Liszt Vieira – O Antropoceno teria se iniciado por volta de 1800, com o advento da sociedade industrial, caracterizada pela utilização maciça de hidrocarbonetos. Desde então, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera não cessa de crescer. Essa primeira fase do Antropoceno vai até 1945 ou 1950.
Em setembro de 2017, em Montreal, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU reafirmou que os caminhos para combater o aquecimento global requerem reduções substanciais das emissões de gases de efeito estufa nas próximas décadas. Os impactos das mudanças climáticas vão reduzir o crescimento econômico, dificultar o combate à pobreza, agravar a insegurança alimentar e criar novos focos de pobreza, principalmente em áreas urbanas. As populações mais pobres serão as mais afetadas pelos eventos climáticos extremos, pelos processos de desertificação e perdas de áreas agricultáveis que provocarão a escassez de alimentos e de oferta de água potável, a disseminação de doenças e prejuízos na infraestrutura econômica e social.
As mudanças climáticas trariam impactos irreversíveis, se não forem “controladas”, o que supõe medidas impositivas e obrigatórias a serem adotadas no futuro sobre o clima. Há um certo consenso de que o aumento da temperatura global não deve ultrapassar 2ºC, sob pena de consequências imprevisíveis no que se refere a eventos climáticos extremos. Mas a ação dos “céticos do clima”, ligados ao lobby da indústria do petróleo, barrou os avanços necessários para evitar a situação alarmante existente hoje. Há, entre os cientistas, os que temem uma elevação de temperatura de até 4ºC!
O cientista brasileiro Carlos Nobre alertava, em 2010, que a cada hora 9 mil pessoas se somam à população mundial – que passou de 1,5 bilhão em 1.900 para mais de 7 bilhões hoje. Em cada hora, 4 milhões de toneladas de CO2 são emitidas, 1.500 hectares de florestas são derrubados no mundo, aumentando o efeito estufa, e 3 espécies entram em extinção. ( Planeta Sustentável – 28/05/2010).
As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade já desencadearam um processo de destruição de recursos naturais que ameaça as condições de vida humana no planeta. Segundo Paul Crutzen – Prêmio Nobel de Química 1995 – já entramos em uma nova época geológica – o Antropoceno – em que o homem começa a destruir suas condições de existência no planeta. “A influência da humanidade no planeta Terra nos últimos séculos tornou-se tão significativa a ponto de constituir-se numa nova época geológica” (Paul Crutzen).
Em 2002, o historiador John McNeill alertou que a humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso total da capacidade de o planeta suportar as atividades humanas. (Something New Under the Sun, McNeill, 2002). Os eventos climáticos extremos não cessam de confirmar sua advertência: secas, inundações, desertificação, falta d’água, temperaturas excessivas, desastres naturais, refugiados ambientais.
Em setembro de 2009, um artigo da revista Nature (A safe operating space for humanity – Rockström et alii) afirma que pode estar sob grave ameaça a longa era de estabilidade – conhecida como Holoceno – em que a Terra foi capaz de absorver, de maneira mais ou menos suave, perturbações internas e externas. Um novo período, o Antropoceno, vem emergindo desde a Revolução Industrial e seu traço característico é a centralidade das ações humanas sobre as mudanças ambientais globais. Outros autores vão no mesmo sentido: W.Steffen, J. Grinevald, P. Crutzen, J. McNeill, O Antropoceno: perspectivas conceituais e históricas, The Royal Society Publishing, 31/01/2011.
Como as fronteiras planetárias estão sendo ultrapassadas, muitos propõem uma governança global que ultrapasse os atuais limites do “soberanismo” visando a um sistema internacional baseado no “pós-soberanismo”. Ou seja, o Estado-nação, tornado província, constituiria hoje um obstáculo que contribui para ameaçar a sobrevivência da humanidade no planeta. Mas, na atual globalização de dominância financeira, esta tese pode colocar tantos problemas quanto os que pretende resolver.
