Política

Comparato: 2016, a grande revanche oligárquica

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Fábio Konder Comparato – Como o tímido ascenso das maiorias desencadeou a reação do empresariado, da mídia e dos setores mais antidemocráticos do Estado. O papel dos Estados Unidos. O risco de um longo retrocesso.

A reconstitucionalização do Estado em 1988 

No texto da nova Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988, foram declarados os princípios fundamentais a regê-la; a saber, a República, a Democracia e o Estado de Direito. De acordo, porém, com a inveterada tradição brasileira, tais princípios servem apenas de bela fachada do edifício constitucional, encobrindo a realidade efetivamente vigente, na qual eles são desconsiderados.Com a morte inesperada do Presidente eleito Tancredo Neves, em 21 de abril de 1985, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Sarney. Sua preocupação praticamente única foi a de repor em funcionamento o sistema político em vigor antes do golpe militar de 1964, ou seja, oligárquico em substância e democrático na aparência.

Assim é com o princípio republicano que, desde a mudança de regime político em 1889, é confundido com o sistema de governo não monárquico. Na nova Constituição, declara-se que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil consiste em “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV). Na realidade, porém, como já advertira Frei Vicente do Salvador no início do período colonial, “nem um homem nesta terra é republico nem zela e trata do bem comum, senão cada um do bem particular”.

O desconhecimento do que é um regime autenticamente republicano fica evidente, quando se verifica que a Constituição de 1988 não reconhece que o verdadeiro titular dos bens públicos é o povo – como bem exprimiu Cícero, com a concisão latina, res publica, res Populi – e que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal nada mais são do que agentes que atuam em nome do povo; ou, como dizem os alemães, simples portadores do poder público (Machtträgern).

Da mesma sorte, em relação ao princípio democrático. A partir de 1934, as Constituições aqui promulgadas vêm repetindo, sem descontinuar, que “todo poder emana do povo”. Na atual, precisou-se que ele exerce essa soberania, não apenas por meio de representantes eleitos, mas também diretamente (art. 1º, parágrafo único), por intermédio de plebiscitos e referendos. Ao se analisar, porém, semanticamente o verbo emanar nessa declaração constitucional, tem-se a impressão de que ele foi empregado mais no sentido de evolar-se, do que no de originar-se.

Com efeito, a Assembleia Constituinte convocada pelo Presidente José Sarney em junho de 1985 nada mais era do que o então Congresso Nacional revestido de poderes constituintes. Quando o povo elegeu os membros desse Congresso, não tinha a menor consciência de que aos eleitos caberia a função maior de redigir a nova Constituição. Ademais, esta última, como todas as que a precederam, não foi aprovada pelo povo. Pior: os redatores da atual Constituição, como sucedeu com todas as demais editadas no período pós-monárquico, arrogaram-se o poder exclusivo de modificá-la, sem consulta ao representado. Até o momento em que escrevo estas linhas, a Constituição de 1988 tem sido emendada (ou remendada) em média cinco por ano. Em nenhuma dessas ocasiões, pensou-se, não já em pedir a aprovação direta daquele que a Constituição declara soberano, isto é, o povo, mas em pelo menos consultá-lo para saber sua opinião acerca das emendas propostas.

Pode-se mesmo sustentar que a Constituição de 1988 ainda não entrou definitivamente em vigor sob o aspecto puramente formal, pois ela continua recebendo “emendas transitórias”. Ou seja, continuamos na fase de transição de uma Constituição a outra… A norma constitucional transitória mais importante foi a que determinou a definição, por meio de plebiscito, da forma (república ou monarquia) e do sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) a vigorar no país; entendendo-se aqui por república, como foi dito no início deste capítulo, não o princípio fundamental da absoluta prevalência do bem comum  do povo – que os romanos denominaram res publica – sobre todo e qualquer interesse privado, mas sim a atribuição da chefia do Estado a uma pessoa escolhida pelo povo. Tal plebiscito, realizado no dia 7 de setembro de 1993, optou pela república (no sentido que acaba de ser exposto) e pelo presidencialismo.

Já quanto ao princípio político fundamental da democracia, a inovação da Constituição de 1988 foi a de explicitar, como formas de exercício da soberania popular, não só o sufrágio universal, mas também o referendo e o plebiscito. A Lei n. 9.709, de 1998, especificou que o plebiscito “é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido”; ao passo que o referendo “é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição”.

Acontece que em seu art. 49, inciso XV a mesma Constituição determinou ser da competência exclusiva do Congresso Nacional “autorizar referendo e convocar plebiscito”. Em outras palavras, o povo soberano fica impedido de manifestar sua vontade, a não ser com autorização prévia de seus mandatários no Congresso Nacional. Trata-se, como se vê, de original criação do espírito jurídico brasileiro!

Já quanto ao terceiro princípio político fundamental do Estado moderno, qual seja, a submissão de todo órgão de poder ao controle jurídico de outro órgão, como mecanismo para se evitar o abuso – o que se denomina em doutrina Estado de Direito –, no regime da Constituição de 1988 tal princípio foi afastado em relação ao Supremo Tribunal Federal e o Presidente da República.

