Paolo Viana – Deve ficar claro que o objetivo verdadeiro a ser alcançado não é a “renda para todos”, mas sim o “trabalho para todos”. Porque, sem trabalho para todos, não haverá dignidade para todos. A renda básica é posta de molho, e o aplauso torna-se um rugido, debaixo das pontes rolantes da empresa Ilva.
No pavilhão, os mais de três mil trabalhadores da indústria pesada e da construção naval, dos call centers e do serviço público se tornam um único coração que bate por aquele “padre” vestido de branco, que chegou à fábrica-símbolo de Gênova para explicar que o mundo do trabalho é tão importante para a Igreja quanto a paróquia: “Alguém pode dizer: ‘Mas o que esse padre vem nos dizer? Vá para a paróquia?!’ Não, o mundo do trabalho é o mundo do povo de Deus”, é a resposta de Bergoglio.
Com esses tons, na manhã desse sábado, na Ilva, abriu-se o grande abraço da cidade da Lanterna ao papa. Um início que estava escrito na história de “atenção” e “proximidade” da Igreja genovesa ao mundo do trabalho, evocada pelo cardeal Angelo Bagnasco.
A escolha de começar a partir daí, explicou Bergoglio, não dependeu apenas da crise, mas também da centralidade do trabalho que “unge de dignidade” o ser humano e sem o qual “não se vive, se sobrevive”.
O pontífice falou como “padre”, mas o discurso da Ilva – que concluiu invocando o Veni Creator Spiritus – se inscreve entre as páginas mais “quentes” do magistério social da Igreja, não tanto porque reitera que o trabalho é uma prioridade para a Igreja, mas sim porque, reconhecendo as mudanças, projetou a Doutrina Social no novo cenário.
Não foram só a renda básica e as aposentadorias antecipadas que pagaram a conta (“É contra a dignidade das pessoas mandá-las se aposentar aos 35 ou 40 anos, dar um cheque do Estado e ‘que se vire!”), mas também todas as degenerações da economia, incluindo os trabalhos “maus”(como os jogos de azar) e o cancelamento do tempo do lazer e da festa: “Se se vende barato o trabalho ao consumo, com o trabalho, em breve, venderemos barato também a dignidade, o respeito, a honra, a liberdade”.
O Papa Francisco não negou a complexidade, mas convidou a “não se resignar à ideologia que imagina um mundo onde só metade ou talvez dois terços dos trabalhadores vão trabalhar, e os outros serão mantidos por um subsídio social”. Assim, “o trabalho será diferente, mas deverá ser trabalho, não pensão”.
Dialogando com os representantes dos empresários, dos trabalhadores, dos desempregados e dos precários, o pontífice propôs um breve curso de Doutrina Social que começa a partir da defesa do empresário – “Não há boa economia sem a capacidade de criar trabalho e produtos” –, bem distinta da do especulador. Este último “não ama a sua empresa, não ama os trabalhadores, mas vê a empresa e os trabalhadores apenas como meios para fazer lucro. Demitir, fechar, deslocar a empresa não lhe cria nenhum problema, porque o especulador instrumentaliza, ‘come’ pessoas e meios para os seus objetivos.” E consegue se aproveitar, disse, citando Einaudi, também daquelas políticas que prejudicam os empresários honestos.
Por outro lado, em torno do trabalho, sublinhou, “edifica-se todo o pacto social”, enquanto, sem trabalho, “a democracia entra em crise”: com base na Constituição italiana, disse nesse sábado, “tirar o trabalho das pessoas ou explorar as pessoas com trabalho indigno ou mal pago é inconstitucional”. E acrescentou: “Trabalhar 11 horas por dia por 800 euros por mês é uma chantagem”.
A crítica de Bergoglio também envolveu a teoria econômica. “A ênfase na concorrência dentro da empresa esquece que a empresa é, acima de tudo, cooperação, assistência mútua, reciprocidade. Quando uma empresa cria cientificamente um sistema de incentivos individuais que colocam os trabalhadores em concorrência entre si, talvez, no curto prazo, pode obter alguma vantagem, mas logo acaba minando aquele tecido de confiança que é a alma de toda organização.” A reflexão culminou em uma precisa acusação da meritocracia: “Ela fascina porque usa uma palavra bonita: ‘mérito’; mas, como a instrumentaliza e a usa de modo ideológico, ela a desnaturaliza e perverte. A meritocracia está se tornando uma legitimação ética da desigualdade. O novo capitalismo, mediante a meritocracia, dá uma veste moral à desigualdade”, e isso provoca “a mudança da cultura da pobreza. O pobre é considerado um desmerecido e, portanto – observou o papa –, um culpado. E, se a pobreza é culpa do pobre, os ricos são exonerados de fazer qualquer coisa”.
Trabalho digno, boa economia, solidariedade e acolhida: tudo se sustenta.
Nota de IHU On-Line: Para ver a íntegra do encontro do Papa Francisco com os trabalhadores e as trabalhadoras em Gênova, em italiano, assista ao vídeo:
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