Internacional

Troca do chefe da política exterior dos EUA: um desastre

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Luiz Eça – A subs­ti­tuição do se­cre­tário de Es­tado dos EUA foi mais uma ini­ci­a­tiva de­sas­trosa de Do­nald Trump.

Ele exercia um efeito mo­de­rador na “fúria e fogo” das de­ci­sões do pre­si­dente. Como acon­teceu no fim do ano pas­sado.

Em nome do go­verno Trump, Til­lerson apelou para que a Arábia Sau­dita fosse “co­me­dida” nas suas ope­ra­ções mi­li­tares no Iêmen. Pediu até a aber­tura do porto de Ho­deida, blo­queado para im­pedir que os ie­me­nitas re­ce­bessem ali­mentos e com­bus­tí­veis.

No en­tanto, Til­lerson não é um pro­gres­sista, nem um li­beral, longe disso: a mai­oria das suas di­ver­gên­cias com o pre­si­dente era mais de forma que de con­teúdo.

O ex-se­cre­tário de Es­tado não con­tes­tava a mai­oria das po­si­ções do chefe, mas queria que ele res­pei­tasse, sempre que pos­sível, o di­reito in­ter­na­ci­onal, os acordos as­si­nados pelos EUA, as de­ci­sões da ONU, os in­te­resses dos ali­ados e o mul­ti­la­te­ra­lismo. De­fendia a ci­vi­li­dade e o prag­ma­tismo, em con­traste com a in­tem­pes­ti­vi­dade e a ar­ro­gância com que The Do­nald agia e fa­lava.

Como ele, Til­lerson era fa­vo­rável à des­truição do re­gime ira­niano. Em au­di­ência no Co­mitê de Re­la­ções Ex­ternas da Câ­mara, afirmou que a meta da po­lí­tica ex­te­rior dos EUA – a der­ru­bada do re­gime ira­niano – per­ma­necia o mesmo (Newsweek, 27 de junho de 2017). In­formou ainda que os EUA con­fi­avam na ação de “ele­mentos no in­te­rior do Irã, que po­de­riam ser apoi­ados pelo go­verno de Washington para pro­mover a mu­dança de re­gime”. Que ele es­pe­rava fosse pa­cí­fica.

Era contra, por­tanto, re­jeitar (como The Do­nald exige) o acordo nu­clear que, as­si­nado por um pre­si­dente dos EUA (Obama) e ali­ados eu­ro­peus, fora apro­vado pela ONU e por pra­ti­ca­mente todas as na­ções do pla­neta.

Em 2017, Til­lerson con­se­guiu, junto com o ge­neral Mattis, con­vencer Trump a dar seu OK ao cum­pri­mento das cláu­sulas do acordo pelos ira­ni­anos, acom­pa­nhando os de­mais sig­na­tá­rios do do­cu­mento.

Neste ano, porém, o mo­rador da Casa Branca quer partir para a briga, contra a opi­nião do seu se­cre­tário de Es­tado ora de­mi­tido, que pre­fere unir países su­nitas a Is­rael para en­fra­quecer a ex­pansão ira­niana pelo Ori­ente Médio.

Na crise co­reana, os dois que­riam ren­dição in­con­di­ci­onal de Kim Jong-Un. Só que, en­quanto Trump tro­cava in­sultos e fan­far­ro­nadas com o di­tador, Til­lerson pre­gava ne­go­ci­a­ções pa­cí­ficas. No en­tanto, não va­ci­lava em de­fender san­ções cada vez mais ter­rí­veis, ainda que ma­tassem de fome o in­de­feso povo da Co­reia do Norte.

Na Ve­ne­zuela, ambos con­cor­davam em der­rubar o go­verno Ma­duro. Trump, através de san­ções, já Til­lerson foi mais longe: chegou a falar em golpe mi­litar, forma com que os la­tino-ame­ri­canos, se­gundo ele, cos­tu­mavam tirar do poder go­ver­nantes di­vor­ci­ados dos in­te­resses po­pu­lares. Es­queceu os exem­plos dos golpes de Pi­no­chet, So­moza, Tru­jillo e ou­tros da mesma es­tirpe, que le­varam ao poder ti­ranos san­gui­ná­rios, to­tal­mente alheios às ne­ces­si­dades dos seus povos.

Quanto à ação dos EUA na Síria, o se­cre­tário de­clarou, con­forme o Washington Post de 22 de ja­neiro: “é cru­cial para a nossa de­fesa na­ci­onal manter pre­sença mi­litar e di­plo­má­tica na Síria, para ajudar a por fim a este con­flito e, a se­guir, dar as­sis­tência ao povo sírio… Para con­quistar um novo fu­turo po­lí­tico”. Ou seja, com ali­ados de Washington e da Arábia Sau­dita no poder.

