ANTÔNIO GOIS – Educador brasileiro é homenageado em sessão no maior congresso de pesquisadores de educação do mundo.
No sábado passado, num grande salão de um hotel no meio de Times Square Garden, no coração de Nova York, educadores de vários países lotaram um evento em comemoração aos 50 anos de publicação de “Pedagogia do Oprimido”, obra mais vendida de Paulo Freire (1921-1997) no exterior. A homenagem aconteceu numa das sessões do encontro anual da Aera, a associação americana de pesquisadores em educação. Nenhum outro congresso no mundo reúne tantos especialistas na área. O prestígio de Freire em instituições de ensino de ponta no exterior não surpreende. Há dois anos, um levantamento feito pelo projeto Open Syllabus nas bibliografias pedidas pelos professores em universidades de língua inglesa identificou que “Pedagogia do Oprimido” era o 99o livro mais estudado. Freire é o único brasileiro a ter uma obra citada entre as 100 mais relevantes por esse critério.
A sessão de homenagem aos 50 anos de “Pedagogia do Oprimido” teve a participação da viúva do educador, Nita Freire, e de acadêmicos que conviveram com ele e foram importantes na divulgação de suas obras no exterior, como Donaldo Macedo (University of Massachusetts), Antonia Darder (Loyola Marymount University), Henry Giroux (McMaster University) e Peter McLaren (Chapman University).
Apesar de todo o prestígio no exterior, nos últimos anos Freire foi alvo no Brasil de movimentos como o Escola Sem Partido, que, entre outras críticas, acusam sua obra de levar à doutrinação em sala de aula. Simpatizantes do movimento chegaram a mobilizar seguidores e propuseram, por meio de um projeto popular com 20 mil assinaturas, a retirada do título de Patrono da Educação Brasileira, concedido por lei em 2012. A proposta não vingou.
Como lembrado na sessão que o homenageou no sábado passado no encontro americano, ninguém discute que a obra de Paulo Freire tem forte componente político e que sua visão do papel do professor nunca foi a de alguém neutro e imparcial. Pelo contrário, Freire entendia que o professor, até por respeito aos alunos, não deveria ocultar seu posicionamento, “assumindo uma neutralidade que não existe”.
Este é um debate que continua atual no mundo todo. Num estudo publicado há dois anos no livro “The Political Classroom”, duas pesquisadoras da Universidade de Wisconsin, Diana Hess e Paula McAvoy, fizeram um estudo com professores e alunos em 35 escolas públicas nos Estados Unidos para entender como os temas políticos eram tratados. Uma das conclusões das autoras foi de que a questão que mais influenciava a qualidade da aula não era o fato de o professor ter exposto ou não sua opinião pessoal sobre o tema. “Não há nada de errado no fato de as pessoas serem partidárias. O que seria um problema, e nós temos realmente uma boa evidência de nossa pesquisa sobre isso, é ensinar como se houvesse uma resposta definitiva a uma pergunta que deveria ser debatida como uma questão aberta de política pública”, afirmou Diana Hess numa entrevista de divulgação de seu livro.
Voltando à obra de Freire, seu entendimento de que o professor não deve pretender ser neutro não significa dar ao mestre o direito de impor uma visão de mundo, até porque ele tampouco entendia que o papel do professor era simplesmente transmitir conhecimento aos estudantes. Ele deixa isso claro na crítica ao que chamou de “educação bancária”, uma de suas ideias que mais influenciou educadores de todo o mundo.
Ninguém é obrigado a concordar com os pensamentos de Paulo Freire, e seus textos não precisam ser lidos como um conjunto de verdades a serem seguidas sem questionamento. Isso seria inclusive contraditório em relação às suas ideias. Mas reduzi-lo a um doutrinador marxista é desconhecer a importância de um dos mais influentes educadores do mundo.
https://blogs.oglobo.globo.com/antonio-gois/post/paulo-freire.html
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