Em relação ao Supremo Tribunal Federal, ao se aplicar a nova Constituição ficou explícito que ele não está sujeito a controle algum no exercício de suas atribuições. Em outras palavras, trata-se de um órgão irresponsável, pois ele próprio e cada um dos seus Ministros não respondem de suas decisões, atos e omissões perante ninguém. Com a criação, por efeito da Emenda Constitucional n. 61, de 2009, do Conselho Nacional de Justiça (Constituição, art. 103-B), encarregado do “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”, supôs-se que o Supremo Tribunal Federal estaria submetido ao controle desse Conselho, pelo menos no que se refere à sua atuação administrativa e financeira. Doce ilusão: ao julgar em 2006 a ação direta de inconstitucionalidade n. 3.367, o Supremo Tribunal decidiu peremptoriamente que “o Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o STF e seus ministros”.

Tudo isso, sem falar na escandalosa recusa de nosso tribunal supremo em julgar pleitos em que se questiona a deliberada omissão do Poder Legislativo em regulamentar normas constitucionais contrárias aos interesses dos grupos que compõem o poder oligárquico; como, por exemplo, a determinação do art. 220, § 5º da Constituição Federal, que proíbe sejam os meios de comunicação social objeto, direta ou indiretamente, de monopólio ou oligopólio; ou a do art. 153, inciso VII, que atribui à União Federal a competência para instituir o imposto sobre grandes fortunas.

Já quanto ao controle judicial dos atos do Presidente da República, a Constituição de 1988 reproduziu a norma constante do arremedo de Constituição, baixado pelo poder militar em 1967, segundo a qual a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra o Presidente pelo cometimento de infrações penais comuns, antes de ser apresentada ao Supremo Tribunal Federal deve ser submetida à aprovação de dois terços da Câmara dos Deputados. Tendo sido denunciado em 2017 pelo Procurador-Geral da República pela prática do crime de corrupção, o Presidente Michel Temer logrou impedir a abertura do processo-crime no Supremo Tribunal Federal, prodigalizando vantagens indevidas a grande número de deputados federais. Em outras palavras, o Chefe do Poder Executivo federal comprou os votos necessários para se safar da acusação.

O Governo de José Sarney

Em 1983, nos estertores do regime militar, o Deputado Dante de Oliveira apresentou no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional, tendo por objetivo o restabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República. Não obstante o apoio de mais de 80% do povo brasileiro, a emenda não obteve a maioria especial de dois terços na Câmara dos Deputados, tendo sido por isso rejeitada. Realizaram-se então, em 15 de janeiro de 1985 as eleições indiretas para a chefia do Executivo no plano federal e nos Estados, conforme previsto.

Só que dessa vez, pela primeira vez após mais de 20 anos de regime militar, foi eleito Presidente da República um civil, Tancredo Neves que não pôde, porém, tomar posse, tendo falecido em 21 de abril daquele ano. Com isso, foi empossado na Chefia do Executivo federal o Vice-Presidente escolhido pelo colégio eleitoral, José Sarney.

A disposição de ânimo otimista que tal eleição suscitou no conjunto da população foi, no entanto, rapidamente dissipada, quando a massa do povo deu-se conta de que suas condições de vida eram doravante submetidas aos malefícios da inflação monetária.

Em fevereiro de 1986, o governo de José Sarney lançou o Plano Cruzado, na esperança de conter a inflação e restaurar a confiança no desempenho econômico. Além da substituição da moeda oficial do país, o cruzeiro, pelo cruzado, estabeleceu-se o congelamento geral de preços por doze meses e a adoção o “gatilho salarial”, isto é, o reajuste automático de salários sempre que a inflação atingisse o nível de 20%. Em contrapartida, atribuiu-se aos trabalhadores um abono de 12% sobre o valor real dos salários. O que os economistas do governo não souberam prever foi que o congelamento de preços acabou por distorcer as margens de lucro das empresas, provocando o desinvestimento, a queda de produção e uma ampla crise de abastecimento, com o recrudescimento da inflação, levando à generalizada cobrança de ágio em todos os preços.

Diante do fracasso das medidas anti-inflacionárias tomadas, o governo decidiu, ao final do mesmo ano de 1986, lançar o Plano Cruzado II, que tampouco logrou deter a inflação, o que levou à decretação de uma moratória unilateral em 20 de janeiro de 1987 e ao lançamento de mais dois novos programas anti-inflacionários: em abril daquele ano, pelo novo Ministro Bresser Pereira, e em janeiro de 1989 pelo Ministro Maílson da Nóbrega (o Plano Verão); ambos esses planos igualmente mal sucedidos.

Não obstante esse fracasso na política anti-inflacionária, ou talvez em razão dele, a moeda nacional não foi apreciada como nos anos posteriores, o que provocou bons resultados no comércio exterior. No governo Sarney o Brasil teve o 3º saldo exportador do mundo. A dívida externa caiu quase pela metade, e o déficit primário, que era equivalente a 2,5% do PIB em 1984, foi sucedido por um superávit de 0,8% em 1989.

