Política

Onde está a imaginação política da esquerda?

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Pablo Ortellado – A direita brasileira desabrochou. Ela não apenas liderou e deu orientação política ao sentimento anticorrupção, como inspirou novas gerações que andavam em busca de uma causa, misturando rebeldia antiestablishment, novas formas de ativismo e a promessa de uma renovação completa do país. O discurso da direita tem sido inspirador porque oferece algo além do que existe hoje: promete um Estado enxuto, desburocratizado e com menos corrupção e uma sociedade mais dinâmica, empreendedora e próspera.

Enquanto isso, tudo o que a corrente dominante da esquerda promete é uma volta ao passado recente: na melhor das hipóteses, promete crescimento econômico baseado no aumento do consumo e políticas sociais por meio da transferência direta de renda para grupos focalizados; na pior, oferece a volta de grandes obras financiadas por empreiteiras e alianças espúrias com gente como Renan Calheiros (PMDB-AL) e Kátia Abreu (PMDB-TO). A esquerda brasileira que já foi propriamente “progressista”, isto é, o partido da mudança, não consegue mais vislumbrar um mundo novo.

Essa condição de estar presa ao passado é resultado da disposição defensiva do PT que além de naturalmente envelhecido, tem se sentindo atacado e perseguido, sendo levado, em consequência, a defender e a reafirmar o seu legado. É dessa armadilha que precisamos escapar.

Há pelo menos dois temas para os quais temos vocação para inovar, por nossa história e por nossa situação.

No campo da proteção social, talvez seja o caso de deixar de ver o Brasil como o país do atraso e nos convenha vê-lo como uma espécie de vanguarda, ainda que de um processo deletério.

As transformações econômicas do pós-fordismo, nas quais as empresas abandonam a organização vertical em favor de arranjos flexíveis, gerando trabalhos precários, instáveis e sem vínculo de emprego é uma tendência mundial, da qual somos vanguarda.

Temos, por esse motivo, a missão de inovar e pensar uma proteção social que não dependa apenas dos vínculos formais de emprego que existem cada vez em menor quantidade. Para enfrentar o problema e ainda trazer outros benefícios, o que algumas correntes da esquerda vêm defendendo é uma proteção universal, na forma de uma renda básica cidadã. Além de proteger independentemente do vínculo formal de trabalho, ela garantiria padrões mínimos de existência para todos. Ela teria outros efeitos positivos interessantes porque não competiria com o trabalho remunerado, como acontece com o seguro-desemprego, e apoiaria atividades úteis, produtivas e criativas que acontecem fora do mercado.

Há anos Eduardo Suplicy defende a ideia no Brasil, mas o ex-senador tem sido tratado pelo PT com um misto de desprezo, desrespeito e condescendência, como se fosse o defensor de uma ideia excêntrica, tão simpática quanto tola e inverossímil.

No plano da soberania popular, também temos vocação para inovar. Depois de desenvolver mais do que qualquer outra grande democracia instrumentos de participação como os conselhos e as conferências, poderíamos fazer um balanço dos seus limites e olhar adiante. Justamente porque já testamos mais do que qualquer país os mecanismos de participação popular, podemos identificar os seus problemas e enxergar aquilo que ainda precisamos alcançar.

Embora os mecanismos de participação tenham permitido aprimorar e acelerar processos de implementação de políticas públicas, eles certamente não têm efetividade quando a sociedade civil se opõe àquilo que o governo pretende fazer; além disso, os mecanismos de participação não são capazes de envolver pessoas que já não estejam em grupos políticos organizados, uma vez que sua dinâmica é muito semelhante a uma disputa parlamentar.

Para resolver os dois problemas dos mecanismos participativos, a falta de capacidade deliberativa e seu fechamento ao cidadão comum, tem sido debatida e experimentada em muitos contextos nacionais, a criação de mecanismos de democracia direta por meio de sorteio.

Não se trata de uma ideia nova, já que conselhos deliberativos com membros designados por sorteio eram a característica distintiva das democracias do mundo antigo. Mas os novos modelos que tem sido discutidos e experimentados buscam trazer a democracia direta com membros tirados por sorteio para o contexto de Estados nacionais e para a tomada de decisões de questões complexas que envolvem elementos técnicos. O debate tem sido rico e algumas experiências têm se mostrado promissoras.

Poderíamos falar também da incorporação de novas demandas da sociedade brasileira, como a gratuidade dos transportes públicos proposta pelo Movimento Passe Livre ou o fim da guerra às drogas, proposta pela Marcha da Maconha e pelo novo grupo Movimentos. Poderíamos também discutir os meios materiais para viabilizar essas mudanças, algumas das quais são onerosas e seguramente nos levariam à questão da progressividade tributária, além de nos obrigar a enfrentar o difícil problema de um discurso de direitos que em alguns momentos foi sequestrado por privilégios corporativos.

Mas nenhuma dessas propostas que apontariam para um mundo bem diferente do que vivemos hoje está sendo devidamente discutida. As forças dominantes da esquerda brasileira deixaram de sonhar e deixaram de inspirar. Elas não têm mais um discurso de futuro, mas de completar o que tentaram no passado.

Estamos ainda presos, no plano retórico, ao programa “democrático e popular” dos anos 1980 e, no plano prático, a um neodesenvolvimentismo movido a Odebrecht, desmatamento e aliança com o PMDB.

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