Djalma Nery – Em uma era hipertecnlógica onde imperam consumismo e descartabilidade, a questão dos resíduos torna-se central. Acumulam-se pilhas e mais pilhas de objetos complexos, por vezes obsoletos ou avariados, cada qual com centenas ou milhares de distintos componentes, materiais e substâncias.
Katlen Magalhães Araújo é fiscal ambiental da Secretaria de Desenvolvimento da Prefeitura de Rio Brilhante, cidade com aproximadamente 40 mil habitantes no interior do Mato Grosso do Sul, onde estive recentemente. Ela – e toda equipe da secretaria composta por Jeff, Ruy, Valfer e tanta gente boa – desenvolve um trabalho louvável na promoção da questão ambiental, da reciclagem e de inúmeras ações para preservação e proteção do meio-ambiente.
Uma dessas ações me chamou especialmente a atenção: a coleta de resíduos eletrônicos, um exemplo a ser seguido. Katlen me conta que recebe semanalmente centenas de celulares, baterias, pilhas, tablets, televisores e toda sorte de equipamentos eletrônicos comprometidos em seu funcionamento, armazenando-os em um espaço destinado para isso. Mas o que fazer? Essa é uma questão que, provavelmente, muitos se perguntam.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), lei 12.305/2010, traz em seu bojo o conceito de ‘responsabilidade compartilhada’, onde produtores e comerciantes de determinado produto tornam-se também responsáveis por seu ciclo de vida, garantindo sua adequada disposição final ou reciclagem quando o mesmo já não possa ser utilizado. No mesmo ano de publicação da PNRS, em 2010, o Decreto nº 7.404aprofundou a regulamentação da mesma, e, pouco depois, acordos setoriais para cada segmento específico começaram a ser firmados entre poder público, empresariado e sociedade civil com o objetivo de detalhar a operacionalização da logísitca reversa aplicada a cada um dos diferentes segmentos, tais como ‘embalagens’, ‘pneus’ e ‘componentes eletrônicos’, por exemplo.
Apesar dos marcos legais conquistados e de alguns acordos firmados, a lentidão na efetivação da logística reversa e na finalização na negociação dos demais é uma marca indiscutível e extremamente prejudicial ao Brasil e à população como um todo. Na prática, milhares de toneladas de resíduos, todos os dias, tem deixado de ser reciclados e mesmo de serem dispostos de forma e em locais adequados, em grande parte pela falta de agilidade e fiscalização de órgãos públicos e da cobrança organizada da sociedade civil organizada.
Com relação aos resíduos eletrônicos paira ainda muita incerteza e, não raro, equipamentos com 90% de seus componentes intactos, alguns deles possuindo chumbo, cadmio e outros metais pesados em sua composição, acabam sendo aterrados ou descartados de forma irregular por falta de conhecimento ou da aplicação de uma política efetiva de logística reversa.
Mas Katlen decidiu cobrar das empresas fabricantes o mínimo que delas é devido por lei: ela separa todos os materiais que acumula por suas respectivas marcas (Samsung; LG; Sony; etc) e solicita retirada por parte das empresas, com ofício copiado ao Ministério Público, para garantir a celeridade e efetivação na retirada. Uma ação simples porém necessária, que ajuda a educar a população (disponibilizando um local adequado para a entrega dos resíduos eletrônicos), alerta instituições como o MP para a importância do tema e coloca as empresas de sobreaviso de que devem respeitar e cumprir a lei.
O empresariado, em geral, parece ainda sustentar a negação das ‘externalidades’ como parte do processo produtivo, onerando a sociedade como um todo que se responsabiliza por financiar a revitalização de um dano majoritariamente causado por quem produz em escala e inunda os mercados com seus bens. Em outras palavras, o ônus com o manejo e destinação dos resíduos é socializado com a coletividade, mas a apropriação dos benefícios do processo produtivo e sua comercialização são completamente monopolizados de forma particular. Isso é insustentável: as empresas precisam começar urgente a contribuir com sua parcela para o bem-estar da população, e a logística reversa é o mínimo que já deveria estar sendo feito. Se algumas de nossas prefeituras ou organizações civis (já que não podemos contar com o empresariado de forma espontânea, pois isso afeta negativamente suas exorbitantes margens de lucro) se dispusessem a implementar ações simples como essa, recebendo, separando e solicitando oficialmente a retirada por parte das empresas responsáveis pelos resíduos e pelo ciclo de vida de seus produtos, certamente a aplicação da lei se faria muito mais depressa, tornando-se uma realidade em nosso país.
Katlen conta rindo que a única coisa que falta para ela, no momento, é um estagiário para ajudá-la a separar os resíduos por suas respectivas marcas, pois são tantas, que é bem difícil organizar. Quem sabe a gente não percebe também, um dia, que a existência de tantas marcas também é algo prejudicial à sociedade como um todo?
http://outraspalavras.net/djalmanery/2017/06/10/residuos-eletronicos-que-fazer/
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