Wladimir Pomar – Por incrível que possa parecer, ainda havia gente que nutria ilusões sobre o resultado do habeas corpus impetrado pelos advogados de Lula. Acreditavam piamente que a maioria dos juízes do STF manteria a famosa cláusula pétrea da suposição da inocência até o julgamento de todos os recursos previstos em lei.
Ou seja, ainda não haviam se dado conta de que o julgamento de Lula, desde o início, ocorreu com a quebra de outra cláusula pétrea do ordenamento jurídico constitucional. Pela lei, o acusado não é obrigado a provar sua inocência, o ônus da prova cabendo exclusivamente aos representantes do Estado (polícia, promotoria, juiz). Somente durante os períodos ditatoriais da história republicana brasileira tal ordenamento foi atropelado.
Agora, num novo processo de atropelamento das leis que têm por base a Constituição de 1988, representantes do Estado consideraram poder julgar Lula sem terem provas. Segundo proclamaram abertamente, tinham a “convicção” não só que Lula era “dono” do tríplex do Guarujá, mas também capo maior de uma imensa “organização criminosa”.
É verdade que tal “convicção” sofreu abalos à medida que a necessidade política de dar caráter de isenção e legitimidade à Operação Lava Jato e demais operações associadas destampou a Caixa de Pandora da corrupção empresarial e de seus representantes políticos. Numa fração de tempo, a proporção de petistas envolvidos tornou-se minoritária. Mas o apoio frenético dos oligopólios da mídia e das classes que dominam a sociedade brasileira, cada vez mais temerosos do crescimento eleitoral lulista, fez com que policiais, promotores e juízes “convictos” continuassem empenhados no atropelo às leis e na decisão de caçar e cassar Lula e o próprio PT.
Nesse sentido, o frenético ataque do ministro Barroso ao habeas corpus de Lula talvez seja um dos exemplos mais aberrantes da “convicção” canhestra sobre como conduzir a luta contra a corrupção. Ele apresentou um levantamento minucioso e correto da lentidão dos tribunais, inclusive superiores, em cumprir seu dever de justiça contra os corruptores endinheirados. Porém, ao invés de condenar a morosidade dos tribunais e exigir medidas de mais empenho e rapidez nos julgamentos, apenas voltou-se contra a presunção da inocência dos acusados até o julgamento final da instância superior.
Desse modo, como disse o ministro Lewandowsky em oposição a ele, a justiça se tornará cada vez mais privada ao invés de ser para todos e para os pobres. E é essa justiça privada que vem sendo crescentemente imposta, liquidando na prática as conquistas democráticas de 1988 e impondo à sociedade brasileira a lei da “convicção” de policiais, procuradores e juízes.
Lula não tem a escritura de propriedade do tríplex mixuruca do Guarujá, que formal e juridicamente ainda pertence à OAS. Que importa isso, se o juiz Moro, o grupo de trabalho de procuradores e policiais da Operação Lava Jato, os juízes de Porto Alegre e os proprietários monopolistas da mídia brasileira têm a “convicção” de que Lula “recebeu” o tríplex como propina? Essa é a aberração jurídica e política que está em curso para retirar o ex-presidente e o PT da cena política brasileira, reimplantar uma versão neoliberal ainda mais radical do que a falecida versão de FHC, e liquidar os débeis direitos democráticos reconhecidos pela Constituição de 1988.
Que uma parte dos setores intermediários do povo brasileiro não tenha consciência disso, nem da necessidade dos setores dominantes cortarem na própria carne (vide Cunha, Sérgio Cabral e outros) para demonstrarem legitimidade na implantação de tal projeto reacionário, ainda é compreensível. Mas que a direção do PT tenha acreditado que o STF tomaria como norma o ordenamento jurídico da Constituição de 1988, e não tenha tomado medida alguma para mobilizar sua militância em apoio ao habeas corpus e contra a ofensiva da direita, é demonstração inequívoca de que acredita em anjos e fadas e tem profundas ilusões no “espírito democrático” das elites.
A direção petista e o conjunto desse partido parecem não entender que a prisão de Lula será apenas mais um passo no processo que busca alijar essa liderança e seu partido da vida política brasileira. É verdade que ainda toma como pretexto principal erros reais e fictícios cometidos na captação de recursos empresariais para as campanhas eleitorais. Mas já ensaia a repressão contra irreais atitudes de disseminação de ódios e confrontos de classe, de professar ideologia alienígena e de pretender implantar a desordem no país.
Em tais condições, ou o PT assume a decisão de corrigir os erros existentes em sua política atual ou, como já apontam comentaristas políticos da mídia cabocla, vai descer mais rapidamente a ladeira da decomposição orgânica e da inação política que acometeu outros partidos da esquerda brasileira no século passado. Ou seja, na boa tradição petista, chegou o momento de dizer adeus às ilusões, cair na realidade, recompor sua ampla base social, adotar uma estratégia de defesa política ativa e praticar táticas massivas de combate.
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