Outro ponto a ser assinalado no governo Sarney foi a consolidação do oligopólio empresarial dos meios de comunicação. Sob o comando de Antônio Carlos Magalhães, Ministro das Comunicações, foram feitas sem licitação mais de mil concessões de rádio e televisão em troca de apoio político ao governo, notadamente para o aumento de um ano do mandato presidencial.

No campo da política externa, o governo desvinculou-se dos Estados Unidos, o que valeu o estabelecimento de sanções comerciais contra o nosso país.

O Governo Collor de Mello

Com a eleição à presidência da República de Fernando Collor de Mello em 1990, o Brasil entra de pleno vapor no campo do privatismo e do liberalismo econômico mais desbragados. Foram reduzidos os impostos de importação e incentivados os investimentos externos, inclusive  com a privatização de empresas públicas ou o fim do monopólio estatal em setores estratégicos, como a exploração de petróleo, energia e mineração. Com a agravante de que as privatizações faziam-se com financiamento do BNDES, ou seja, com dinheiro público, e atingiam empresas estatais lucrativas e competitivas, como a Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional.

Embora toda essa política de privatização econômica tenha beneficiado o setor empresarial e rentista, que passou a liderar o grupo oligárquico no poder, grande parte do empresariado e dos capitalistas acabaram rompendo com o governo. Aparentemente, em razão das medidas descontroladas por este tomadas para debelar a inflação, como o congelamento pelo prazo de dezoito meses dos depósitos bancários superiores a Cr$50.000,00. Mas há quem sustente que a verdadeira razão do abandono do Presidente Collor pela oligarquia foi o fato de que este recusou-se a permitir a participação de grande parte dos oligarcas, sobretudo de membros do Congresso Nacional, no vultoso montante de propinas recebidas por Collor e o pequeno círculo de seus amigos, das empresas beneficiadas pela corrupção.

O caminho estava assim aberto para a destituição do Presidente por via do processo de impeachment, aberto no Congresso Nacional em 2 de setembro de 1992 e finalizado em 29 de dezembro do mesmo ano.

O Governo Itamar Franco

A grande preocupação do governo instaurado no apagar das luzes da presidência de José Sarney em 1992 foi a de repor o país nos eixos, recriando um mínimo de racionalidade na gestão da coisa pública. Em abril de 1993, ou seja, quatro anos e meio após a promulgação da nova Constituição, as autoridades federais decidem lançar o plebiscito nela previsto, para deliberar sobre o regime político – república ou monarquia – e sobre o sistema de governo: presidencialismo e parlamentarismo.

Quase um terço dos eleitores deixou de comparecer às urnas, o que demonstrou o desinteresse de grande parte dos cidadãos pelas escolhas políticas objeto da decisão popular. Em conclusão, 66% votaram a favor da república, contra 10% a favor da monarquia. Quanto ao sistema de governo, o presidencialismo recebeu 55% dos votos, enquanto o parlamentarismo, apoiado por Itamar Franco, 25%. Quando o Vice-Presidente Itamar Franco assumiu a presidência, por efeito da destituição de Fernando Collor de Mello, a taxa anual da inflação monetária chegou a 1100% em 1992 e a 2708,55% no ano seguinte.

Não obstante a frequente troca de Ministros da Fazenda, o descontrole monetário só terminou com o lançamento do Plano Real em fevereiro de 1994. O plano foi elaborado por uma equipe econômica, da qual faziam parte Persio Arida, André Lara Resende, Francisco Lopes, Gustavo Franco, Pedro Malan, Edmar Bacha e Winston Fritsch.

Era então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, mas ele deixou o Ministério em março daquele ano, ou seja, um mês após o lançamento do plano, para candidatar-se à presidência da República. Assumiu então o ministério o diplomata Rubens Ricúpero, o qual, segundo o presidente Itamar Franco, foi “o grande ministro do Plano Real”.

O plano desenrolou-se em três etapas: 1) a fase de equilíbrio das contas públicas; 2) a criação da Unidade Real de Valor, com o objetivo de preservar o poder de compra, sobretudo da população de baixa renda, excluindo-se a adoção de medidas de choque, como o chamado confisco da poupança; 3) o lançamento do padrão monetário até hoje vigente: o real.

As principais medidas de estabilização econômica adotadas foram as seguintes:

  • Desindexação da economia, com o ajuste de preços anualizado em função do custo de produção dos bens e serviços.
  • Privatização das empresas públicas, cujo desenvolvimento é cerceado pela burocracia estatal e a escassez de recursos públicos. Como sabido, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso a política de privatizações deixou de ser a exceção e tornou-se a regra.
  • Equilíbrio fiscal, mediante corte de despesas públicas dispensáveise aumento em pelo menos 5% de todos os impostos federais.
  • Abertura econômica, mediante a gradual redução das tarifas de importação e a facilitação da prestação de serviços internacionais.
  • Manutenção de juros básicos elevados e câmbio artificialmente valorizado. Tais medidas, que na melhor das hipóteses deveriam ser temporárias, tornaram-se permanentes em razão do poder dominante das empresas financeiras, provocando apreciável redução no ritmo de crescimento da economia brasileira.

