gastos foram batidos durante a última eleição. E as desigualdades políticas nunca foram tão acentuadas: de acordo com os números compilados pelo acadêmico Adam Bonica, menos de 0,01% da população americana contribuiu com 40% do financiamento.
Legislação francesa regula doações desde 1988
Donald Trump gastou quase 400 milhões de dólares (325 milhões de euros) na eleição presidencial de 2016; Emmanuel Macron, um pouco menos de 17 milhões de euros em 2017. Ele também não poderia ter gasto muito mais do que isso, segundo a lei francesa.
Muitas regulamentações foram adotadas na França desde 1988, com o objetivo de limitar os gastos com campanhas e o financiamento privado da democracia. O financiamento é limitado, mas não proibido – e às vezes é até subsidiado. Assim, algumas centenas de ricos mecenas contribuíram para a campanha do Presidente com algo entre três e cinco milhões de euros (há variações segundo as estimativas, porque o partido En Marche! está um tanto atrasado quanto à transparência de seus financiamentos).
Doadores podem contribuir com até 7.500 euros por ano para os partidos políticos
Têm razão em doar, seria tentador dizer – trincando os dentes – uma vez que, de acordo com a atual legislação francesa, os doadores podem contribuir com até 7.500 euros por ano para os partidos políticos – e que isso lhes custa 2.500 euros, levando-se em conta que 5.000 euros podem ser abatidos dos impostos. Comparemos com o 1,5 milhão de euros por ano e por contribuinte que os 100 franceses mais ricos ganharam com a reforma fiscal de Macron, desde os primeiros meses do mandato. Um retorno sobre o investimento de quase 60.000% para aqueles que contribuíram! Está bastante enganado quem imagina que esta perversão da democracia é exclusiva dos Estados Unidos.
Nesse contexto, uma questão torna-se central: o impacto das doações nos resultados eleitorais e sua necessária regulamentação. Isto é: as despesas de campanha teriam efeito sobre os votos, mesmo em países como a França, onde são supostamente limitadas?
Variações muito importantes segundo os partidos
Esta é a pergunta que nos fizemos, Yasmine Bekkouche e eu, em uma nova pesquisa (« The Price of a Vote : Evidence from France, 1993-2014 » – “O Preço de um voto: Evidências da França, 1993-2014”, documento de trabalho do Institute for New Economic Thinking, 2017), em que estudamos o papel do dinheiro no jogo político francês nas três últimas décadas. Construímos e analisamos um novo banco de dados de todas as eleições legislativas e municipais realizadas na França desde o início dos anos 90.
Doações privadas são parte bem mais importante do financiamento de candidatos da direita
Escolhemos nos concentrar nessas eleições, em vez de nas eleições presidenciais, porque para melhor identificar o efeito das despesas eleitorais, é necessário dispor de variações nas circunscrições eleitorais locais (alguns candidatos levantam mais dinheiro e gastam mais do que outros, de acordo com as circunscrições e com os anos, inclusive dentro de um mesmo partido), levando em conta, assim, as especificidades das diferentes circunscrições eleitorais, o contexto eleitoral e a popularidade dos partidos. Sobre as eleições presidenciais, só poderiam ser estabelecidas correlações relativamente brutas. Nossos dados abrangem quatro eleições municipais e cinco legislativas, bem como despesas de campanha e resultados eleitorais de aproximadamente 40 mil candidatos. E os resultados são surpreendentes.
Em primeiro lugar, mostramos que o montante das despesas de campanha e as fontes de receitas dos candidatos variam muito fortemente de um candidato para outro, e principalmente de acordo com seu partido político. Particularmente, as doações privadas representam uma parcela muito maior do financiamento para os candidatos de direita (antigamente RPR, UMP e hoje Républicains) do que para os candidatos de esquerda (principalmente do Partido Socialista), tanto nas eleições municipais e quanto nas legislativas. Em média, os candidatos de direita recebem 3.400 euros mais em doações privadas do que os candidatos de esquerda nas eleições municipais, enquanto os candidatos de extrema direita e de extrema esquerda quase não recebem doações.
Com que consequências? Esses 3.400 euros de doações adicionais se traduzem imediatamente em receitas adicionais. Levando em conta o dinheiro do partido e seu próprio dinheiro, os candidatos de direita têm uma média de 4.200 euros mais de receita do que seus concorrentes de esquerda, e gastam uma média de 3.000 euros mais. Alguns poderiam dizer que, afinal, são apenas alguns milhares de euros, mas devem ser comparados com a despesa média de um candidato nas eleições municipais, que é de 22.000 euros.
Impacto direto no número de votos
Esta diferença é ainda mais impressionante se considerarmos as eleições legislativas: em média, os candidatos à direita recebem 18.000 euros em doações privadas, ou seja, mais do que o valor médio das despesas de um candidato às eleições. Em comparação, os candidatos do Partido Socialista recebem um pouco menos de 10 mil euros, os do Partido Comunista Francês, 2,3 mil euros, e os candidatos de outros partidos, menos de 500 euros. O que, como nas eleições municipais, se reflete diretamente nas despesas de campanha. E nos resultados eleitorais.
