MAURÍCIO BOFF – Pensamento do intelectual alemão, um dos pioneiros da Geografia moderna, chega aos dias de hoje propondo uma maneira original de entender a relação homem-natureza.
Alexander von Humboldt (1759-1859) e Carl Ritter (1779-1859)
Carl Ritter (1779-1859) e Alexander von Humboldt (1759-1859) foram dois intelectuais alemães com grande influência na Geografia como a conhecemos hoje. Contemporâneos, dedicaram-se no mesmo período histórico a estudar e perceber a vida na Terra e as interações entre o homem e a natureza. Os métodos que usavam os diferenciavam. Humboldt era um naturalista aventureiro que percorreu diversos continentes enquanto que Ritter compôs sua obra concentrando-se em atividades de revisão bibliográfica.
O legado de Carl Ritter intrigou a pesquisadora da Unicamp, Joyce Oliveira Leitão. Na graduação, realizada na USP, decidiu aprofundar-se na obra do geógrafo alemão. Joyce queria entender como a Geografia era feita no século XIX. No mestrado, realizado no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, questionou a dificuldade em fazer pesquisa geográfica naqueles anos e buscou pistas na obra de Ritter. “Ele tinha uma forma muito particular de entender a relação homem-natureza. Para mim, saber quais eram as dificuldades dessa interação é uma forma de entender a Geografia que é feita mesmo nos dias de hoje”, destaca Joyce.
A inquietação científica da pesquisadora resultou na dissertação “O contexto histórico-filosófico da obra Geografia Comparada de Carl Ritter”, concluída em julho de 2017, depois de dois anos e meio. Ritter foi um geógrafo influente em seu tempo. Ele preocupou-se em sistematizar o conhecimento geográfico para oferecer uma explicação racional e científica para a relação entre o homem e a natureza. “Além de existir o interesse na investigação racional dos fenômenos, também existia a preocupação em encontrar um sentido que explicasse a existência humana”, salienta. O pensamento científico daqueles anos era influenciado pela tradição e pela religião.
Nascido na classe média prussiana de Quedlinburg, na atual Alemanha, o geógrafo foi professor de Geografia na Universidade de Berlim, cidade aonde veio a falecer. Casou-se com Lilli Kramer e não teve filhos. Tinha tendência monarquista bem definida e era luterano, sendo a perspectiva religiosa fundamental para o seu trabalho intelectual. “Ele acreditava que a ciência racional tinha sido desenvolvida pela providência divina. Para ele, a razão era uma condição do homem se reconciliar com a natureza. E, para ele, o homem entraria em contato com Deus pela contemplação da natureza”, explica a pesquisadora.
Joyce Leitão conta que Ritter propôs um sentido para a relação homem-natureza. Para ele, não existia o que era maior, se a natureza ou o homem. Essa busca por sentido mostrou-se necessária frente à diversidade de culturas que os povos europeus se depararam a partir das Navegações na Idade Moderna. “A diversidade cultural era uma pedra no sapato da Europa Iluminada, que queria explicar o mundo por leis gerais. O homem apresentava o mesmo funcionamento biológico em todas as partes do mundo. E o comportamento social podia ser completamente diferente dependendo da cultura”, relata a autora da dissertação.
Ainda que Ritter tivesse uma visão eurocêntrica para a História – acreditava que as condições geográficas do continente explicavam porque os povos europeus estavam na frente na corrida do desenvolvimento –, os geógrafos do século XIX queriam entender a forma como as mais diversas culturas se relacionavam com o meio na qual estavam inseridas, e de que forma o meio interferia na formação cultural de um povo. A natureza não seria o reflexo do homem, sendo o homem uma das partes que compõem a natureza. “Ritter encontra uma resposta que não fica só no problema particular e parte para entender a relação do objetivo particular com o que está fora dele”, afirma a pesquisadora.
Erdkunde
A obra de Ritter posicionou a Geografia pela primeira vez como uma ciência moderna. A Geografia quer compreender a superfície da Terra, sendo esse o grande objetivo. Ritter buscou conciliar o interesse pessoal por leis gerais e sua preocupação com os aspectos particulares de uma região.
No pensamento ritteriano, Erdkunde, uma palavra alemã, era sinônimo de geografia. Geografia é uma palavra de origem grega e é usada para descrever a Terra. O conceito de Erdkunde propunha entender a contradição entre o homem e a natureza, e a contradição entre cada cultura humana. A geografia de Ritter, a Erdkunde, estava voltada para a relação existente entre a parte e o todo, ou seja, entre os fenômenos que ocorrem regionalmente e a lógica universal que rege a totalidade da superfície da Terra.
Ainda que pouco da obra de Ritter tenha sido traduzida do alemão para o português, seu pensamento ajuda a entender os dias de hoje. “Temos que ter consciência de que os problemas do homem continuarão. Por exemplo, o homem decidiu destruir o Cerrado para plantar soja e criar gado. Só que agora terá que conviver com novas adversidades do meio, como o aquecimento global, a falta de água, a dificuldade de cultivar novos alimentos e o empobrecimento do solo. O conflito continuará e o homem terá que conviver com as dificuldades apresentadas pelo que afeta a natureza”, finaliza Joyce.
http://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/02/07/geografia-segundo-carl-ritter
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