Laura Carvalho – Passados cerca de três anos desde o início da maior crise econômica da história brasileira, fica cada vez mais claro que estamos diante de um reflexo no espelho do milagrinho vivido em meados dos anos 2000.
Se o crescimento da economia naquele período veio junto com uma forte criação de empregos formais e uma redução das disparidades salariais entre os trabalhadores da base e do meio da pirâmide, a crise atual atinge sobretudo os trabalhadores menos instruídos.
Os números mais recentes do mercado de trabalho mostraram que o pequeno recuo na taxa de desemprego entre abril e junho de 2017 —de 13,7% para 13%— deu-se apesar de uma queda no número de empregados com carteira assinada no setor privado.
E, mesmo com o aumento no número de trabalhadores domésticos, empregados sem carteira assinada e trabalhadores por conta própria, a taxa de desemprego entre aqueles que não completaram o ensino médio ainda é de 21,8%.
É verdade que o cenário externo favorável foi fundamental para permitir que o crescimento dos salários, a redução das desigualdades e o aumento dos investimentos públicos em infraestrutura física e social entre 2005 e 2010 se desse com inflação e contas públicas controladas.
No entanto, um mecanismo importante no crescimento que vigorou naquele período foi a dinâmica virtuosa entre a expansão do consumo dos trabalhadores de baixa renda e o crescimento de setores muito intensivos em mão de obra menos qualificada.
Em outras palavras, a expansão dos salários na base da pirâmide aumentou muito a demanda por serviços como restaurantes e salões de beleza e dinamizou a construção civil. Como esses setores empregam muitos trabalhadores menos instruídos, o grau de formalização e os salários na base da pirâmide subiam mais ainda, reforçando o processo.
Muitos trataram de demonizar o crescimento do consumo naqueles anos. Mas o fato é que, ainda que a continuidade daquele processo exigisse outras medidas —de estímulo ao desenvolvimento de setores de maior complexidade tecnológica e maior crescimento da produtividade, por exemplo—, as vendas maiores foram capazes de levar empresários de diversos setores a comprar novas máquinas e equipamentos. Com isso, os investimentos cresceram até mais do que o consumo no período.
Da mesma forma, a alta do desemprego e a queda da demanda elevaram o grau de ociosidade na indústria e nos serviços, contribuindo, junto com o alto endividamento, para derrubar os investimentos privados.
“Há um ano, todos imaginavam que a economia brasileira poderia voltar a crescer a partir do aumento de confiança, que geraria investimentos, renda e consumo”, admitiu o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, em entrevista a esta Folha.
“Essa ordem está um pouco diferente”, percebeu Goldfajn.
“Para bater no investimento, a confiança tem que passar o obstáculo da capacidade ociosa, que ainda é muito grande”, completou o presidente do BC em diagnóstico plenamente compatível com o que há de melhor na macroeconomia keynesiana.
Se finalmente o consumo das famílias deixou de ser tratado como um vilão, talvez seja a hora de os mecanismos de distribuição de renda merecerem uma segunda chance.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/2017/08/1914317-consumo-deixa-de-ser-visto-como-vilao.shtml
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