Fernanda Valente – Para alguns alunos da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo (IENH), no Rio Grande do Sul, vendedores ambulantes, faxineiros, garis, empregados domésticos, agricultores e cozinheiros são profissões consideradas de pessoas “fracassadas”.
No último 17 de maio, uma festa do 3º ano do ensino médio propôs aos alunos, que estavam se preparando para o vestibular, que participassem de uma atividade chamada “se nada der certo”. O objetivo da atividade, segundo o colégio, era “trabalhar o cenário de não aprovação no vestibular”, despertando nos alunos a proatividade em “lidar melhor com essa fase”.
O evento repercutiu nacionalmente e despertou o debate sobre meritocracia. Djamila Ribeiro, mestre em filosofia política, manifestou em seu Facebook com indignação. Após contar um pouco de sua própria trajetória de vida, ela concluiu sobre o episódio: “Não há problema algum em ser doméstica ou atendente, o problema é colocar que temos escolhas numa sociedade produtora de desigualdades; é valorar como legítimas determinadas funções, é não possibilitar escolhas (…) Pra todas aquelas que não deram certo, há medíocres privilegiados ‘mamando nas tetas’ do racismo e opressão de classe“.
Para o Professor doutor de ciência política na Universidade de Brasília e colunista do Justificando, Luis Felipe Miguel, “o tom de chacota da festa-recreio era óbvio“.
Miguel, que também coordena um grupo de pesquisa sobre Democracia e Desigualdades, afirma que “infelizmente, o que muitas vezes as escolas da elite ensinam a seus alunos é o preconceito de classe e como gozar sem culpa de seus privilégios”. Seria mais interessante, segundo ele:
- discutir como se constrói a hierarquia que define algumas ocupações como subalternas e outras como superiores;
- discutir como alguns podem desprezar os saberes incorporados nas práticas dessas profissões subalternas apenas porque contam com quem faça por eles – o chapeiro da lanchonete, o mecânico, o balconista, o faxineiro,
- discutir como o que realmente “deu certo” para eles foi a loteria do nascimento, que, na nossa sociedade, determina a parte do leão das trajetórias individuais.
“Nenhuma mudança social deriva de um projeto escolar que, depois de doze anos de ensino médio e fundamental, consegue ter essa ideia ruim“, pontua ainda o professor de História na Universidade Estadual de Campinas, Leandro Karnal, em sua página oficial.
Dia do “se nada der certo” já ocorreu em outro colégio
No entanto, essa não é a primeira vez que o tema surge desta forma em colégios no Estado. Conforme a reportagem do portal Huffington Post, em outubro de 2015 estudantes do Colégio Marista Champagnat, em Porto Alegre, também se fantasiaram de profissões que seguiriam se “nada desse certo”. Além disso, em busca no Google é possível encontrar diversos outros colégios que admitem o dia.
Em nota, a Escola de Novo Hamburgo IENH, que esteve no centro da polêmica, afirmou que não teve a intenção de discriminar as profissões.
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