Seja como for, o Plano Real favoreceu o consumidor de baixa renda. Segundo estimou a Fundação Getúlio Vargas, em apenas dois anos, entre 1993 e 1995, a população pobre diminuiu em 18,47%.

O Governo de Fernando Henrique Cardoso

Encerrado o Governo Itamar Franco, os principais líderes da dominação oligárquica em nosso país resolveram embarcar, com armas e bagagens, no comboio que transportava a economia mundial para o paraíso da globalização capitalista. Durante todo o período em que

Fernando Henrique Cardoso exerceu a presidência da República, o real foi mantido supervalorizado, a taxa básica de juros elevada, as despesas públicas reduzidas e foram criados incentivos à entrada de empresas estrangeiras em nosso país, inclusive mediante emendas constitucionais. Concomitantemente, realizou-se a mais extensa política de privatizações de toda a nossa história, abrangendo rodovias federais, bancos estaduais, empresas de energia e telefonia. Logo no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, foram privatizadas nada menos do que oitenta empresas públicas, notadamente a Companhia Vale do Rio Doce, uma das maiores empresas mineradoras do mundo, a maior produtora mundial de minério de ferro, de pelotas e de níquel, além de produtora de manganês, ferroliga, cobre, bauxita, potássio, caulim e alumínio. A companhia opera também no setor de energia elétrica, com nove usinas no Brasil, no Canadá e na Indonésia.

Essa privatização, justificada à época pelo chamado Consenso de Washington – conjunto de dez recomendações do Fundo Monetário Internacional adotadas em 1990 – foi na verdade operada na bacia das almas. Os compradores da Companhia do Rio Doce, por exemplo, beneficiaram-se de financiamento subsidiado pelo BNDES, não tendo sido levado em conta, no preço de venda das ações de controle, o valor potencial das reservas de ferro por ela possuídas, as maiores do mundo. Contra essa operação de venda do controle público da Vale do Rio Doce foram intentadas mais de cem ações judiciais, nenhuma delas acolhida pelo Judiciário; o que bem demonstrou a submissão cabal dos magistrados à dominação da oligarquia empresarial, nacional e estrangeira.

Para completar esse quadro de completo abandono do princípio republicano e do Estado de Direito, logo no começo do seu mandato Fernando Henrique Cardoso iniciou tratativas junto ao Congresso Nacional para operar uma mudança constitucional, permitindo a sua própria reeleição como Presidente da República, incluindo nessas tratativas a compra de votos de vários deputados federais, que acabaram sendo judicialmente condenados. O Presidente, no entanto, saiu ileso de todo esse criminoso episódio, não tendo contra ele sido intentado em juízo procedimento algum.

O balanço da eficiência do governo foi dos mais negativos. No último ano do mandato presidencial ampliado, o desemprego atingiu um número recorde de trabalhadores, colocando o Brasil na segunda colocação no índice mundial de desempregados em termos absolutos. Ao mesmo tempo, o PIB per capita caiu de US$ 4,85 para US$ 2,86, registrando-se significativo aumento da desigualdade no seio da população.

Na verdade, teve-se a impressão de que Fernando Henrique Cardoso atuou como se fora o Chefe de Estado de um regime parlamentar, entregando praticamente todas as tarefas de governo aos seus ministros, que agiram sem controle de qualquer espécie.

Luiz Inácio Lula da Silva: um intruso no regime oligárquico

Lula foi, efetivamente, o único Chefe de Estado no Brasil, escolhido fora do esquema oligárquico. Foi esta a única vez em que a coligação oligárquica, notadamente o empresariado e os principais agentes políticos, utilizando-se largamente do seu oligopólio dos meios de comunicação de massa, não souberam manipular o processo eleitoral em favor do candidato que haviam escolhido.

Na verdade, a eleição de Lula em 2002, após três candidaturas frustradas, perturbou nossos oligarcas, pois o novo Presidente era o primeiro Chefe de Estado oriundo da classe operária, e cujo carisma pessoal teve sempre o dom de entusiasmar a maioria do povo.

Lula, porém, desde sua eleição – e mesmo antes, por meio da Carta aos Brasileiros, por exemplo – fez questão de não hostilizar os grupos dominantes, procurando estabelecer com eles, sobretudo com as grandes empreiteiras de obras públicas e empresas financeiras, uma aliança duradoura. Durante seus dois mandatos, o banqueiro Henrique Meirelles dirigiu o relacionamento do governo com o sistema bancário, a partir do Banco Central. Como não poderia deixar de ser, foi mantida em nível extremamente elevado a taxa Selic (abreviação de Sistema Especial de Liquidação e Custódia), que fixa os juros pagos pela União Federal às instituições financeiras compradoras dos títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional. Tais títulos são depois revendidos pelas instituições financeiras compradoras aos rentistas no mercado.