O principal resultado desta pesquisa é o seguinte: o dinheiro gasto pelos candidatos tem um impacto direto no número de votos que obtêm, tanto nas eleições municipais quanto legislativas, por meio de despesas de campanha (reuniões públicas, folhetos, campanha porta a porta, etc.). Para identificar esse efeito causal, procedemos da seguinte maneira: isolamos o efeito de uma variação dos gastos de um candidato sobre o número de votos que ele obtém, integrando as especificidades de cada distrito e ano eleitoral assim como a popularidade dos partidos em um determinado ano.
Além disso, como as despesas de um candidato podem ser “endógenas” – um candidato mais promissor pode obter mais doações e mais votos por ser popular e não porque suas despesas lhe dão mais votos – nos concentramos no impacto de variações “exógenas” nas receitas dos candidatos, particularmente aquelas decorrentes da reforma da legislação sobre as doações, de 1995.
A estranha derrota da direita em 1997
Segundo nossas estimativas, o preço de um voto é cerca de 6 euros para as eleições legislativas e 32 euros para as eleições municipais. Isto implica que os 8.000 euros adicionais em doações privadas que os candidatos de direita recebem em média a mais que os candidatos de esquerda nas eleições legislativas lhes dão uma vantagem de 1.367 a 2.734 votos (dependendo se o ganho eleitoral ocorre contra o Partido Socialista ou outro partido), isto é, entre 3% e 6% dos votos do primeiro turno das eleições.
Em outras palavras, sem limite de gastos, o dinheiro privado pode facilmente alterar os resultados eleitorais. E este efeito é tal que poderia explicar em grande parte a “estranha derrota” da direita nas eleições parlamentares de 1997. Em 1995, foi introduzida uma lei proibindo os candidatos de receber doações de pessoas jurídicas (em outras palavras, de empresas), que foi aplicada pela primeira vez nas eleições legislativas de 1997. Essa mudança na legislação só afetou os candidatos que recebiam até então doações de empresas, isto é, principalmente os candidatos de direita, e somente alguns deles.
Enquanto o montante médio de doações empresariais recebidas por um candidato em 1993 foi de 8.600 euros (representando cerca de um quarto do total de doações privadas), a doação mediana foi de zero. Em outras palavras, mais da metade dos candidatos não recebeu nenhuma doação de empresas em 1993, enquanto os candidatos de direita receberam em média 40 mil euros desta fonte!
Estes candidatos não conseguiram superar, em 1997, a limitação trazida pela lei. Em média, um euro adicional de donativos de empresas recebido por um candidato em 1993 está associado a uma diminuição de 0,46 euros nas receitas totais deste candidato entre 1993 e 1997. Tal queda pode ser explicada pelo fato de as eleições de 1997 terem surpreendido todo mundo. Embora nenhuma eleição fosse esperada até 1998, Jacques Chirac pegou todos de surpresa – aparentemente até os candidatos de seu próprio partido – ao anunciar a dissolução da Assembleia Nacional em abril de 1997 e a realização de eleições para maio.
Jacques Chirac dissolveu a Assembleia porque tinha certeza de que ganharia as eleições legislativas. Não foi o caso. Nossos resultados ajudam a entender, pelo menos em parte, por quê: os candidatos de direita, acostumados a levantar dinheiro junto a empresas, não tiveram tempo suficiente para encontrar novos doadores e, assim, obtiveram um resultado aquém do que conseguiriam sem a proibição, pois não puderam gastar tanto quanto haviam planejado na campanha.
Limites mais rígidos
Assim, apesar dos tetos existentes para as despesas de eleição e dos limites de doações privadas, o dinheiro desempenha um papel importante na política francesa. Para reduzir esse papel no futuro e tornar nossas democracias mais representativas, seriam necessários limites mais rígidos e um financiamento público mais equitativo. As diferentes experiências europeias, americanas e internacionais de financiamento político nas últimas décadas devem ser examinadas de maneira sistemática, e lições úteis podem ser tiradas para o futuro.
O especialista Martin Gilens tem documentado muito bem, no caso americano, o fato de os políticos tenderem a atender principalmente as preferências dos mais ricos, em detrimento da vontade dos mais pobres. Será que a mesma coisa acontece na França? Este será o tema de pesquisas futuras, mas é necessário enfatizar hoje que o dinheiro, sem regulamentação adicional, pode ser um perigo para a democracia, não apenas nos Estados Unidos, mas também na França e em outros países da Europa.
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/e-preciso-discutir-o-impacto-das-doacoes-nos-resultados-eleitorais/4/40026
Deixe uma resposta