Gabriel Brito – Um dos últimos fios de esperança de toda uma geração de militantes, a chamada “autocrítica” do Partido dos Trabalhadores jamais ocorrerá. Foi essa a principal mensagem do 6º Congresso do partido, realizado em junho. O Correio da Cidadania publica entrevista com o historiador Lincoln Secco, autor do livro “A história do PT”, fruto de sua tese de doutorado, publicado pela Ateliê Editorial.
“Acredito que aquela esquerda autônoma, que faz seu trabalho de base em movimentos sociais, atua numa frequência em que sua postura em relação ao PT é secundária. Mas para a esquerda que é partidária e quer substituir o PT acho o caminho inviável, por causa daquilo que disse antes: antes de tudo, uma esquerda tem de ser popular. O PT sofreu um massacre midiático e real nas ruas e nas urnas, mas voltou a ser a agremiação de maior apoio. Por que será? Foi pelo seu mérito? Duvido. Foi porque ele é um espaço de reconhecimento e encontro das sensibilidades populares, independentemente, até certo ponto, da ideologia”, contextualizou em relação ao atual momento.
De toda forma, Lincoln Secco é taxativo em afirmar que o papel histórico do partido está inapelavelmente esgotado e suas concepções e disposições internas deixam claramente que não visa mais a transformação das estruturas sociais e econômicas.
“O PT não era socialista antes por causa do discurso, mas por causa da sua forma: a dos núcleos de base. Hoje é um partido profissional em que os núcleos não têm poder algum. Mas essa história ainda precisa ser mais pesquisada. Suspeito que as tendências organizadas, de esquerda ou moderadas, contribuíram para neutralizar os núcleos porque ninguém poderia controlar um partido assim. Isso não significa que o partido acabou. Ele é um partido eleitoral voltado às reformas. Temos de criticar o PT não porque deixou de ser revolucionário, mas porque não foi suficientemente reformista”, analisou.
Na entrevista, Lincoln compara o atual quadro político-parlamentar com o Brasil pré-ditadura, comenta a ascensão da senadora Gleisi Hoffmann à presidência do partido, a total incapacidade do governo Temer e também a timidez da greve de 30 de junho, a expressar os limites de uma esquerda que rebaixou todos os seus horizontes em relação ao projeto de bem estar social.
“Desde Marx sabemos que a socialdemocracia existe para harmonizar e não para aguçar a luta de classes. A radicalização de qualquer protesto não teria apoio petista porque o partido é reformista e parlamentar e só pressiona para negociar. O problema é que quando estava no governo ele acreditou que podia simplesmente negociar, sem exercer qualquer mobilização popular. E agora não é fácil mobilizar trabalhadores quando a taxa de desemprego é tão alta. Quando podia, o PT não quis. Quando quer, já não pode mais”, afirmou.
A entrevista com Lincoln Secco pode ser lida na íntegra a seguir.
Correio da Cidadania: Como você recebeu as principais definições do 6º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores? Como se viu, a tão propalada autocrítica petista simplesmente foi pras calendas, certo?
Lincoln Secco: Fora do poder como está, é esperado que haja uma inclinação do PT à esquerda. As avaliações internas oscilaram entre o aplauso às resoluções que se contrapuseram ao Colégio Eleitoral e apoiam eleições Diretas, e o ceticismo, devido à ausência de uma crítica dos erros dos governos petistas. O problema é que não há consenso sobre o que criticar. Seriam os escândalos de corrupção? A política de queda dos juros de Dilma? Há quem ache que o erro do PT foi ter radicalizado. Há quem acredite que foi não ter sido radical o suficiente.
Os discursos de Lula serão um termômetro daqui por diante. Ele jamais foi ou será um radical, mas sabe como ninguém calibrar uma opinião de acordo com a conjuntura. Ele tem dado sinais de que pode ter aprendido algo com a incapacidade de seu governo em não ter confrontado as empresas de comunicação, por exemplo.
Além disso, o PT, apesar de não ser explícito a respeito, demonstrou que pode ter aprendido algo com o falso republicanismo que implementou.
Correio da Cidadania: Como o restante da esquerda brasileira deveria absorver esse congresso petista?
Lincoln Secco: O PT é mais do que um partido de esquerda ou centro-esquerda. Deixo essa definição para quem quiser fazê-la. Acredito que sua característica principal é ser um partido popular com todos os limites e virtudes que essa caracterização implica no Brasil. Ele se constituiu como um espaço de construção da identidade de um setor organizado da classe trabalhadora nos anos 80. Com a aplicação de suas políticas sociais, o seu eleitorado se expandiu na ralé, para usar a expressão do cientista político Jessé de Souza. Este eleitorado também se organiza, mas fora das agremiações da esquerda. E se impõe pelo voto no campo que o PT ainda predomina.
Quando a ditadura destruiu os partidos da democracia racionada que vigorava antes de 1964, acreditou-se que eles desapareceriam definitivamente. Mas a memória histórica tem outras formas que não estão só no conhecimento escolar do passado, mas na permanência de sensibilidades, atitudes, esperanças. Os segmentos sociais representados nos partidos anteriores a 1964 se reorganizaram. Por isso a história é fundamental para os que se propõem representá-los.
Depois da suposta redemocratização, o sistema de partidos que funcionou até hoje foi, mutatis mutandis, o da velha UDN (o PSDB), do PSD (hoje o PMDB) e o PTB (hoje o PT). É óbvio que essa comparação deixa de lado contextos e personalidades diferentes. O que quero dizer é: o Brasil já tinha uma sociedade civil mais ou menos organizada e, quando superamos a ditadura militar, as classes voltaram a se orientar segundo algumas linhas de continuidade. O PT, é claro, difere do PTB porque surgiu de baixo para cima, mas caminhou no sentido de defender algum tipo de desenvolvimentismo e a CLT que antes criticava.