Durante anos a fio o Estado Brasileiro, sob pretexto de combater a inflação, manteve essa taxa oficial de juros entre as mais elevadas do mundo, ensejando às instituições financeiras que revendem tais títulos e aos rentistas privados que neles aplicam ganhar somas fabulosas, sem nenhuma contrapartida. Para se ter uma ideia do esbulho público assim praticado, em 2003, quando Lula assumiu a presidência, a Selic foi fixada em 24,5 %, enquanto a taxa de inflação não superava 6%.

No Congresso Nacional, o novo governo aliou-se ao PMDB, o que já dá uma ideia dos limites que se auto-impôs em matéria de avanço legislativo.

Beneficiando-se do boom de commodities que marcou o início do novo século no mundo todo, o Governo Lula conseguiu manter durante seus dois mandatos uma balança comercial superavitária; e embora o endividamento interno tenha crescido em números absolutos, diminuiu a proporção da dívida sobre o Produto Interno Bruto. Ao mesmo tempo, houve incremento na geração de empregos: entre 2003 e 2006, a taxa de desemprego caiu, sendo que o total de pessoas ocupadas cresceu 8,6%.

No campo das políticas sociais, o grau de eficiência do Governo Lula foi bem grande. Assim é que o programa Bolsa Família, implantado logo no início do governo em 2003, pelos seus bons resultados no combate à fome e no fomento da educação popular, foi citado como exemplo pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, no Relatório sobre a Erradicação da Pobreza, apresentado ao Conselho Econômico e Social da ONU; além de ter sido elogiado pelo Fundo Monetário Internacional.

Por outro lado, o governo federal soube atuar em colaboração com Estados e Municípios, ao desenvolver o Plano Nacional de Direitos Humanos e o programa de Economia Solidária.

Ainda no campo das políticas sociais, o Governo Lula criou em 2005 o Programa Universidade para todos (Prouni), que passou a conceder bolsas de estudos, integrais e parciais, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior. Ao mesmo tempo, durante os oito anos do duplo mandato foram criadas várias universidades federais e escolas técnicas de nível superior.

Todavia, enquanto esses bons resultados ocorriam em matéria de políticas sociais, o poder oligárquico financeiro não só impedia sistematicamente qualquer mudança institucional que viesse a enfraquecê-lo, como chegou a aprovar emendas constitucionais que o beneficiavam diretamente; como por exemplo a de n. 40, de 2003, que eliminou todas as restrições estabelecidas originariamente na Constituição para regular o sistema financeiro. Da mesma sorte, durante os dois mandatos governamentais, não obstante os redobrados esforços desenvolvidos para implementar um plano de democratização dos meios de comunicação de massa, bem como o Plano Nacional de Direitos Humanos III, os resultados foram nulos.

Já em matéria de política externa, o Governo Lula pôde tomar várias iniciativas de mudança, que contrariaram diretamente os interesses político-econômicos das grandes potências internacionais. Assim foi com a adesão do Brasil ao grupo dos BRICS – acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – países que representam cerca de 40% da população mundial e 22% do produto bruto mundial. Constante apoio foi também dado pelo governo ao relacionamento político, econômico e cultural com os países do continente africano, bem como à integração latino-americana, sobretudo com o fortalecimento do Mercosul.

Como era de se esperar, os bons resultados das políticas implementadas pelo Governo Lula não deixaram de inquietar o poder oligárquico. Aproveitando-se do controle oligopólico que exerce há décadas sobre os meios de comunicação de massa, ele centrou seus ataques nos casos de corrupção ou prevaricação envolvendo ministros, que foram obrigados a deixar seus cargos.

Malgrado tais percalços, no entanto, o apoio popular a Lula não cedeu durante ambos os mandatos. Ao final do primeiro deles, em dezembro de 2006, uma pesquisa do Instituto Datafolha indicou que 52% dos entrevistados consideravam o seu governo ótimo ou bom; e em março de 2010, no último ano do segundo mandato, essa percentagem havia aumentado para 76%. Tais fatos voltaram a inquietar sobremaneira nossos oligarcas.

A reação à popularidade do lulismo

Segundo todos os indícios, a reação da nossa oligarquia ao perigo contra ela representado pelo sucesso popular do Governo Lula foi habilmente orquestrada pelos Estados Unidos, desde o início da presidência de Dilma Rousseff. Para os nossos oligarcas, o objetivo consistia em romper o ciclo de ascensão política do lulismo, o que correspondia igualmente a favorecer os interesses político-econômicos da grande potência norte-americana.

Para a consecução desse propósito, a grande dificuldade prática consistia no fato de que toda a energia do movimento reacionário devia concentrar-se na oposição à própria pessoa de Lula. Assim, segundo a velha tradição de personalismo que sempre animou a política brasileira, e que corresponde a um dos traços marcantes de nossa mentalidade coletiva, não bastava desmoralizar politicamente o PT; era indispensável atacar a própria pessoa de Lula. Ora, como ninguém podia ignorar, esse ataque poderia provocar uma reação maciça do povo; sem contar o fato de que ele somente prosperaria, na medida em que se encontrasse na vida política de Lula a probabilidade do cometimento de algum ato delituoso, que o desmoralizasse publicamente.

