Fernando Grossmann – O crescimento residual de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no 2º trimestre/2017 veio mais fraco do que o minguado 1,0% do trimestre anterior. No entanto, os economistas em geral estão considerando (e comemorando efusivamente) o residual 0.2% como mais positivo que o minguado 1,0%.
Justificam a euforia pelo fato do “consumo das famílias” ter “explicado” mais a taxa. Quer dizer, o PIB sendo “puxado” pelo consumo das famílias seria um fato mais virtuoso do que o ocorrido no primeiro trimestre, “puxado” pelo agronegócio e exportação em geral.
Lembrando que isso que os economistas chamam de “consumo das famílias” corresponde grosso modo ao que Marx/Engels chama de consumo individual. Consiste principalmente de bens de consumo (agrícolas e industriais). Diferencia-se qualitativamente do consumo do capital (insumos, máquinas, matérias primas, etc.)
Mas o problema é o seguinte: qual o folego do consumo das famílias para recuperar e sustentar um novo ciclo de expansão? Os economistas voltam a falar fino quando se coloca as coisas nestes termos. Sabem, pelo menos sua parte menos grosseira, que o folego de uma recuperação puxada unicamente pelo consumo das famílias é muito curto. Voo de galinha.
Um economista que se preza não se deixa guiar pela ilusão meramente contábil da chamada Macro Economia de que “o consumo das famílias representa 60% do PIB”. Essa desajeitada contabilidade da demanda pelo “produto”, que não deve ser confundido com produção, não quer dizer absolutamente nada para o problema que é colocado.
Mesmo até o economista mais tacanho sabe que se não ocorrer uma recuperação do investimento dos capitalistas da indústria, e, portanto, do crescimento da demanda por força de trabalho, o mercado de trabalho continuará sendo a âncora da atual estagnação da atividade econômica.
A taxa de desemprego da força de trabalho pode até não disparar, porem ela tende a estacionar em um patamar muito alto, em torno de 11 a 13%. Isso coloca outro efeito colateral da estagnação: a massa salarial que circula na economia vai permanecer relativamente constante, sendo reproduzida meramente pelo crescimento da população ocupada em pari passu com a oferta de trabalhadores.
O elevado desemprego e a baixa massa salarial estão na base do folego curto do consumo das famílias que estamos a diagnosticar. É seu limite real. Se a massa salarial nominal vai permanecer constante, a explicação de seu crescimento, ou aumento do poder aquisitivo dos trabalhadores, só virá pelo lado do nível de preços.
Assim, a hipótese a ser considerada é que a abrupta queda do nível de preços (desinflação) nos últimos trimestres explica boa parte do aumento do poder aquisitivo das famílias. Mesmo com elevado desemprego da força de trabalho.
Mas isso é passageiro. Acontece que só o “efeito preço” tem um limite muito estreito para dinamizar o consumo das famílias. O nível de preços tende a estabilizar e a inflação ao consumidor parar de cair. É o mais provável que ocorra nos próximos trimestres. Um novo patamar de preços se imporá na economia e aquele efeito inicial de “ganho de renda” dos assalariados se diluirá.
Mesmo com a deflação comendo solta (ou exatamente por causa dela) o limite do consumo individual em uma economia capitalista é, no final das contas, sua estreitíssima relação capital x salário. É por isso que, repetimos, no caso brasileiro atual, enquanto a estagnação da atividade produtiva de capital se refletir do mercado de força de trabalho, o consumo das famílias terá folego curto.
Nesse ponto surge o verdadeiro problema do consumo (ou subconsumo) das massas em uma sociedade capitalista. Um verdadeiro problema que é mais de médio prazo. Quer dizer, um problema independente da própria conjuntura cíclica mundial. Uma conjuntura mundial, diga-se de passagem, ainda bastante favorável para os capitalistas brasileiros não verem sua economia afundar de vez.
Para retomar seus investimentos, os capitalistas instalados no Brasil, não importa a nacionalidade ou origem do seu capital, necessitam impor um ajuste estrutural no custo do trabalho. Reformas necessárias nas veias e artérias do sistema.
Reformas trabalhistas sucessivas para engendrar uma infernal rotatividade da força de trabalho nas linhas de produção globalizadas. Garantia que os simulacros de contratos patrão x empregado rebaixem os salários nominais aos menores níveis imagináveis.
Reestruturação sanguinária da lei capitalista da reprodução da população, quer dizer, do exército industrial de reserva. Salário indiano (ou mexicano, dependendo do gosto do freguês) para todos. Já houve avanços neste sentido. Esse é o único projeto político possível aos capitalistas no Brasil para uma “expansão chinesa” sustentável. Não há outra alternativa.
É matar ou morrer. Se os capitalistas brasileiros conseguissem essa façanha chinesa, os economistas que agora vibram com a ilusão do consumos das famílias como motor da expansão poderiam realmente estourar suas champanhes. O problema é que isso só pode acontecer, como vimos acima, no médio prazo. E, no médio prazo, parafraseando seu guru Keynes, eles já poderão estar todos mortos.
http://criticadaeconomia.com.br/a-dificil-decolagem-do-pib-brasileiro/
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