Trump as­si­naria em­baixo. Dizem que Til­lerson fez de tudo para con­vencer seu pre­si­dente a não re­co­nhecer Je­ru­salém como ca­pital in­di­vi­sível de Is­rael. Pode ser.

É es­tranho, pois, em en­tre­vista co­le­tiva em Viena, em 7 de de­zembro de 2017, Til­lerson de­fendeu a de­cisão do ex-chefe: “o pre­si­dente sim­ples­mente está obe­de­cendo à von­tade do povo”.

O que foi sim­ples­mente men­tira. Con­forme o Daily Sabah do dia an­te­rior, pes­quisa da Uni­ver­si­dade de Mary­land re­velou que 63% dos es­ta­du­ni­denses eram con­trá­rios a mais esta de­cisão tem­pes­tuosa de Do­nald Trump.

Não consta que o ex-se­cre­tário ti­vesse di­ver­gido do pre­si­dente na crise da Pa­les­tina.

Ou es­tava de acordo ou se calou, uma omissão in­des­cul­pável em ques­tões di­re­ta­mente afetas a ele.

E, agora, uma di­ver­gência real e ex­plí­cita. Til­lerson somou com a pri­meira-mi­nistra Te­resa May na con­de­nação ao su­posto en­ve­ne­na­mento de um opo­sitor a Putin, por si­cá­rios da alta cú­pula do go­verno de Moscou. E apoiou san­ções contra os russos.

Trump, mais pre­ca­vido, em­bora cri­ti­cando o ato, ad­mitiu que não havia ainda evi­dên­cias su­fi­ci­entes para apontar cul­pados. É ver­dade que a pru­dência não é uma qua­li­dade pre­si­den­cial e dias de­pois lá es­tava The Do­nald com o dedo er­guido contra os russos. Afinal, Putin tornou-se uma es­pécie de “Geni”, onde os es­ta­distas oci­den­tais jogam pedra, es­pe­rando re­tornos elei­to­rais pro­vei­tosos.

Apesar da con­duta nem sempre exem­plar do se­cre­tário que caiu em des­graça, foi muito grave a es­colha do seu su­cessor.

Mike Pompeo é um se­guidor apai­xo­nado de Do­nald Trump. E o que é pior, com­par­tilha de suas po­si­ções mais re­a­ci­o­ná­rias, po­pu­listas e vi­o­la­doras dos di­reitos hu­manos. Mesmo aquelas que o pre­si­dente tem medo de virem a pú­blico.

Em 2014, quando a se­na­dora de­mo­crata Di­anne Feins­tein, na qua­li­dade de chefe do Co­mitê de In­te­li­gência do Se­nado, li­berou um es­tudo que con­de­nava o pro­grama da CIA de tor­turas, Pompeo pro­testou in­dig­nado: “Hoje, a se­na­dora Feins­tein pôs vidas norte-ame­ri­canas em risco”. E, des­creveu os agentes tor­tu­ra­dores como “he­róis, não os peões de algum jogo li­beral (Quartz Media, 14/3)”.

Eco­ando as di­a­tribes contra o Irã, o novo se­cre­tário de­clarou-se mo­ti­vado a des­truir esse país. Na mesma oca­sião, também pro­meteu (CNBC 13/3) obs­ta­cu­lizar o in­gresso de in­ves­ti­mentos es­tran­geiros no Irã e dar marcha à ré no acordo nu­clear (DN-Mundo, 13/3).

Adepto da se­gu­rança acima da li­ber­dade, Pompeo apoiou a es­pi­o­nagem das co­mu­ni­ca­ções dos norte-ame­ri­canos pela NSA.

Feroz linha-dura, não va­cilou, du­rante a cam­panha pre­si­den­cial, em afirmar que Edward Snowden era um traidor e de­veria ser con­de­nado à morte.

O novo se­cre­tário do Es­tado dis­tin­guiu-se por não es­conder sua is­la­mo­fobia (coisa que seu chefe faz), com dis­cursos onde as­socia o ter­ro­rismo mun­dial à re­li­gião mu­çul­mana (Council of Ame­rican-Is­lamic Re­la­tions).

O New Re­pu­blic de 14 de março in­forma que Mike Pompeo con­si­dera a Guerra ao Terror como um choque entre o cris­ti­a­nismo e o Is­la­mismo.

