Rodrigo Martins — Em livro, Fábio Konder Comparato analisa a evolução da oligarquia brasileira, da colonização do Brasil até os dias de hoje.
“Os capitalistas progridem se aliando aos agentes estatais”, diz Comparato
Três séculos e meio de escravidão e a instituição não oficial do latifúndio como senhorios, atribuindo aos respectivos senhores poder absoluto sobre todos os que lá viviam, incutiram na mentalidade coletiva a ideia de que uns nascem para mandar e outros para obedecer. Não por acaso, o regime oligárquico sempre existiu no Brasil como um fato natural, analisa o jurista Fábio Konder Comparato, que acaba de lançar o livro A Oligarquia Brasileira: Visão Histórica, pela Editora Contracorrente.
Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP, doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra e doutor em Direito pela Universidade de Paris, Comparato desnuda na obra a formação e evolução da oligarquia nativa até os tempos atuais. Para ele, Lula foi o único chefe de Estado escolhido fora do esquema oligárquico, mas sempre foi tratado como um intruso, ainda que tenha optado pelo caminho da conciliação.
Com a destituição de Dilma Rousseff, eliminaram-se os poucos obstáculos existentes para a efetivação dos interesses oligárquicos. Por isso, Comparato não nutre grandes esperanças de mudança em 2018. “As eleições estão nas mãos da oligarquia. Há, porém, uma briga interna, por isso os oligarcas ainda não clareza de quem será o candidato”, diz.
“Não vejo a menor possibilidade de ocorrer um novo acidente de percurso, como foi a eleição do Lula em 2002. Pode até haver um enfraquecimento dos oligarcas por conta dessa disputa. No entanto, se não chegarem a um consenso logo, pode ter certeza que os americanos vão impor algum nome”. Confira a entrevista concedida a CartaCapital:
CartaCapital: No livro, o senhor sustenta que a oligarquia é o regime político próprio da civilização capitalista, embora seja dissimulada, sob a falsa aparência de um regime de base popular. Imagino haver, porém, distinções entre os oligarcas brasileiros e norte-americanos, por exemplo.
Fábio Konder Comparato: Sem dúvida, os povos diferem muito. Os Estados Unidos foram moldados, sobretudo, pelos pilgrims, que fugiram do Reino Unido para instalar na América uma sociedade rigidamente obediente aos ditames do protestantismo. Além disso, houve uma guerra civil, quando os estados escravagistas do sul se rebelaram contra a União. No Brasil, temos uma origem muito diferente. Desde o primeiro momento, os grandes agentes estatais, fora os governadores e vice-reis, compraram as suas funções e vieram ao Brasil para ganhar dinheiro e ser reembolsados. Somente depois, muito tempo depois, com a Independência, começou a ser formada aquilo Karl Marx chama de burguesia.
Era, porém, uma burguesia agrícola, de ricaços. Como a própria etimologia da palavra indica, a oligarquia é o governo de poucos. E essa minoria desde o início foi constituída pelos homens de maior capital.
A monarquia portuguesa foi certamente o primeiro exemplo de capitalismo de Estado no mundo. Quando a dinastia de Avis assumiu o poder na segunda metade do século XIV, houve uma ruptura com a velha ordem estamental. Parte da nobreza foi afastada da Corte, que passou a abrigar ricos comerciantes. Alguns capitalistas insistem em dizer que o Estado atrapalha, querem ficar longe dele, mas isso é mentira. Eles só progridem ao se aliar aos grandes agentes estatais. O retrato do Brasil atual, de Temer, é exatamente esse.
CC: Os integrantes desses dois grupos dominantes, o dos grandes potentados econômicos e o dos agentes do Estado, mudam ao longo da história. Hoje quem integra esses polos?
FCK: No primeiro grupo, dos potentados econômicos, estão os banqueiros e as grandes corporações financeiras. Hoje, o capitalismo está cada vez mais impessoal. Do outro lado, temos os agentes do Estado, não apenas do Legislativo, Executivo e Judiciário, mas também do Ministério Público, que ganharam autonomia a partir da Constituição de 1988.
CC: O senhor diz que Lula foi o único chefe de Estado no Brasil escolhido fora do esquema oligárquico, mas ele não hostilizou os grupos dominantes. Ao contrário, optou por uma conciliação. Por que, então, a oligarquia se voltou contra ele?
FKC: Como havia perdido três eleições, ele resolveu não hostilizar os potentados econômicos nas eleições de 2002, aconselhado por Antonio Palocci e José Dirceu, que viriam a ser seus ministros. Lula nunca foi um deles, é um intruso no regime oligárquico. Depois de dois mandatos, os oligarcas decidiram acabar com essa intrusão. E a falta de habilidade política de Dilma Rousseff facilitou o trabalho deles.
CC: O senhor se refere aos erros na condução da política econômica?
FKC: Sim, mas é preciso ponderar que boa parte da crise no Brasil foi criada pelo mundo das finanças. Dilma Rousseff não soube se opor a isso. Baixou os juros da taxa da Selic e logo depois recuou da decisão, porque a pressionaram. O mercado desejava expulsá-la, como se viu. O reestabelecimento completo do governo oligárquico foi, no entanto, em grande parte devido à pressão norte-americana. Como sempre, essa pressão é oculta. O fato é que os Estados Unidos tinham muito interesse na destituição de Dilma, em afastar de vez a influência de Lula. Os americanos sabiam que haveria muita resistência em entregar a Petrobras e a Eletrobrás. Com Temer, o caminho está aberto. O grande problema dos oligarcas é que eles não têm mais ninguém com carisma para apresentar.
CC: Caso a oligarquia brasileira não consiga emplacar o seu candidato preferencial em 2018, o que esperar? Haverá um novo golpe?
FKC: As eleições estão nas mãos da oligarquia. Há, porém, uma briga interna, por isso os oligarcas ainda não tem clareza de quem será o candidato. Não vejo a menor possibilidade de ocorrer um novo acidente de percurso, como foi a eleição do Lula em 2002. Pode até haver um enfraquecimento dos oligarcas por conta dessa disputa. Se não chegarem a um consenso logo, pode ter certeza que os americanos vão impor algum nome. Às vezes, a gente esquece que vive sob o imperialismo ianque.
CC: Como o senhor destaca, o povo brasileiro jamais teve participação, ainda que reduzida, no exercício da soberania. Na proclamação da República, assistiu bestializado a tudo o que acontecia, talvez imaginando tratar-se de uma parada militar, como descreveu Aristides Lobo. Algum dia esse povo irá despertar? O que seria preciso para tirá-lo da inércia?
FKC: Acho difícil. O povo tem um grau mínimo de consciência da realidade, além de ter a herança da escravidão e do latifúndio. Mesmo quem não era escravo era absolutamente dependente do latifundiário. Então, a dominação oligárquica sempre existiu entre nós como algo natural.
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/201ca-dominacao-oligarquica-sempre-existiu-entre-nos-como-algo-natural201d
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