Fases do Antropoceno
O Antropoceno teria se iniciado por volta de 1800, com o advento da sociedade industrial, caracterizada pela utilização maciça de hidrocarbonetos. Desde então, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera não cessa de crescer. Essa primeira fase do Antropoceno vai até 1945 ou 1950.
A segunda fase vai de 1950 a 2000 ou 2015 e vem sendo chamada de “A Grande Aceleração”. Entre 1950 e 2000, a população humana dobrou de 3 para 6 bilhões de pessoas e o número de automóveis passou de 40 para 800 milhões! O consumo mundial de combustível fóssil passou de aproximadamente 2 bilhões de toneladas para quase 9 bilhões. O consumo dos mais ricos se destacou do restante da Humanidade, alimentado pelo petróleo abundante e barato no pós-Segunda Guerra e pela difusão de tecnologias que propiciaram um consumo de massa (automóveis modernos, TVs etc). Segundo Crutzen, “a grande aceleração se encontra em estado crítico, porque 60% dos serviços fornecidos pelos ecossistemas terrestres já enfrentam degradação”.
Há hoje uma combinação explosiva entre os dilemas da crise ecológica global e os da desigualdade global. Um grupo de no máximo 2 bilhões de pessoas dispõe de padrão de consumo elevado e se apropria dos consequentes benefícios materiais, enquanto 4 bilhões vivem na pobreza e 1 bilhão na miséria absoluta.
Numa terceira fase, a partir de 2000 ou 2015, a humanidade toma consciência dos perigos do Antropoceno. Trata-se de perigos para a própria humanidade que não poderia sobreviver com a destruição dos recursos naturais promovida pela produção econômica, capitalista ou socialista.
E no Brasil?
Enquanto isso, no Brasil, o Governo já insistiu na criação de novas usinas térmicas a carvão e gás. O Ministério da Agricultura quer avançar sobre terras indígenas e parques nacionais para uso do agronegócio, atropelando a biodiversidade, secando fontes de água, destruindo florestas. Lideranças sindicais rurais, ambientalistas e indígenas são assassinados por capangas de fazendeiros. E o Ministério do Meio Ambiente silencia.
Em 2016, 200 ativistas ambientais foram mortos em todo o mundo. 60% deles na América Latina, 25% no Brasil, que detém o recorde mundial, de acordo com relatório da Global Witness. “As empresas mineradoras, madeireiras, hidroelétricas e agrícolas passam por cima das pessoas e do meio ambiente em sua busca por lucro”, lamenta a organização (France Press, 13/7/2017).
Parece que os ambientalistas estão incomodando mais o Capital do que a tradicional classe operária industrial, que já foi considerada “sujeito da revolução”. Mesmo com todas suas contradições e correntes conservadoras, o ambientalismo tem um potencial anticapitalista que tem sido negligenciado pela esquerda desenvolvimentista, talvez porque a crítica ambiental se aplique também a seu programa de governo e a seu modelo de socialismo.
Em menos de 10 anos, os carros serão elétricos em quase todo o mundo. E aqui continua o incentivo fiscal à indústria automobilística e sua poluição. O Brasil será obrigado a acompanhar as cadeias de produção no resto do mundo, mas continua financiando o passado e não prioriza investimentos em energia solar, eólica, biomassa etc., na contramão dos países desenvolvidos.
Não há visão de futuro. A sustentabilidade desapareceu até mesmo da retórica dos discursos oficiais. A visão desenvolvimentista e a neoliberal coincidem em considerar o meio ambiente como entrave ao crescimento. São cúmplices e agentes da destruição irresponsável dos recursos naturais que ameaça a humanidade. Pela sua grandeza e biodiversidade, o Brasil poderia assumir liderança internacional no combate às mudanças climáticas. Mas isso exige consciência da importância da sustentabilidade, que não tem sido característica dos recentes Governos, muito menos do atual, comprometido exclusivamente com os interesses econômicos do mercado.
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Mae-Terra/Antropoceno-e-as-fronteiras-planetarias/3/39165
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