Economia

Orçamento da União 2018: o que revela e esconde das finanças públicas

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Guilherme C. Delgado – A Lei Or­ça­men­tária da União para 2018 (Lei 13.857, de 01/01/2018, dis­po­nível na in­ternet), no con­texto do Es­tado De­mo­crá­tico, seria uma es­pécie de sím­bolo maior da li­turgia re­pu­bli­cana sobre o es­tado das fi­nanças pú­blicas: uma pres­tação de contas anual sobre as re­ceitas e des­pesas pre­vistas e au­to­ri­zadas para o novo ano fiscal, com claras ex­pli­ca­ções e trans­pa­rente quan­ti­fi­cação de suas re­a­li­za­ções. O que ve­remos a se­guir está muito longe disto, mas per­mi­tirá re­velar, pelo que os­ten­si­va­mente es­conde, o es­tado nada de­mo­crá­tico dos nossos apa­ratos de fi­nanças pú­blicas.

Já na sua emenda e nos ar­tigos ini­ciais, como é de praxe de­clarar, a lei “es­tima a re­ceita e fixa a des­pesa da União para o exer­cício fi­nan­ceiro de 2018” em 3,506 (três tri­lhões e qui­nhentos e seis bi­lhões de reais), nú­meros que pela sua mag­ni­tude deixam-nos desde logo cu­ri­osos sobre de ondem provêm e para onde se des­tinam esses re­cursos.

Mas a peça or­ça­men­tária apro­vada pelo Con­gresso e san­ci­o­nada pelo Pre­si­dente da Re­pú­blica, no seu texto verbal e nos seis Anexos nu­mé­ricos que a acom­pa­nham, assim como no de­ta­lha­mento do ma­te­rial ori­gi­nário (Pro­jeto de Lei Or­ça­men­tária de 2018), são uma peça re­pu­bli­cana apenas na­quilo que se pre­tende re­velar – Des­pesa Pri­mária (ex­cluída a Des­pesa Fi­nan­ceira) e Re­ceitas Cor­rentes da União (ex­cluídas as cha­madas “Re­ceitas de Ca­pital” e ser­viço da dí­vida).

Vou di­reto ao ponto que in­te­ressa des­tacar, para di­da­ti­ca­mente ex­plorar o ar­gu­mento. A peça or­ça­men­tária está assim mon­tada:

1) Des­pesa Total (100%) = Des­pesa Pri­mária (40,2%) + Trans­fe­rên­cias a Entes Fe­de­rados (7,3%) + Des­pesa Fi­nan­ceira (52,5%)

Por sua vez, a Re­ceita Pú­blica está assim dis­cri­mi­nada:

2) Re­ceita Total (100%) = Des­pesa Total (100%) = Re­ceitas Cor­rentes (43,7%) + Re­ceitas de Ca­pital (23,3%) + Re­fi­nan­ci­a­mento da Dí­vida Pú­blica Fe­deral (33%)

A peça or­ça­men­tária assim apre­sen­tada, se­gundo o seu texto e os seis Anexos pu­bli­cados, de­talha exu­be­ran­te­mente a Des­pesa Pri­mária por Mi­nis­tério, as Trans­fe­rên­cias Cons­ti­tu­ci­o­nais para Es­tados e Mu­ni­cí­pios, que se­guem per­cen­tuais tri­bu­tá­rios pre­es­ta­be­le­cidos e para por aí. Sobre a “Des­pesa Fi­nan­ceira” pú­blica, de mais de me­tade do Or­ça­mento, nem o leitor nem o Con­gresso são in­for­mados do de­talhe.

Deduz-se apenas pela lei­tura das duas equa­ções que essa des­pesa fi­nan­ceira é em 33% ob­jeto de re­fi­nan­ci­a­mento da Dí­vida Pú­blica Fe­deral (equação de Re­ceita Total) e o res­tante fi­nan­ciada por ope­ra­ções de cré­dito. Mas o que, como, quando, onde são gastos 1,840 tri­lhão (52,5% de des­pesa fi­nan­ceira) a peça or­ça­men­tária não for­nece, nem o Con­gresso cobra. Até porque este se au­to­cas­trou da função or­ça­men­tária na área fi­nan­ceira, de­le­gando tudo à conta fe­chada Te­souro-Banco Cen­tral.

O Or­ça­mento todo está ela­bo­rado para con­trolar o cha­mado “dé­ficit” pri­mário, que nessa es­tru­tura de Des­pesas Pri­má­rias + Trans­fe­rên­cias, de­du­zidas as Re­ceitas Cor­rentes (tri­bu­tá­rias, pre­vi­den­ciá­rias e pa­tri­mo­niais da União) é re­la­ti­va­mente pe­queno – da ordem de 135,6 bi­lhões, que cor­res­pondem a 3,9 % do Or­ça­mento Total ou 1,8% do PIB, que o pró­prio Exe­cu­tivo pro­jeta para 2018.

Peço a pa­ci­ência ao leitor para su­portar essa ex­po­sição até o final de um tema que, sendo com­plexo, é apre­sen­tado de forma con­fusa e es­cusa pela Lei Or­ça­men­tária, mas que tem enorme re­per­cussão sobre a vida so­cial.

O que estou que­rendo chamar atenção é para o fato de que há neste exer­cício de 2018, como nos de 2017 e 2016, ex­ces­siva des­pesa fi­nan­ceira pú­blica, in­te­gral­mente ab­sor­vida na ca­te­goria de dí­vida pú­blica, até mesmo porque não houve nem se prevê qual­quer su­pe­rávit pri­mário.

A es­tra­tégia ofi­cial de ge­ração de su­pe­rávit foi para o ralo, ba­si­ca­mente pela ili­mi­tada ex­pansão da des­pesa fi­nan­ceira e pela pro­teção aos so­ne­ga­dores (cinco ope­ra­ções REFIS no ano fiscal an­te­rior, de 2017), acres­cido de se­cretas ope­ra­ções de re­pa­tri­ação de re­cursos fi­nan­ceiros no ex­te­rior (leia-se de Pa­raísos Fis­cais).

Quem fizer a lei­tura atenta deste Or­ça­mento per­ce­berá que o ônus fi­nan­ceiro em­pur­rado para frente, sob a forma de nova Dí­vida Pú­blica, e a mol­dura ins­ti­tu­ci­onal ins­tau­rada pelo EC do teto Or­ça­men­tário pri­mário (EC 95-2016), ca­cifam o sis­tema fi­nan­ceiro a con­ti­nuar ope­rando sob a do­mi­nante es­tra­tégia de apro­pri­ação, sem es­paço para acu­mu­lação de ca­pital real. Daí a in­sis­tência e avidez com que co­biçam os re­cursos da Pre­vi­dência Pú­blica e ne­nhum pla­ne­ja­mento para cres­ci­mento econô­mico.

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