André Barrocal — Uma inédita pesquisa sobre o patrimônio dos políticos revela que os milionários dominam a cena e trabalhador não tem vez em eleição
A política brasileira está desmoralizada. Toda pesquisa mostra alta insatisfação popular, alimentada em grande medida pelos inesgotáveis escândalos de corrupção dos últimos anos. A julgar pelas fortunas dos políticos, o brasileiro, renda per capita de 1,2 mil mensais, deveria reclamar com a elite.
Os milionários dominam completamente a cena política. É assim de norte a sul, a começar pelo coração do País, Brasília. O patrimônio médio de cada um dos atuais 513 deputados federais era de 2,5 milhões de reais na época da eleição de 2014. O dos 27 senadores vitoriosos na campanha, de 17 milhões.
No caso do Senado, um dos eleitos era (e é) tão abastado, o presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati (CE), que fez quintuplicar a média geral. Excluídos seus bens de 389 milhões de reais, ainda assim os senadores triunfantes em 2014 tinham 3,3 milhões cada, em média.
Nos estados, é a mesma coisa. Os 1.059 deputados estaduais eleitos em 2014 tinham 1,4 milhão de reais em patrimônio cada, em média. Os 27 governadores, 3 milhões. Os 5,5 mil prefeitos vitoriosos na campanha de 2016, 1,1 milhão.
O retrato da fortuna pessoal dos políticos é obra de um economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), André Calixtre, um estudioso da desigualdade patrimonial brasileira. Para obtê-lo, Calixtre usou as declarações de bens entregues pelos candidatos à Justiça Eleitoral nas eleições de 2014 e 2016.
Ele terminará em breve um artigo no Ipea para ser colocado em debate público, mas adiantou alguns dados e conclusões a CartaCapital e em dois textos publicados recentemente na internet.
“Os ricos têm acesso quase exclusivo ao sistema político e burocrático que sustenta as decisões do Estado”, diz Calixtre diante de suas descobertas, uma análise inédita no País. “O poder econômico diminui sensivelmente as chances de um cidadão de origem popular ascender ao sistema representativo. A classe trabalhadora é massivamente excluída.”
O passeio dos ricos na corrida por mandatos eletivo fica evidente ao se comparar o patrimônio declarado à Justiça pelos candidatos que fracassaram nas campanhas de 2014 e 2016.
Os concorrentes derrotados na tentativa de se eleger deputado federal tinham em média 190 mil reais. Os que não conseguiram virar senador, 991 mil. Os postulantes perdedores a deputado estadual, 201 mil.
No caso da disputa a governador, a diferença entre vencedor e vencido era menor, mas existe (2,8 milhões para os derrotados). Idem entre os candidatos a prefeito em 2016 (921 mil).
O domínio da política pelos milionários, comenta Calixtre, é fruto da “mercantilização das eleições”, viciadas em doações de empresários. Quem se elege no Brasil não apenas é rico, é também um talento na arte de arrecadar fundos eleitorais.
A campanha dos deputados federais eleitos em 2014 custou em média 1,4 milhão de reais cada, enquanto a dos derrotados saiu por 18 mil. Na corrida ao Senado, a diferença foi de cinco vezes (4,7 milhões e 991 mil, respectivamente). Idem para a de governador (18,6 milhões e 3,8 milhões).
Disputada sem doações empresariais, proibidas no País pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015, as eleições municipais do ano passado mostraram um quadro um pouco distinto. Pior, por incrível que pareça.
As campanhas ficaram mais baratas, diz Calixtre, mas “a proibição do financiamento empresarial não atacou o mais importante problema do financiamento da democracia: a influência do dinheiro no voto”. Resultado: houve “maior concentração patrimonial dos candidatos eleitos, piorando a relação entre poder e dinheiro, ainda que em uma escala de custos de campanha menor.”
Controlada pelo dinheiro, a política descolou-se dos interesses do cidadão. Natural a aprovação da reforma trabalhista pelo Congresso, apesar da impopularidade de ideia. Ou a salvação de Michel Temer pelos deputados de um processo por corrupção. A elite empresarial queria o fim da CLT. E quer Temer vivo até o fim de 2018.
Enquanto isso, a elite política em Brasília, o outro lado da moeda de elite nacional, trama no Congresso uma reforma política que salve o poder eleitoral da grana via “distritão”. E sonha na surdina com a legalização das doações empresariais.
Temer já disse que é a favor. Gilmar Mendes, o comandante do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também. O vice do TSE, Luiz Fux, que presidirá a corte durante a eleição de 2018, espantosamente acaba de virar defensor da ideia.
Fux foi o autor em 2013 do vitorioso relatório do que o Supremo aprovou em 2015 para abolir o financiamento empresarial de campanhas. Por que o giro radical de posição em quatro anos? Mistério.
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