Foi sem dúvida aí que se revelou toda a importância da união oligárquica dos potentados econômicos privados com os grandes agentes estatais, notadamente os magistrados, os membros do Ministério Público e da Polícia Judiciária. Segundo indicam todos os indícios, vários desses agentes estatais foram estrategicamente orientados a atuar, debaixo do pano, por técnicos norte-americanos.

Tudo começou oficialmente em 2013, com o lançamento pela Polícia Federal da Operação Miquéias, que no ano seguinte se transformaria na Operação Lava Jato, visando a apurar um esquema de lavagem de dinheiro de bilhões de reais para corrupção de agentes de empresas sob controle público, notadamente a Petrobras. Por curiosa circunstância, embora a Petrobras seja sediada no Rio de Janeiro, a atuação policial foi deflagrada no Paraná e o respectivo processo-crime distribuído à 13ª Vara da Justiça Federal onde atua o Juiz Sérgio Moro, que foi assessor da Ministra Rosa Weber no julgamento dos processos do chamado mensalão, abertos em 2005, sobre práticas de corrupção no Partido dos Trabalhadores. No âmbito do Ministério Público Federal, foi criada desde logo uma força-tarefa sob a direção do Procurador Deltan Dallagnol.

Igualmente por curiosa coincidência, tanto um quanto outro são personalidades muito estimadas pelos norte-americanos. Sérgio Moro foi considerado pela revista Fortune em março de 2016 – exatamente no mês em que ocorreram os famosos protestos contra o governo de Dilma Rousseff – uma das 50 personalidades, tidas como líderes mundiais; foi, aliás, o único brasileiro incluído nessa lista. No mês seguinte, Moro foi designado pela revista Time uma das cem pessoas mais influentes do mundo, sendo mais uma vez o único brasileiro assim considerado.

Quanto a Dallagnol, é mestre em direito pela Universidade de Harvard e mantém frequentes relações com os norte-americanos. Tais circunstâncias, no entanto, não seriam suficientes para explicar a centralização de ações judiciais referentes à Petrobras na 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba; não fosse um fato da maior importância ocorrido alguns anos antes, como se passa a referir.

Em 2007, graças às técnicas que havia desenvolvido, a Petrobras realizou na camada do pré-sal a maior descoberta de campos de petróleo de todos os tempos. Pois bem, um ano depois dessa descoberta, equivalente a cerca de 80 bilhões de barris de petróleo, foram furtados 4 laptops e 2 HDS com informações sigilosas sobre a bacia de Santos, em cujas profundezas localiza-se uma parte da camada do pré-sal. Ou seja, dados de 30 anos de pesquisas da Petrobras, estimados em 2 bilhões de dólares passaram a ser disponibilizados pelos ladrões.

Em 2013, uma semana após haver sido revelado que a Presidenta Dilma Rousseff fora espionada pela CIA, o ex-consultor dessa agência, Edward Snowden, revelou que a CIA espionava também a Petrobras.

Ao mesmo tempo, estabeleceu-se um pacto, não apenas informal como ilegal, entre o Ministério Público Federal brasileiro e o governo norte-americano, para a colaboração em matéria de investigação, inquérito e ação penal, acordo esse estreitamente ligado à Operação Lava Jato. Na verdade, ele feriu diretamente o Decreto n. 3.810, de 2 de maio de 2001, que promulgou o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo brasileiro e o norte-americano; pois conforme o disposto em seu Artigo II, “cada Parte designará uma Autoridade Central para enviar e receber solicitações” em observância do Acordo, sendo que no Brasil essa Autoridade Central é o Ministério da Justiça e não o Ministério Público Federal.

O fato é que no mesmo ano de 2016 em que os meios de comunicação de massa dos Estados Unidos apresentaram o Juiz Moro como personalidade de destaque mundial, ele despontou em algumas pesquisas de opinião pública no Brasil como o melhor candidato potencial à presidência da República. Ainda em agosto de 2016, recebeu a Medalha do Pacificador, a maior honraria concedida pelo Exército Brasileiro, como reconhecimento pelos “relevantes serviços prestados ao país”. Em abril de 2017 foi condecorado com a medalha da Ordem do Mérito Militar, em cerimônia comemorativa do Dia do Exército. Escusa lembrar que os oligarcas brasileiros, em toda a nossa História, sempre estiveram intimamente ligados às Forças Armadas. Como se vê, o Juiz Sérgio Moro reuniu em sua pessoa o apoio tanto do povo, quanto da oligarquia.

Haveria alguma personalidade com mais chances do que ele para enfrentar politicamente Luiz Inácio Lula da Silva?

