Tatiana Carlotti – Dowbor aborda drama de estados nacionais, como o Brasil, sob constante ameaça de ver o capital sair do país caso resolvam taxar ou diminuir juros cobrados
A relação entre “as dinâmicas financeiras e a erosão da democracia” foi o tema da conferência do economista Ladislau Dowbor, durante sua participação nas Jornadas de 2017 – É hora de voltar a pensar!
Professor de economia da PUC-SP, Dowbor explicitou como o sistema financeiro, sem qualquer regulação global, vem atuando na desestruturação de economias e democracias pelo mundo, impondo uma nova forma de exploração social.
“O dinheiro se globalizou. A finança que já foi ouro e papel se tornou sinais magnéticos que viajam na velocidade da luz no planeta. Temos hoje uma economia global, mas não temos um governo global e ninguém manda no processo. Além disso, o espaço de representação das riquezas, onde se dão os sistemas financeiros, é diferente do espaço onde se dá a política que são os governos: a gente não elege quem manda no sistema financeiro”, avaliou.
Apontando a fragilidade de regulação desse sistema até mesmo por organizações mundiais como FMI, Banco Mundial, BIS (Banco de Compensações Internacionais) e a própria ONU, Dowbor abordou o drama dos estados nacionais, entre eles o Brasil, sob constante ameaça de verem o capital sair do país caso resolvam taxar ou diminuir os juros cobrados.
“O caos é global e vem gerando a incapacidade dos governos nacionais de orientarem seus recursos para financiarem o que é necessário para o desenvolvimento. Conforme você orienta o dinheiro, ele terá efeito multiplicador ou drenará a economia, retirando os recursos necessários para ela funcionar”, destacou.
Um caos que não atinge só Brasil, mas o mundo inteiro. “Nós perdemos qualquer controle sobre os sistemas financeiros e isso acontece em todas as partes”, salientou, ao mencionar a ausência de autoridade política e a perda da governança que é “a capacidade de fazer funcionar o conjunto do sistema” no mundo.
Ricos cada vez mais ricos
Um processo expresso nos dados relativos a dois eixos críticos hoje no planeta: o desafio ambiental e o desafio social. A destruição do meio ambiente vem se acelerando com o avanço tecnológico. Entre 1970 e 2010, 52% da fauna do planeta foram destruídas, exemplificou. O desafio social, por sua vez, reflete-se na imensa concentração da riqueza mundial:
“Antes só estudávamos a concentração de renda, o nível salarial. Concentração de riquezas é muito maior. Uma imensa massa de pobres no planeta que consegue chegar ao fim do mês usou seu salário para pagar transporte, aluguel, gastos com suas necessidades básicas. Quem é rico, porém, consumiu o que quis consumir e ainda sobrou dinheiro. O que ele faz com essa sobra? Aplicação financeira, ele compra papeis. Ou seja, ele não produz nada, mas esses papeis rendem”.
“O que é um bilionário?”, questionou o economista, ao contar que se você pegar um bilhão de dólares e aplicar isso em um banco, em qualquer produto que renda 5%, um rendimento moderado, você ganhará 137 mil dólares por dia. “Isso é um bilionário, as pessoas que passam um certo nível de riqueza passam a gerar aplicações financeiras e isso começa a coagular no nível planetário”.
Os dados do CreditSuisse dão a dimensão do coágulo: apenas 8 famílias detêm mais riqueza do que a metade mais pobre da população mundial (3,6 bilhões de pessoas). Pior: 1% dos mais ricos possui mais riqueza do que os 99% de toda a população do mundo.
“Está acontecendo um processo acumulativo de enriquecimento do mais ricos. Essas 8 famílias que têm mais do que 3,6 bilhões de pessoas produziram isso? É óbvio que não, elas compraram papeis que geram mais papeis”, denunciou. Segundo Dowbor, se isso acontecesse apenas dentro de um país, seria possível taxar o enriquecimento sem contrapartida produtiva com um forte imposto, a exemplo do que fez Roosevelt em 1933, quando foi aplicada uma alíquota de 90% sobre o dinheiro improdutivo.
“Com o dinheiro improdutivo de cima eles financiaram a dinamização da economia produtiva por baixo, tirando a economia americana da crise. O que está acontecendo hoje no planeta é o contrário: estão secando a capacidade de financiamento de iniciativas produtivas que geram emprego e jogando esse dinheiro para cima. O resultado é uma crise planetária”, apontou.
A crise planetária
Partindo da premissa de que econômica não é ciência, mas a definição das “regras do jogo” e, sobretudo, um pacto da sociedade, Dowbor citou o exemplo da Finlândia, onde professores, advogados, engenheiros, arquitetos contam o mesmo nível salarial, enquanto que no Brasil, a diferença entre os rendimentos de um gestor financeiro e de um professor é astronômica.
