Volker Wagener – A vitória eleitoral é baseada, sobretudo, na confiança: a chanceler se tornou um bastião de tranquilidade em tempos de incerteza. Hoje, na Alemanha e na Europa, não há figura política capaz de se impor perante ela.
O resultado da eleição deste domingo (24) é, ao mesmo tempo, um motivo para refletir e uma confirmação para Angela Merkel: os 32,5% dos votos previstos pela boca de urna colocam o partido da chanceler federal como maior força do Parlamento, porém representa uma queda de quase dez pontos percentuais em relação à eleição de 2013. Merkel pode até ter perdas, mas mesmo assim pode governar confortavelmente.
Assim, ainda que a presença dos populistas de direita da AfD (Alternativa para a Alemanha) possa fazer barulho, a Alemanha continuará o que já era antes: uma área onde impera a tranquilidade política, social e econômica. Agitação política há em outros lugares: na Turquia de Recep Tayyip Erdogan, nos Estados Unidos de Donald Trump, na Rússia de Vladimir Putin ou no Reino Unido do Brexit. São tempos, é verdade, de medo: terrorismo e populismo estão avançando. Mas a Alemanha segue tranquila – as eleições foram quase um certificado de saúde psicológica do país.
Serão outros quatro anos de Angela Merkel – se ela suportar, é claro. Mas essa disciplinada protestante de 63 anos é considerada uma pessoa responsável, que termina qualquer coisa que tenha começado. Mas como?
A anti-Trump
Primeira chefe de governo mulher da Alemanha, ela já faz parte dos livros de história. Mas ainda não deixou uma grande marca política. Konrad Adenauer integrou a República da Alemanha na ordem ocidental do pós-guerra, Willy Brandt promoveu uma reaproximação com o oriente durante a Guerra Fria, Helmut Kohl organizou a Reunificação, Gerhard Schröder transformou o estado social. Qual é o legado de Merkel?
Surpreendentemente, ela abriu as fronteiras a mais de um milhão de refugiados em 2015. E, entre comoção e indignação, se manteve firme. Rejeitou um teto para a entrada de imigrantes, se amparando na Constituição, que não prevê limite para o número de pessoas com direito a refúgio. Agora, ela tem que enfrentar o desafio: há migrantes que podem ficar, mas outros que terão que ser enviados de volta.
Muito trabalho ainda precisa ser feito na União Europeia. O Reino Unido, historicamente uma ovelha negra, agora quer se reinventar no mundo globalizado, e os termos do chamado Brexit precisam ser negociados. Isto, por si só, já é um grande desafio para Merkel.
O Sul da Europa, além disso, dá cada vez mais sinais de que não vai aguentar as políticas de austeridade impostas pela Alemanha. Merkel pode ser considerada um bastião do ideal europeísta, mas os europeus do Sul se sentem asfixiados por Berlim. Ela quer – e precisa – manter essa família disfuncional nos trilhos. Caso contrário, os apelos por Estados “mais nacionais” e “menos europeus” serão cada vez mais altos.
Fora da Europa, também há pressão sobre Merkel. Trump quer fazer a “América grande novamente”, enquanto Putin e Erdogan também vêm se impondo perante a Alemanha. Desde então, ela encarna o anti-Trump, com o devido reconhecimento internacional – consegue enfrentar provocações, sem ceder. Seus gestos, sua expressão facial e escolha de palavras podem ser minimalistas. Mas subestimada ela já não é mais há tempos.
Neutralizando a oposição
Merkel virou chanceler em 2005. Governou duas vezes na chamada grande coalizão – com o Partido Social-Democrata (SPD) – e uma com os liberais do FDP. Os “machos alfa” em seu partido não conseguiram nada perante ela. Todos que não entenderam não ter chance contra Merkel foram colocados de lado. Christian Wulff virou presidente – apenas para tropeçar e cair.
Mais impressionante é seu êxito perante adversários políticos. Merkel facilmente desbancou os candidatos social-democratas a chanceler entre 2005 e 2017 – Schröder, Steinmeier, Steinbrück e, agora, Schulz. Sua políticas absorveram as ideias da oposição a tal ponto que seu partido praticamente não tem mais uma identidade. A União Democrata Cristã (CDU) passou por tantas mudanças social-democratas que até ferrenhos apoiadores do SPD passaram a apoiar Merkel.
O desligamento das usinas nucleares, o comprometimento com a proteção do clima, a política para refugiados estão entre as políticas absorvidas, por exemplo, do Partido Verde. Ela até se deu ao luxo de permitir a aprovação no Parlamento do casamento entre pessoas do mesmo sexo – não antes, porém, de votar, ela mesma, contra a mudança na lei. O pragmatismo faz de Merkel um sucesso incontestável. Ela neutralizou a oposição. A CDU, às vezes, parece não saber o que há de conservador nela. Mas, num partido em que a questão foi sempre estar no poder, a falta de personalidade é mera questão para acadêmicos.
Chanceler “eterna”
A vitória eleitoral de Merkel é baseada, sobretudo, na confiança – como foi na eleição de 2013. Ela só precisou de uma frase para convencer os eleitores: “Vocês me conhecem.” Seu estilo é, definitivamente, estadista. Ela tem a aprovação de quase todo mundo. Jovens com menos de 25 anos quase não lembram mais do tempo em que Merkel não era chanceler.
Suas habilidades oratórias podem não ser brilhantes, mas o “triângulo do poder” – o gesto que ela faz com as mãos quando fala – se tornou um clássico da iconografia moderna. É a forma mais radical de minimalismo na política e sua marca pessoal.
Apesar de o debate sobre a limitação do número de mandatos de chanceler federal volta e meia ganhar atenção na Alemanha, tudo indica que o fenômeno dos “eternos chanceleres” veio para ficar. A decisão de recolocar um chanceler no poder já é quase uma tradição: foram 13 anos para Konrad Adenauer, quase nove para Helmut Schmidt, outros 16 anos para Helmut Kohl e sete anos para Gerhard Schröder.
Assim, não é de se admirar que Merkel seja apenas a oitava ocupante do cargo de chanceler federal desde a criação da República Federativa da Alemanha, em 1949. Só como comparação: nestes 12 anos de Merkel, a Itália teve sete chefes de governo. Mas em 2021, ela quer deixar a política – como uma chanceler bem-sucedida ou não.
Aparentemente, Merkel apenas se decidiu a favor de uma nova tentativa em 9 de novembro de 2016, quando estava claro que Trump havia vencido a eleição americana. O “New York Times” a definiu como “a última defensora poderosa da Europa” – transformando sua permanência no cargo em quase obrigação.
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