Acontece que nenhum magistrado pode candidatar-se a algum posto eletivo no Brasil. Só restava, portanto, uma saída, que era inviabilizar a própria candidatura potencial de Lula, mediante a sua condenação criminal. Foi o que fez Sérgio Moro em sentença prolatada em julho de 2017. Logo em seguida, em flagrante violação de seus deveres de magistrado (Lei Complementar n. 35, de 14.03.1979, art. 36, III), o Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que atuou como segunda instância no respectivo processo, teceu publicamente rasgados elogios à sentença condenatória.

Não foi essa, porém, a única condenação criminal a Lula, como não tardou a se verificar.

Nesse meio tempo, nossos oligarcas prepararam e executaram em 2016 o afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República, por meio de manobras ilegítimas, com a conivência do Ministério Público e do Poder Judiciário. O proveito para a oligarquia brasileira e o Estado norte-americano foi imediato e conspícuo, como se verá mais abaixo.

Para o afastamento de Dilma Rousseff, muito contribuíram a sua impopularidade e a má situação econômica do país, sendo ambas organizadas e postas em prática pelos nossos oligarcas.

Em meados de 2013, ocorreram manifestações de protesto contra o governo em nada menos do que 438 cidades de todo o Brasil, envolvendo 84% da população. Dada a tradicional incapacidade do nosso povo em se organizar para manifestações desse porte – que até então jamais haviam ocorrido – parece óbvio que tudo fora orquestrado longe do povo. Não se pode, porém, pôr na sombra o fato de que grande parte dessa revolta popular foi estimulada pela queda brusca e acentuada da economia brasileira, devendo salientar-se que entre 2014 e 2016, ou seja, nos dois últimos anos de governo de Dilma, o PIB per capita caiu mais de 9%, a maior queda sofrida desde os anos de 1930-1931, quando da depressão mundial provocada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Porventura, tal desastre econômico ocorreu sem qualquer influência do nosso oligopólio financeiro?

Durante o Governo Dilma Rousseff, aliás, acentuaram-se os males infligidos à sociedade brasileira desde o primeiro século da colonização. Assim é que, entre julho de 2013 e agosto de 2015, a região do cerrado perdeu 18.962,45 km2 de vegetação nativa. A prosseguir esse ritmo de destruição do bioma até 2050, teremos o maior processo de extinção de plantas já registrado na História, com três vezes mais perdas na flora do que houve entre nós desde 1500, segundo afirmou a revista Nature Ecology and Evolution.

Ao assumir o governo com o afastamento da Presidenta Dilma Roussef, o Vice-Presidente Michel Temer compôs desde logo um ministério em que vários integrantes já respondiam, ou passaram a responder, a inquéritos criminais. O ministério, como não poderia deixar de ser, era estreitamente ligado aos interesses do grande capital, e aplicou imediatamente um programa, sem dúvida de antemão preparado para tanto. Tal programa, fundado na austeridade financeira, teve como primeira medida a promulgação da Emenda Constitucional n. 95, de 15 de dezembro de 2016, que alterou o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para estabelecer, entre outras disposições, a fixidez das despesas públicas durante vinte anos, incluindo expressamente as despesas em “ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino”.

Vemos assim reiterada, uma vez mais, nossa ignorância, para não dizer cabal desprezo pelos direitos humanos. Nossos parlamentares, na melhor das hipóteses, ignoram crassamente que aos direitos fundamentais de caráter social correspondem deveres fundamentais do Estado, e que o montante financeiro das medidas a serem tomadas para seu cumprimento é fixado no orçamento público em função das necessidades sociais, e não de uma diretriz orçamentária. Em suma, não são as necessidades fundamentais da sociedade que devem se adaptar ao orçamento, e sim o contrário.

Lamentavelmente, não foi só nessa matéria que o governo espúrio de Michel Temer manifestou cabal desprezo pelos direitos humanos. Em 13 de julho de 2017, foi promulgada a Lei n. 13.467 – lei ordinária, portanto – que alterou ou suprimiu vários direitos fundamentais dos trabalhadores, contrariando frontalmente vários dispositivos da Constituição Federal.

Foi, assim, introduzida em nosso direito do trabalho, por pressão empresarial, a chamada terceirização da relação de emprego, inclusive com respeito a atividades-fins de uma empresa. Ou seja, doravante, pela nova redação do art. 4º da Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, a execução de quaisquer atividades de uma empresa, inclusive sua atividade principal, podem ser realizadas por outra empresa, e não por trabalhadores pessoas físicas.

Mediante modificação do art. 443, § 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, introduziu-se também em nossa legislação trabalhista a possibilidade de realização pelo empregado de um trabalho intermitente, sem qualquer garantia para ele, ainda que do recebimento do salário mínimo.

