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A Guerra do Iêmen dura já dois anos

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Luiz Eça – A Arábia Sau­dita co­meçou as hos­ti­li­dades ata­cando o país então do­mi­nado pelos houthis, um mo­vi­mento xiita. A causa da in­ge­rência sau­dita foi repor no go­verno o pre­si­dente Hadi, afas­tado por uma re­vo­lução pro­mo­vida pelos houthis.

Por sua vez, ele também su­bira ao go­verno por uma re­vo­lução, esta contra o então di­tador, Saleh. Eleito para um man­dato de dois anos, Hadi per­ma­necia na pre­si­dência dois anos de­pois do fim do prazo do seu man­dato, quando os houthis o ti­raram do poder.

Du­rante a ad­mi­nis­tração do pre­si­dente der­ru­bado, o Iêmen, um dos países mais po­bres do mundo, fora vir­tu­al­mente um sa­té­lite da Arábia Sau­dita. Não ad­mi­tindo perder sua po­sição he­gemô­nica sobre o Iêmen, o reino formou uma co­a­lizão com mais 8 países, su­nitas como ele, para repor Hadi no go­verno.

A co­a­lizão sau­dita adotou uma es­tra­tégia mi­litar comum nas guerras da Idade Média. Quando as na­ções não pen­savam em coisas como Di­reitos Hu­manos, leis in­ter­na­ci­o­nais, Con­venção de Ge­nebra etc.

Ao de­parar com uma ci­dade ini­miga for­te­mente de­fen­dida por altas mu­ra­lhas, ar­queiros cer­teiros e com­bus­tível em chamas jor­rando das mu­ra­lhas, os exér­citos muitas vezes aca­bavam de­sis­tindo de um ataque di­reto.

Pre­fe­riam cercar com­ple­ta­mente as mu­ra­lhas, im­pe­dindo a en­trada de ali­mentos, água e re­mé­dios. En­quanto isso, lan­çavam enormes pe­dras, usando ca­ta­pultas, para des­truir tudo no in­te­rior da ci­dade.

Mor­rendo de fome, cor­roídos por do­enças e fe­ri­mentos, os de­fen­sores eram for­çados a se render.

Os sau­ditas e ali­ados estão ado­tando uma es­tra­tégia se­me­lhante. Im­põem o mais in­tenso so­fri­mento ao povo nas re­giões sob con­trole dos houthis, des­truindo a in­fra­es­tru­tura de pro­dução de ali­mentos, de trans­porte e dos ser­viços de saúde.

O Iêmen im­porta 95% dos ali­mentos bá­sicos que seu povo con­some e pra­ti­ca­mente todos os com­bus­tí­veis e pro­dutos mé­dicos.

Na­vios de guerra da co­a­lizão ini­miga pas­saram a blo­quear to­tal­mente a en­trada de car­gueiros car­re­gados de su­pri­mentos. Sob pre­texto de pro­curar armas, a co­a­lizão sau­dita obriga esses na­vios a fi­carem meses pa­rados. O re­sul­tado é que muitos ali­mentos se es­tra­garam, o que causou um au­mento su­pe­rior e 33% no preço dos pro­dutos que res­taram. Que são em quan­ti­dade in­su­fi­ci­ente para atender ao con­sumo. Cada dia re­serva uma luta para as pes­soas pro­cu­rarem ali­mentos, muitas vezes sem su­cesso.

Ca­mi­nhões, pa­rados por falta de com­bus­tível, deixam hos­pi­tais e cen­tros de saúde com es­cassos re­cursos mé­dicos. Os ín­dices de ie­me­nitas mortos por do­enças que po­de­riam ser evi­tadas são as­sus­ta­dores e tendem a pi­orar con­ti­nu­a­mente.

“É a maior crise de se­gu­rança ali­mentar do mundo,” diz o ge­neral Jan Ege­land, se­cre­tário-geral do Con­selho de Re­fu­gi­ados da No­ruega.

En­quanto isso, mo­dernos bom­bar­deios sau­ditas e dos Emi­rados Árabes Unidos, seu prin­cipal aliado, vêm bom­bar­de­ando im­pla­ca­vel­mente pontes, es­tradas, mer­cados, hos­pi­tais, ins­ta­la­ções por­tuá­rias, es­colas, cen­tros ur­banos e até um fu­neral, quando ma­taram 138 civis. Isso chocou o mundo e levou o pre­si­dente Obama a sus­pender uma nova re­messa de bombas à co­a­lizão e a re­duzir o apoio lo­gís­tico e de in­te­li­gência. Mas seu go­verno não deixou de con­ti­nuar re­a­bas­te­cendo os bom­bar­deiros sau­ditas em pleno voo, para não per­derem tempo nos seus ata­ques aos ie­me­nitas, com bombas made in USA.

A es­tra­tégia mi­litar da co­a­lizão sau­dita não con­se­guiu obter ra­pi­da­mente a es­pe­rada vi­tória. Hoje, com dois anos de guerra, os houthis, usando tá­ticas de guer­ri­lhas, ainda do­minam grande parte do norte do Iêmen, in­clu­sive a ca­pital Sanaa.

Mas as es­ta­tís­ticas são ter­rí­veis.

Cerca de 10 mil civis já foram mortos, entre eles mais de 1.500 cri­anças. As Na­ções Unidas in­formam que 62% da po­pu­lação não têm con­di­ções de acesso à ali­men­tação, sendo que 1/3 se en­contra à beira da fome; 17 mi­lhões de pes­soas não sabem quando será sua pró­xima re­feição. E 7 mi­lhões estão perto de morrer por não terem o que comer (The Guar­dian, 31 de ou­tubro de 2016).

