Eduardo Maretti – “Qual a proposta da PEC? Você tem um mandato presidencial, a pessoa é eleita com 50, 60 milhões de votos e não pode indicar um ministro do Supremo”, diz jurista
Para jurista, PEC 44 diminui e restringe legitimidade do mandato do presidente da República
No Brasil de hoje, em que juristas e advogados criticam a crescente “ditadura do Judiciário”, o substitutivo da senadora Ana Amélia (PP-RS) à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 44/2012, aprovado ontem na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, é mais uma medida para reforçar a cada vez maior prevalência do Direito sobre a política.
Embora mantenha a nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente da República, a PEC reduz sua competência ao determinar que a escolha será feita a partir de uma lista tríplice elaborada pelos presidentes do STF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), do Superior Tribunal Militar (STM), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo procurador-geral da República e pelo defensor público-geral federal.
Na opinião do professor de Direitos Constitucional Luiz Moreira, da Faculdade de Direito de Contagem (MG), a PEC é antidemocrática, na medida em que restringe a competência de um mandato outorgado por dezenas de milhões de eleitores, ao transferir sua prerrogativa aos tribunais superiores e OAB. “É a expressão da supremacia do direito sobre a política”, diz.
Moreira defende que a política prevaleça sobre o direito. “Mas aqui no Brasil, tudo o que se faz só aumenta a supremacia do Judiciário sobre a política. Essa medida é isso”, afirma. “É submeter a democracia a um arranjo corporativo. Daqui a pouco a democracia é tão desprestigiada, o voto vale tão pouco, que é melhor o presidente entregar a caneta para os outros.”
O mandato presidencial deve ter a legitimidade suficiente para fazer a indicação, defende. “Não estou falando do Temer, estou discutindo em tese. É o presidente da República que indica o procurador-geral da República, os ministros do TST, do STJ e do Supremo. Essa PEC inverte a lógica, fazendo com que o mandato político, os poderes políticos do presidente da República, decorram desses órgãos, na indicação para o Supremo Tribunal Federal”, avalia o professor. “Nem OAB, nem os tribunais superiores têm essa prerrogativa.”
Para o jurista, o dado positivo da PEC 44 é a determinação de que os ministros do STF terão mandato de 10 anos.
Qual sua avaliação da PEC 44?
Fixar mandato eu entendo como algo importante. Não dá para a pessoa permanecer ad æternum num tribunal constitucional. Um mandato de 10, doze anos eu acho correto. O que eu discordo é da elaboração da lista.
Por quê?
Porque o que se pretende é transformar o tribunal constitucional, o Supremo Tribunal Federal, em órgão corriqueiro. O que vai acontecer? Como a lista emana da PGR, OAB, Supremo, STJ e TST, a tendência é que a lista obedeça critérios extremamente corporativistas. Não se pode submeter a Presidência da República a um arranjo burocrático. O mandato presidencial deve ter a legitimidade suficiente para fazer essas indicações.
Não estou falando do Temer, estou discutindo em tese. É o presidente da República que indica o procurador-geral da República,os ministros do TST, do STJ e do Supremo. Essa PEC inverte a lógica, fazendo com que o mandato político, os poderes políticos do presidente da República, decorram desses órgãos, na indicação para o Supremo Tribunal Federal. Não tem condição de o presidente da República ter a sua legitimidade diminuída por órgãos burocráticos. Nem OAB, nem tribunais superiores têm essa prerrogativa.
Mas há juristas que criticam justamente o poder do presidente. As indicações de Lula e Dilma de ministros ao Supremo teriam sido equivocadas e a nomeação de Alexandre de Moraes por Temer é considerada imprópria ao cargo no STF…
Não concordo que o PT errou nas indicações. Para mim, Lula e Dilma nomearam os melhores quadros de um paradigma. O PT não errou nas indicações. Se errado, o que está errado é o paradigma, não as indicações. O Alexandre de Moraes é um dos melhores quadros de um certo paradigma. Nesse aspecto, a indicação é adequada, não vejo problema. Doutor em direito, autor renomado, pode ter cometido equívoco, como as indicações de plágio, nada que outros autores não tenham cometido. O problema que vejo é no paradigma. O presidente da República deve indicar alguém – e é assim em todo o mundo – condizente com a ideologia dele, presidente. Todos os presidentes deveriam indicar assim. É assim nos Estados Unidos. A Alemanha fixou mandato pra ministro da Suprema Corte. Aliás, o modelo de vitaliciedade brasileiro tem os Estados Unidos como paradigma. Lula e Dilma nomearam os melhores e mais festejados juristas de um paradigma.