Ademais, numa inovação desastrosa, que poderá no futuro estender- se a outras matérias, as disposições normativas relativas a direitos fundamentais do trabalhador poderão ser objeto de negociação entre as partes da relação de trabalho (nova redação do art. 611, § 2º da CLT), não mais necessitando de explicitação em lei. Esta, pela sua própria natureza, como fartamente sabido, não pode ser “negociada” por particulares. Além disso, pela nova redação do art. 477 da CLT, passam a ser admitidas as dispensas imotivadas de empregados, plúrimas ou coletivas, assim como as individuais, “não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical, ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

Foram criadas, por fim, restrições abusivas ao benefício da justiça gratuita para os trabalhadores. Tudo isso quanto às vantagens outorgadas aos nossos empresários.

Já com respeito aos benefícios auferidos pelos consórcios transnacionais e o Estado norte-americano, graças à queda de Dilma Rousseff e à ascensão de Michel Temer, eles foram de grande monta.

O primeiro e mais opulento desses benefícios foi a revogação da obrigatoriedade da participação da Petrobras na exploração da camada de petróleo do pré-sal, considerada a maior descoberta de riqueza do subsolo das últimas décadas. Tal obrigatoriedade havia sido estabelecido pela Lei n. 12.351, de dezembro de 2010, sancionada pelo Presidente Lula. A Lei n. 13.365, de 29 de novembro de 2016, que suprimiu essa obrigatoriedade, originou-se de projeto do Senador José Serra, desde logo sancionado pelo Presidente Temer, ambos conhecidos pelas suas estreitas ligações com as autoridades norte-americanas. (Quanto a Temer, vejam-se os documentos diplomáticos norte-americanos abertos ao público Cf. WikiLeaks https://www.rt.com/news/342933-temer-us-us-brazilspying.rt.com. Também https://www.soft.net/article/318251-Wikileaks-reveals-new-Brazilian-president-Michel-Temer-was-informant-for-US-intelligence.SOTT.net)

O governo federal anunciou assim a realização de leilões, com a participação de empresas estrangeiras, em 21 campos de óleo e gás, sendo que boa parte desses poços estão localizados nas três bacias de maior produção: Campos, Santos e Espírito Santo.

Na verdade, tal decisão fez parte de um plano de desintegração da Petrobras, denunciado pela AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobras, em Carta Aberta à Sociedade Brasileira, divulgada em 18 de julho de 2017. Ela resumiu os malefícios de tal plano, como segue:

Transformou lucros em prejuízos, com a desvalorização de seus ativos, preparando o caminho para as privatizações e desintegração da companhia; interrompeu uma série histórica de 22 anos de reposição de reservas (aumento de reservas superior à produção);entregou o mercado de combustíveis aos concorrentes, por meio da política de preços, ao possibilitar o aumento das importações em 41% em um ano, onerando as contas do país e operando nossas refinarias a 77% da capacidade, contra 98% em 2013.

Outro benefício de grande importância concedido a países estrangeiros, especialmente os Estados Unidos, foi a privatização da Eletrobras, a maior empresa geradora de energia elétrica da América Latina. Com tudo isso, como se vê, a maior parte da nossa infraestrutura econômica foi retirada do controle do Estado e confiada a empresários do setor privado.

Como se tais privatizações não bastassem, em 23 de agosto de 2017 o Governo Temer, mediante simples decreto, extinguiu a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), que ocupava uma área de mais de 4 milhões de hectares, correspondente ao território da Dinamarca. Consta que empresas mineradoras canadenses já estavam a par da medida, cinco meses antes da publicação do decreto de extinção da Reserva. De se notar que a área por ela ocupada tem potencial para exploração de ouro e outros minerais, entre os quais ferro, manganês e tântalo.

Diante, porém, da onda de protestos que tal privatização suscitou, no Brasil e no exterior, pouco mais de um mês após o governo federal foi constrangido a revogar a medida.

Outra grande mercê concedida a estrangeiros foi a aplicação de multas colossais às grandes empreiteiras de obras públicas pela Operação Lava Jato, levando várias delas praticamente à insolvência, e provocando a dispensa em massa de trabalhadores. A razão dessa razia é que, a partir do início do atual século, tais empreiteiras passaram a atuar largamente na América Latina e na África, ocupando o lugar das norte-americanas. Infelizmente, até hoje não se compreendeu em nosso país que a indenização por atos ilícitos, no âmbito empresarial, deve recair sobre o patrimônio pessoal dos empresários desonestos e não onerar as empresas.

Será concebível que, até hoje, continuamos a confundir o acionista controlador com a própria empresa, não obstante as disposições inovadoras da lei de sociedades por ações, promulgada em 1976?

O que, porém, ninguém previra foi o espraiamento da Operação Lava Jato, de modo a atingir individualmente os próprios oligarcas; inclusive o Presidente da República, fato sem precedentes em nossa história republicana. Denunciado criminalmente duas vezes pelo Procurador-Geral da República, Michel Temer teve que prodigalizar uma ampla distribuição de benesses aos deputados federais, a fim de barrar o início do processo penal perante o Supremo Tribunal Federal. Tudo isso, enfim, parece assegurar que, segundo todas as probabilidades, a coligação oligárquica tradicional permanecerá como titular da soberania em nosso país durante um tempo indefinido.

Comparato: 2016, a grande revanche oligárquica

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