MARCELO LEITE – Nesta segunda-feira (17), brasileiros serão confrontados com uma radiografia diante da qual têm preferido virar a cara: o volume “Povos Indígenas no Brasil 2011/2016”.
É a 12ª edição do livro apelidado de “Pibão”. Chega com 827 páginas em formato grande (21 x 28,5 cm), fazendo justiça plena à alcunha.
Compilada pelos antropólogos do Instituto Socioambiental (ISA) desde a década de 1980, a obra reúne informações sobre as 252 etnias que restam no país. Ou serão 305, como diz o IBGE?
O leitor encontrará uma relação exaustiva dos 252 identificados pelo ISA. De aikanã, aikewara e akuntsu a zo’é, zoró e zuruahã, estão todos lá, com as respectivas línguas e estimativas de população.
O volume radiografa a situação dos índios no país em 160 artigos e boxes inéditos, 745 notícias colhidas em 156 fontes, 243 fotos e 27 mapas.
Na realidade, ninguém sabe ao certo nem quantos são os índios que vivem hoje no Brasil. Segundo o Censo de 2010, 896.917 pessoas entrevistadas se declararam indígenas. Pelo levantamento da ONG, fruto de várias fontes consultadas em datas variadas, são 715.213. A incerteza também ronda o número preciso de línguas indígenas faladas no país. O ISA estima algo entre 150 e 160, enquanto o IBGE registra 274.
A última cifra carrega uma informação menos confiável, por se originar de autodeclarações e comportar sinonímia nas denominações dos idiomas. A primeira, por outro lado, tem o grau possível de qualidade antropológica e linguística.
Uma coisa porém é certa: muitas dessas línguas, quando não o povo todo que a fala, estão ameaçadas de extinção. Menos de 38% dos índios falam o idioma de seus ancestrais, e mais de um terço deles vive em cidades, onde a língua materna tende a ser substituída pelo português.
A linguista Bruna Franchetto, do Museu Nacional, lamenta em seu texto no “Pibão” a escassez de estudos sobre toda essa diversidade falante. Por falta deles, cita dados por ela qualificados como “desatualizados” para concluir que o panorama é desanimador: na média, há meros 250 falantes por língua.
Várias dessas línguas contam hoje com menos de dez falantes.
Alguém mais insensível poderá dizer, nesta quadra em que a crise política ocupou todos os espaços do debate público, que a perda não é tão grande. Mas, como escrevi outro dia, “se não for por generosidade e inteligência, que ao menos se respeite a lei”.
A Constituição de 1988 consagra o princípio de que os povos indígenas têm o direito de sobreviver: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Para um povo indígena, território é tudo. Ou seja, bem mais que o valor de uso ou de troca na mira dos ruralistas e conservadores locupletados no Congresso e em todos os covis do poder público.
Se depender destes, aqueles ficariam sem suas terras. Que se lixe a Constituição.
A deixa foi dada, entre outros, pelo ministro da Justiça, Osmar Serraglio, em entrevista recente à Folha : “O que acho é que vamos lá ver onde estão os indígenas, vamos dar boas condições de vida para eles, vamos parar com essa discussão sobre terras. Terra enche a barriga de alguém?”.
Sim, já existem 480 terras indígenas no Brasil reconhecidas pelo Estado. Elas ocupam mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, 12,5% do território nacional, mas mais de 98% de sua área se encontra na Amazônia Legal.
Restam 224, porém, por demarcar e homologar, que acrescentariam ao usufruto de 252 povos mais 1,3% do Brasil. Contra isso se levantam nada menos que 189 iniciativas legislativas no Congresso, como registra o “Pibão”, a maioria contra os interesses dos índios.
Não deixa de ser também um bom retrato do Brasil.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/04/1875853-livro-reune-informacoes-sobre-as-252-etnias-indigenas-que-restam-no-brasil.shtml?cmpid=softassinanteuol?cmpid=softassinanteuol?cmpid=softassinanteuol
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