Fiel às idi­os­sin­cra­sias de Trump, Mike não po­deria deixar o Irã em paz. Fa­lando à Uni­ver­si­dade do Texas, ele des­creveu o país como “um Es­tado de cri­mi­nosos” e uma “te­o­cracia des­pó­tica”, com­pa­rando seus fins aos do ISIS (NBC NEWS,-14-3). Ao ser no­meado di­retor da CIA, em no­vembro de 2016, ele pre­veniu que Teerã tinha o “ob­je­tivo de des­truir a Amé­rica” e chamou o acordo nu­clear de “de­sas­troso”, acres­cen­tando que es­tava an­sioso por anulá-lo (NBC NEWS).

A no­me­ação de Gina Haspel para di­re­tora da CIA é co­e­rente com a no­me­ação de Mike Pompeo para se­cre­tário do Es­tado.

Mas é tão cho­cante que até mesmo o se­nador re­pu­bli­cano John Mc­Cain, tido como “falcão”, ar­re­piou as penas. Ele con­denou a es­colha dessa se­nhora, por estar en­vol­vida em “um dos mais ne­gros ca­pí­tulos da his­tória nortea-me­ri­cana”.

Re­feria-se ao pro­grama de “ren­di­ções” da CIA, do go­verno Bush, no qual sus­peitos de ter­ro­rismo eram rap­tados e le­vados a lo­cais se­cretos em países ali­ados para serem in­ter­ro­gados com uso de tor­turas.

Gina Haspel di­rigiu um desses cha­mados lo­cais se­cretos (black sites), na Tai­lândia.

Como a Pro Pu­blica re­velou em 2017, Haspel su­per­vi­si­onou pes­so­al­mente pelo menos dois in­ter­ro­ga­tó­rios, nada ami­gá­veis, de dois sus­peitos.

Num deles, Abu Zu­baida, foi sub­me­tido ao wa­ter­bo­ar­ding (que re­produz a sen­sação de afo­ga­mento) 83 vezes num só mês. E ainda jo­gado de ca­beça na pa­rede, im­pe­dido de dormir e en­cer­rado num caixão. Tudo sob os olhos e a ori­en­tação da se­nhora Haspel.

No fim, os in­ter­ro­ga­dores de­ci­diram que ele nada tinha a in­formar e o sol­taram (Quartz Media – 14/3). Pro­va­vel­mente, sem ao menos pedir des­culpas.

Du­rante a in­ves­ti­gação do Se­nado sobre as tor­turas pra­ti­cadas pela CIA, Gina foi fla­grada des­truindo ví­deos al­ta­mente com­pro­me­te­dores, que mos­travam agentes da CIA tor­tu­rando presos para con­se­guir as cha­madas “con­fis­sões es­pon­tâ­neas”.

Por essa ati­vi­dade, di­gamos, su­brep­tícia, a ze­losa dama da CIA foi acu­sada de obs­trução pelos ad­vo­gados da Casa Branca. Pro­cu­ra­dores es­pe­ciais de­sig­nados para in­ves­tigar as ações de­li­tu­osas dela con­cluíram pela sua culpa. Mas não foi pro­ces­sada, pois Obama pre­feria que se es­que­cesse os au­tores desses atos pouco con­di­zentes com os va­lores da de­mo­cracia norte-ame­ri­cana.

Es­pera-se que par­la­men­tares re­pu­bli­canos (e também de­mo­cratas) te­nham a de­cência de vetar esta de­sa­ti­nada no­me­ação de Trump.

Já sa­bemos que o co­ra­joso se­nador re­pu­bli­cano Rand Paul pre­tende negar seu voto não só a Gina, como também a Mike. John Mc­Cain, também re­pu­bli­cano, deve tomar a mesma po­sição quanto à se­nhora Haspel. Mas fi­cará ao lado de Mike Pompeo.

In­fe­liz­mente, quase todos os se­na­dores do par­tido Re­pu­bli­cano, e até muitos de­mo­cratas de di­reita, irão aplaudir o se­cre­tário de Es­tado recém-in­di­cado.

O fato de ele cos­tumar dar seu amém a tudo que The Do­nald in­tenta fazer tor­nará sua voz ben­vinda pelos ou­vidos pre­si­den­ciais.

O que po­derá in­flu­en­ciar ne­ga­ti­va­mente al­guma even­tual dú­vida do mo­rador da Casa Branca, di­ante de al­guma po­sição sus­ce­tível de causar in­dig­nação na opi­nião pú­blica mun­dial.

O fato de Trump trocar um se­cre­tário de Es­tado mo­de­rado por um fu­ri­bundo ul­tra­di­rei­tista si­na­liza algo muito pe­ri­goso.

The Do­nald pen­saria em ra­di­ca­lizar ainda mais sua po­lí­tica ex­terna que pri­o­riza guerras e ame­aças.

Com essas cartas, os EUA ga­nha­riam todas as pa­radas. Hi­tler as usou e deu no que deu.

http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/13167-troca-do-chefe-da-politica-exterior-dos-eua-um-desastre

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