Marco Aurélio Ribeiro – Os personagens do filme de Stanley Kubrick parecem ter reencarnado no Brasil atual
Acabo de rever “Dr. Strangelove”, de Stanley Kubrick. O ácido filme discorre sobre a guerra fria e o fim da humanidade diante da Terceira Guerra mundial. Faz uso de diálogos, atuações e cenas repletas de ironia e sarcasmo, beirando ao pastiche.
Apesar do tema central ser a iminência de uma guerra nuclear, na minha leitura a película trata na realidade do ser humano idiotizado que se encontra constantemente à beira de um surto psicótico.
O cenário é construído diante da necessidade de se estabelecer o outro, o diferente, como o inimigo. Esta construção, a da ameaça constante e do medo, têm sido utilizada constantemente a favor das mais horripilantes atrocidades.
A sanha anticomunista nos EUA no pós-guerra foi por muito tempo a força motriz da nação para justificar uma série de ações, muitas inescrupulosas, em nome da manutenção do modelo norte-americano de vida (leia-se democracia ao estilo dos EUA), que na verdade não passava de uma estratégia de intervenção e subjugação aos interesses econômicos.
Não tive como não comparar a proposta do filme com os tempos atuais no Brasil. A guerra ao bolivarianismo e aos “comunistas” declarada por uma direita torpe e ignorante e alimentada por uma imprensa corporativista personifica-se no general Turgidson e no brigadeiro Jack d. Ripper, que acreditam que os comunistas contaminam os fluidos corporais dos cidadãos norte-americanos.
A tresloucada teoria do brigadeiro é a motivação para o início de um ataque nuclear contra a URSS. Tal teoria se parece em muito com as mais diversas propagadas pela direita durante o processo de impedimento de Dilma Rousseff e com aquelas utilizadas até hoje por grupos como MBL, que chegou a divulgar que os cinco homens mais ricos do mundo são comunistas.
A tática do medo foi e é a que faz com que muitos brasileiros consintam com as mais absurdas decisões deste desgoverno ilegítimo em seu próprio prejuízo. Podemos colocar ainda nesta conta as ações arbitrárias e ilegais praticadas pelo próprio Estado em nome de um “bem maior”, o expurgo dos comunistas (personificado no PT, que nunca foi comunista).
Outro ponto levantado pelo filme é a capacidade humana de cumprir ordens sem questionamento, por mais absurdas que sejam. O major King Kong, piloto e comandante do bombardeiro que segue rumo a seu alvo para lançar a bomba atômica, é o estereótipo do patriota que cumpre seu papel sem pestanejar, mesmo que esta ação corresponda à morte de milhões de seres humanos.
Exemplos existem aos milhares. Podemos falar do nazismo e até das mais diversas ditaduras da América Latina. Muitos dos responsáveis alegaram posteriormente que apenas cumpriam ordens. Será que um dia ouviremos Sergio Moro dizer isto? Mesmo considerada por muitos uma das obras “menores” de Kubrick, Dr. Strangelove mostra porque os grandes são atemporais. Kubrick não trata simplesmente de um momento específico da história, mas de dilemas inerentes às sociedades pós-modernas capitalistas.
https://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-socio/dr-strangelove-e-a-caca-aos-comunistas
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