PATRÍCIA LAURETTI – Antigas práticas de ensino são barreiras para novos recursos tecnológicos
As tecnologias podem ser novas, mas, de que adianta, se a escola é a mesma? E, principalmente, de que adianta, se a maneira como são usados os recursos digitais, reforça o modo tradicional de funcionamento das instituições? A reflexão está na tese de doutorado “Apropriações de novas tecnologias em sala de aula: deslocamentos e persistências”, defendida por Davi Faria De Conti no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. A pesquisa foi orientada pelos professores Carmen Zink Bolonhini e Marco Antônio Garcia de Carvalho
Até 2010 Davi trabalhou em uma parceria da Universidade com o governo federal para o desenvolvimento de materiais multimídias disponíveis no repositório de conteúdos do Ministério da Educação e voltados aos professores e alunos do Ensino Médio. Depois dos programas prontos, ele percebeu que fazia pouca diferença ser digital. “Havia uma preocupação em não demandar muitos recursos do computador e, além disso, ser algo familiar para os usuários”.
Foi quando o pesquisador se questionou sobre a possibilidade de educadores e pesquisadores estarem reiterando antigas práticas de ensino. “A pesquisa partiu de ver o outro lado dessa equação, como as tecnologias digitais são utilizadas na sala de aula e o que determina o jeito como elas ocorrem.”
Com visitas, observações e entrevistas com professores de uma dezena de escolas públicas, o pesquisador chegou a uma das primeiras conclusões do estudo: que a escola funciona de uma maneira contraditória, porque embora haja o consenso de que mudanças são necessárias, os mesmos sujeitos participam da manutenção do estado das coisas.
Davi Faria De Conti, autor da tese: “O funcionamento da escola vai se mantendo em pequenos segmentos que vão sendo repetidos involuntariamente, pelos sujeitos da educação”
Davi salienta que a escola funciona de forma tradicional, conteudista. O professor tem o monopólio da voz desde o ciclo básico até o ensino médio. “O aluno não tem voz. Mas, se você for perguntar, todos concordam que deveria ser diferente, defendendo abordagens ativas com a maior participação do aluno”.
Não há voz dissonante em relação ao modelo equivocado que impera na instituição, explica o pesquisador. “Desde a década de 90 existe esse apontamento de que nós estamos formando alunos que não atendem mais as demandas do próprio capitalismo, ou seja, é uma coisa que gregos e troianos concordam”, complementa.
Para tentar entender a razão de não haver mudanças, apesar do consenso, Davi recorre à teoria do filósofo francês Michel Focault. “Uso a ideia da ‘microfísica do poder’. O funcionamento da escola vai se mantendo em pequenos segmentos que vão sendo repetidos involuntariamente, pelos sujeitos da educação: administradores, professores e alunos.”.
Davi analisou o programa do governo federal que distribuiu tablets para professores em 2012. Na época o ministro da Educação era Aloizio Mercadante. “No que é oferecido institucionalmente existe um problema de infraestrutura porque a maioria das escolas não tem acesso à internet”. Daí vêm os deslocamentos e persistências que o pesquisador fala no título da tese. “Os alunos dão jeito de contornar a situação. Por exemplo, alguns alunos têm conexão 3G ou 4G e usam um recurso do celular que faz o aparelho funcionar como se fosse um roteador, facilitando o acesso à rede para os colegas”.
Ou seja, o estudante faz um uso “clandestino” para atender aquela necessidade, como forma de resistir ao funcionamento institucional. Para o pesquisador, é falho o argumento usado pela instituição, de que o uso do celular é responsável pela falta de atenção do aluno. “Minha geração não tinha essa tecnologia, mas dava um jeito de não prestar atenção na sala de aula, rabiscava os cadernos, trocava bilhetes. Colocar no dispositivo digital a responsabilidade pela falta de atenção do aluno, é achar que o dispositivo faz mais do que ele realmente faz nessa relação, que é mais profunda do que só a tecnologia”, pontua.
Da mesma forma, os professores procuram caminhos alternativos. Nos cursos de formação continuada oferecidos aos docentes, já foi ensinado, por exemplo, como fazer um blog. Porém os professores perceberam a falta de interação dos alunos, contrariando as expectativas. “A partir daí alguns professores optaram por criar páginas em redes sociais fazendo um uso em resistência ao que é proposto pela instituição”.
Essas apropriações, no entanto, apontam para outra questão, segundo o pesquisador. “Essas alternativas não são necessariamente emancipatórias. Professores e alunos se deslocam em relação à instituição, mas isso implica em um movimento de identificação com o funcionamento discursivo da rede social e talvez o papel da escola não seja o de ecoar o que acontece, incorporando tecnologias em uso, mas de problematizar isso, trabalhar criticamente as redes sociais”.
https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2017/06/27/novas-ferramentas-velhas-metodologias
Deixe uma resposta