Você pode explicar essa questão do paradigma?
Temos o paradigma de primazia do direito sobre a política. É esse paradigma que está errado, nãos os juristas que foram indicados. Lula e Dilma, repito, acertaram em todas as suas indicações. Não há um dos indicados por eles que não gozassem de alto prestígio.
Mesmo assim, alguns desses ministros tiveram atuação muito criticada por contrariar o Estado democrático de direito, como a ministra Rosa Weber, que condenou o ex-ministro José Dirceu sem prova, segundo ela mesma.
Eu sei, mas isso não é culpa do Lula e da Dilma. É porque criamos um paradigma jurídico em que a lógica é de supremacia do direito sobre a política. Qual a proposta da PEC? Você tem um mandato presidencial, a pessoa é eleita com 50, 60 milhões de votos e não pode indicar um ministro do Supremo. O que o presidente pode fazer? Nada. Daqui a pouco a democracia é tão desprestigiada, o voto vale tão pouco, que é melhor o presidente entregar a caneta para os outros. O mandato presidencial no regime presidencialista é soberano. A sociedade delega ao eleito a representação dos anseios da sociedade brasileira. Não dá para aceitarmos que esse mandato seja paulatinamente restringido.
O paradigma errado é a predominância do direito sobre a política…
É, e nesse paradigma todas essas indicações estão corretas. Lula e Dilma indicaram os juristas mais festejados desse paradigma. Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Teori Zavascki, Eros Grau. Rosa Weber era festejadíssima pela Justiça do Trabalho. É que o pessoal é crítico de obra pronta.
Mas no caso de Temer, qual a legitimidade dele?
Aí é outro assunto. Mas, uma vez investido, a indicação dele do Alexandre de Moraes é correta. Quem era para ter feito isso era o Lula e o PT. Eles caíram nesse papo de que o direito se sobrepõe à política. Na época do PT, o errado era o paradigma. Nenhum dos juristas do PT, dos parlamentares, se dispuseram a alterar esse paradigma.
Resumindo, Lula e Dilma não erraram nas indicações, mas erraram ao não indicar nomes de sua confiança, como fez Temer?
Deveria ser tarefa dos parlamentares do PT a proposição de um paradigma diferente. Mas se você olhar as leis aprovadas pelos parlamentares do PT nesses anos todos, foram todas leis que esvaziaram a política. Aí não dá para criticar nem o Lula, nem a Dilma. É tarefa parlamentar.
Qual lei, por exemplo?
As leis de matéria judiciária, desde as leis de matéria penal, Código de Processo Civil, são medidas que prestigiam o Judiciário em detrimento de toda sociedade. A lei da delação premiada é de autoria do PT, foi aprovada no governo do PT. Tornozeleira eletrônica, essas coisas todas, tudo aprovado no governo do PT. Esse paradigma que estabeleceu o direito penal máximo. O cumprimento de pena em segunda instância é uma medida articulada entre os procuradores-gerais da República indicados pelo PT e pelos ministros do Supremo Tribunal Federal indicados pelo PT.
Então os juristas do PT, que foram padrinhos dessas indicações, é que são responsáveis pela primazia do direito sobre a política, esvaziamento dos mandatos. Esse negócio de restringir mandato de presidente da República e submeter a uma lista elaborada por tribunal superior, por OAB, é a expressão da supremacia do direito sobre a política. É completamente errado. Porque é submeter a democracia a um arranjo corporativo. Então, nem Lula, nem Dilma erraram nas suas indicações. Indicaram os melhores. Erraram os juristas do PT, que foram incapazes de pensar um paradigma diferente.
E qual poderia ser esse paradigma?
O modelo inglês por exemplo, que prevê que o Senado e o chefe de governo discutam as questões judiciárias. Não tem essa supremacia do Judiciário. Mas aqui no Brasil, tudo o que se faz só aumenta essa supremacia. Essa medida (PEC 44) é isso, até para indicar ao Supremo, quem indica é o Judiciário.
Para Luiz Moreira, PEC que muda indicação de ministro do STF contraria democracia
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