Como em todas as guerras, as cri­anças são as prin­ci­pais ví­timas; 500 mil delas estão tão mal ali­men­tadas que pro­va­vel­mente mor­rerão logo se não re­ce­berem cui­dados ur­gentes, como in­forma a agência de cri­anças da ONU e o World Food Pro­gram.

A pro­víncia de Sanaa, prin­cipal con­cen­tração dos re­beldes houthis, é a ci­dade com o ín­dice de cres­ci­mento das cri­anças de 8 a 10 anos mais baixo em todo o mundo.

A ONU cal­culou em 462 mil o nú­mero de cri­anças com menos de cinco anos que já so­frem de se­vera e aguda má nu­trição, o que as co­loca em se­veros riscos de morrer de fome ou de do­enças as­so­ci­adas à má nu­trição.

Numa reu­nião com lí­deres da Eu­ropa, o se­cre­tário da ONU, An­tonio Gu­terres, in­formou: “em média, uma cri­ança de menos de cinco anos morre no Iêmen a cada 10 mi­nutos, por causas que po­de­riam ser evi­tadas. Isso sig­ni­fica que, du­rante esta con­fe­rência, 50 cri­anças mor­rerão no Iêmen, sendo que todas essas mortes po­de­riam ter sido evi­tadas”.

Ele apelou para que as na­ções, prin­ci­pal­mente as mais ricas, do­assem 2 bi­lhões de dó­lares para su­a­vizar a crise ie­me­nita.

A es­tra­tégia sau­dita para vencer os houthis, ma­tando de fome e por do­enças civis ie­me­nitas, prin­ci­pal­mente cri­anças, pode atingir agora um ponto de ex­trema de­vas­tação.

O porto de Ho­deida está para ser ata­cado pelo exér­cito da co­a­lizão li­de­rada pela Arábia Sau­dita. É o úl­timo porto em mãos dos houthis. So­mente por lá chegam ali­mentos, re­mé­dios e com­bus­tí­veis, de que o povo tanto ca­rece.

A avi­ação sau­dita já bom­bar­deou Ho­deida vá­rias vezes. Foram des­truídos todos os guin­dastes usados para o de­sem­barque de con­tai­ners das cargas dos na­vios, um ar­mazém do World Food Pro­gram, um an­co­ra­douro, o ar­mazém da au­to­ri­dade por­tuária e o edi­fício da al­fân­dega.

Os sau­ditas estão prontos para o ataque final, que será an­fíbio. A ONU diz que, caindo Ho­deida, “a fome está imi­nente”. Uma fome ge­ne­ra­li­zada que pode ser ace­le­rada com a ajuda do pre­si­dente dos EUA, Do­nald Trump.

The Do­nald deu or­dens para se ace­lerar a venda de um bi­lhão e cem mi­lhões de dó­lares em mís­seis-gui­ados de alta pre­cisão.

O ge­neral James Mattis, se­cre­tário da De­fesa, já havia se pro­nun­ciado a favor de um maior en­ga­ja­mento dos EUA na guerra do Iêmen.

E o ge­neral Votel, chefe do Co­mando Cen­tral norte-ame­ri­cano ex­plicou por que. Seria de “vital in­te­resse” dos EUA, para im­pedir o Irã de con­trolar o es­tra­té­gico es­treito de Bar-el-Mandeb, através dos houthis, seus ali­ados.

Ar­gu­mento pra lá de dis­cu­tível. Ao que se sabe, os houthis, em­bora re­ce­bendo armas ira­ni­anas, são muito in­de­pen­dentes, não se guiam pelas ori­en­ta­ções de Teerã.

Tes­te­mu­nhos de jor­na­listas e ex­perts nas ques­tões do Iêmen sus­tentam que grandes quan­ti­dades dos ar­ma­mentos dos houthis foram con­quis­tados em ba­talha com as forças de Hadi e do seu an­te­cessor, Saleh. Eles não de­pendem muito dos ar­ma­mentos en­vi­ados pelo go­verno de Teerã.

Sem contar que, ga­nhar o li­toral de Bar-el-Mandeb é missão quase im­pos­sível, de­vido à su­pe­ri­o­ri­dade mi­litar da co­a­lizão sau­dita, apoiada pelos EUA. Ainda mais agora que Trump e seus ge­ne­rais de­ci­diram in­vestir ainda mais re­cursos mi­li­tares na guerra.

Antes de se com­pro­me­terem ex­ces­si­va­mente, o pre­si­dente e o Pen­tá­gono de­ve­riam re­fletir um pouco.

Va­leria a pena con­ti­nuar sub­me­tendo todo o povo ie­me­nita aos hor­rores desta guerra para evitar um pre­juízos tão dis­cu­tível?

An­te­ri­or­mente, au­to­ri­dades es­ta­du­ni­denses já es­ti­veram di­ante de uma opção assim. De­pois da der­rota de Saddam Hus­sein na pri­meira guerra do Golfo, foram im­postas san­ções ao Iraque que pro­vo­caram a morte de 500 mil cri­anças, mais do que o total das cri­anças mortas em Hi­roshima.

Numa en­tre­vista, Lesley Stajhl per­guntou a Ma­de­leine Al­bright, então se­cre­tária de Es­tado do go­verno BilI Clinton, se teria va­lido a pena aplicar essas san­ções.
Ma­de­leine res­pondeu: “Eu penso que foi uma dura es­colha, mas o preço nós pen­samos que valeu à pena”.

Que Trump não siga esse mau exemplo.

http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12552-a-guerra-do-iemen-dura-ja-dois-anos

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