Acredito que aquela esquerda autônoma, que faz seu trabalho de base em movimentos sociais, atua numa frequência em que sua postura em relação ao PT é secundária. Mas para a esquerda que é partidária e quer substituir o PT acho o caminho inviável, por causa daquilo que disse antes: antes de tudo, uma esquerda tem de ser popular. O PT sofreu um massacre midiático e real nas ruas e nas urnas, mas voltou a ser a agremiação de maior apoio. Por que será? Foi pelo seu mérito? Duvido. Foi porque ele é um espaço de reconhecimento e encontro das sensibilidades populares, independentemente, até certo ponto, da ideologia.
Claro que isso pode mudar e as classes subalternas buscarem outro espaço ou simplesmente se desarticularem por muito tempo.
Correio da Cidadania: O que a ascensão de Gleisi Hoffmann à presidência do PT representa, a seu ver?
Lincoln Secco: Fora o fato de ser a primeira presidenta mulher de um grande partido, o que não é pouca coisa, penso que ela representa um PT parlamentar e não o dos movimentos sociais. Seu adversário, Lindbergh Farias, também é um parlamentar, só que tinha uma postura mais à esquerda.
O livro de Lincoln Secco, lançado em 2011
Correio da Cidadania: Como analisa a postura do partido diante da atual crise política brasileira?
Lincoln Secco: Nesse quesito, o governo Temer ajuda todo mundo que faz oposição a ele. Trata-se de uma gangue destituída de legitimidade e sem nenhum apoio popular. No Nordeste é quase zero o apoio que ele tem. Toda a esquerda tem feito o que pode. Especialmente no parlamento, embora alguns deputados possam preferir algum acordo espúrio.
Correio da Cidadania: O que achou da atitude do partido e das centrais a ele ligado na greve, que deixou de ser geral, do dia 30? Reafirma o que disse no ano passado, que o partido prefere a desmobilização às lutas, o que também explica seu ressentimento quanto às manifestações de 2013?
Lincoln Secco: Desde Marx sabemos que a socialdemocracia existe para harmonizar e não para aguçar a luta de classes. A radicalização de qualquer protesto não teria apoio petista porque o partido é reformista e parlamentar e só pressiona para negociar. O problema é que quando estava no governo ele acreditou que podia simplesmente negociar, sem exercer qualquer mobilização popular. E agora não é fácil mobilizar trabalhadores quando a taxa de desemprego é tão alta. Quando podia, o PT não quis. Quando quer, já não pode mais.
Além disso, uma greve geral tem um custo inclusive financeiro. Entre a primeira, bem sucedida, e outra, mal organizada, houve o caso das gravações de Temer. Isso diminuiu a capacidade do governo em aprovar as reformas, particularmente a da Previdência, mas ao mesmo tempo esfriou o ânimo da população.
Correio da Cidadania: Como tudo isso que discutimos aqui se coadunaria o seu livro “A história do PT”? Há uma linha coerente de tudo que você sintetiza da trajetória do partido na obra?
Lincoln Secco: O partido cumpriu seu ciclo na história do Brasil. Ele não era socialista antes por causa do discurso, mas por causa da sua forma: a dos núcleos de base. Hoje é um partido profissional em que os núcleos não têm poder algum. Mas essa história ainda precisa ser mais pesquisada. Suspeito que as tendências organizadas, de esquerda ou moderadas, contribuíram para neutralizar os núcleos porque ninguém poderia controlar um partido assim. Isso não significa que o partido acabou. Ele é um partido eleitoral voltado às reformas.
Temos de criticar o PT não porque deixou de ser revolucionário, mas porque não foi suficientemente reformista. Fez uma importante obra social no governo, sem dúvida, estimulando a renda e o consumo dos mais pobres. Mas só enquanto o crescimento das exportações de commodities garantia incremento dos gastos sociais e simultaneamente um superávit primário.
Quando isso se tornou impossível, o partido não ousou apoiar uma mobilização para ir além do mercado interno de massas que havia criado. Precisaria ao menos tentar criar as bases de um Estado de Bem Estar Social, reformar a estrutura tributária e ter como horizonte uma melhor distribuição de renda.
Correio da Cidadania: Também na referida entrevista, você disse que temos um governo que lembra o final do mandato de Sarney, do qual absolutamente todos os setores queriam se ver livres. É assim que seguirá caminhando o governo Temer? O Brasil aguenta mais 18 meses nesse compasso?
Lincoln Secco: Nós vivemos uma crise tão grave que tudo, absolutamente tudo, se tornou imprevisível. Para além de um governo medíocre, incapaz de conduzir o Estado, carente de qualquer projeto além de dilapidar tudo e destruir direitos sociais, temos de pensar na natureza do golpe de 2016. Porque o PMDB no poder foi só o acidente. A essência está numa desestabilização criada pela primeira vez pelo Partido da Toga, ou seja, uma parte do judiciário e da Polícia Federal que constitui numa espécie de partido com apoio midiático.
As Forças Armadas tinham um projeto antipopular, porém, nacional. Esses golpistas atuais não têm sequer a ideia de nação no seu horizonte. O maior temor é que numa situação de desequilíbrio em que os partidos e os políticos em geral foram desmoralizados, surja uma solução fascista como a de Bolsonaro.
http://correiocidadania.com.br/72-artigos/imagens-rolantes/12687-o-pt-ja-cumpriu-seu-ciclo-na-historia-do-brasil
Deixe uma resposta