MAURÍCIO MEIRELES – Hitler e Stálin não esperavam, é claro, mas deram um presente à humanidade: o medo do fanatismo e da violência. Por mais de 50 anos, o mundo viveu com tal medo. Agora, a data de validade desse “presente” chegou.
Quem diz é Amós Oz, uma das principais vozes da literatura israelense. Contundente analista político, ele fala nesta segunda-feira (26), em São Paulo, no ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento.
O autor, que neste ano chegou à final do Man Booker International Prize, um dos principais prêmios literários do mundo, também lança no país “Mais de uma Luz”, volume com três ensaios. Em um deles, Oz revê e amplia “Como Curar um Fanático”, um de seus textos clássicos.
“Há muitas diferenças [desde a publicação do texto original]. Vivemos uma crise muito profunda do sistema democrático. As características que alguém precisa ter para ser eleito são quase o oposto daquelas necessárias para se liderar uma nação”, diz o autor israelense.
O problema, argumenta, é que a política misturou-se às concepções da indústria do entretenimento. Esse seria o motivo da ascensão de candidatos extremistas –eles são os “mais divertidos”, diz Oz.
“Há uma geração inteira de jovens, no mundo todo, que veem mais programas satíricos na TV do que o noticiário. E esse é o único contato direto deles com a política.”
O escritor vê, no século 21, uma confirmação do pensamento do filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969), que via na indústria cultural uma ameaça à democracia.
“Em certo sentido, ele foi um profeta. Adorno viu crises que só se materializaram agora”, afirma Oz.
O resultado, então, seria o crescimento do fanatismo –forma de pensamento dedicada não só a exterminar o outro fisicamente, mas em matar a diferença entre pessoas.
Para ele, a série de manifestações que começaram com a Primavera Árabe e se espalharam pelo mundo –gerando a crença no surgimento de uma nova democracia, em especial nos países árabes– foi interpretada de forma errada:
“Não houve Primavera Árabe. Foi um inverno islâmico. Muitos achavam que ia se repetir no mundo árabe o que houve nos países do bloco socialista. A história não se repete. Nesses locais, há um tipo de opressão totalmente diferente.”
Mas de onde surge o fanatismo? Para Oz, quanto mais complexas se tornam os dilemas da sociedade, mais haverá quem queira respostas fáceis. O fanático, nesse sentido, é aquele que oferece a redenção em duas frases.
Por isso, afirma, a curiosidade e a imaginação podem ser um antídoto: as duas, afinal, alimentam-se da diferença entre os humanos.
Para ele, a degradação causada pela indústria do entretenimento também afeta a produção artística. As pessoas estariam mais interessadas em formas baratas de diversão do que na “arte séria”.
“É uma infantilização da raça humana. Adultos sofrem lavagem cerebral da indústria cultural para virar criancinhas, porque as criancinhas são melhores consumidores.”
Seria a hora de uma literatura política, então?
“Não escrevo ficção para enviar mensagens ideológicas. Seria um desperdício. Quando quero fazer isso, por exemplo, escrevo um artigo dizendo para o governo [israelense] ir para o diabo que o carregue. Mas eles leem e, por algum motivo que não entendo, não vão.”
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/06/1895944-crise-democratica-e-fruto-da-industria-cultural-diz-escritor-amos-oz.shtml?mobile
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