“Quem inventou isso? O mecanismo econômico? Não é nada de mecanismo econômico. São as regras do jogo e nós temos de repensar essas regras”, reiterou. Em sua avaliação, urge uma reorientação do sistema econômico global “em termos de proteção ao meio ambiente e de financiamento da inclusão produtiva de 4 bilhões de pessoas que se encontram hoje fora do sistema”.
Quase 2/3 da população mundial encontram-se fora do sistema. Além disso, o planeta vem sendo destruído em função dos interesses de 10% a 15% da população mundial. “Onde estão os recursos necessários para financiar a conversão desse processo? Navegando nos sistemas especulativos financeiros”.
Da sua experiência como consultor das Nações Unidas, Dowbor salientou necessidade de olharmos várias experiências de aprofundamento da democracia em outros países. Na Suécia, por exemplo, 72% de todos os recursos públicos vão diretamente para o município em uma espécie de democracia de rédea curta, permitindo que esses recursos atendam às necessidades da comunidade.
Na Alemanha, relatou, o sistema de grandes bancos do país controla apenas 13% do crédito e “a quase totalidade é administrada por caixas econômicas municipais, públicas e comunitárias e alguns bancos regionais”. A França, por sua vez, conta com ONGs de intermediação financeira que permitem ao cidadão escolher a atividade produtiva que ele pretende financiar ao depositar a sua poupança.
“As soluções vão na linha de aprofundamento da democracia. Se a gente não construir esses processos democráticos, sempre vão aparecer os salvadores da pátria, até porque o ódio mobiliza muito mais do que as propostas”, alertou. Em sua avaliação, em termos de dinâmicas políticas, o que vivemos hoje não é muito distinto do contexto dos anos 1930, com a grande crise mundial e a subida dos fascismos por toda a parte.
As alternativas? “Ou temos um salvador da pátria, com toda a tragédia que isto significa; ou construímos democracias efetivamente pela base da sociedade”.
Engessamento da economia brasileira
Reiterando que o sistema financeiro é planetário e que o Brasil pertence a ele -30% do lucro mundial do Santander vem do nosso país, por exemplo – Dowbor mencionou a guerra travada contra o governo Dilma Rousseff após a tentativa de diminuição dos juros que chegaram a 7,5% em 2012. “Não teve mais governo depois disso”.
Convencido da urgência de uma compreensão maior na sociedade sobre como funcionam esses processos econômicos, didaticamente, o economista explicou que uma economia depende de quatro motores principais: a exportação, o consumo das famílias, a produção da indústria e as atividades do Estado.
Hoje, a exportação representa 10% da economia brasileira em um contexto mundial onde 16 grupos controlam todas as commodities do mundo: grãos, energia, minerais metálicos e não metálicos. “Só o grupo BlackRock tem um turn over de 14 trilhões de dólares. O PIB dos Estados Unidos é de 15 trilhões de dólares. Estamos falando de uma empresa”.
Segundo Dowbor, a saída do país da crise depende mais dos outros três motores, porém eles se encontram engessados. O consumo das famílias foi fortemente estimulado durante os governos Lula e Dilma, em grande parte através de crédito, aumento de salários mínimos, benefícios de prestação continuada. “Houve um imenso esforço de civilizar o país começando pelo andar de baixo”, avaliou.
Porém, “os bancos e crediários de diversos sistemas entenderam muito rapidamente como as novas tecnologias permitem tirar dinheiro do bolso do mais pobre. Se ele atrasar o pagamento, paga 485% de taxa de juros no rotativo; 320% no cheque especial. Foi legal bancarizar os mais pobres, mas nós os colocamos diante do leão sem conhecimento e sem defesa”
Dowbor lembrou que existia um marco institucional regulatório no Brasil, “que se chamava artigo 192º da Constituição e limitava a taxa de juros reais a 12%, o equivalente hoje, considerada a inflação, a 18%”. Comparado a outros países, a diferença é gritante: na França, uma pessoa física consegue empréstimo a 3,5% ao ano. Além disso, destacou, “ninguém no mundo fala em juros ao mês, isso é uma bobagem radical”.
Novas formas de exploração
Temos, portanto, a ausência de conhecimento da população sobre os processos econômicos, a retirada do marco regulatório da Constituição somados ao fato de que as pessoas endividadas se sentem culpadas e permanecem isoladas. “Os caras que têm seus salários diminuídos em uma empresa se organizam em sindicatos e tal. Mas ninguém vai na porta do banco questionar ´como vocês podem cobrar 485%´”.
Estamos diante da “criação de um outro sistema de exploração paralelo à mais-valia tradicional, através dos sistemas financeiros. O cidadão assinou o contrato e o dinheiro dele está no banco, o dinheiro dele é o cartão. Há um terminal dos intermediários financeiros dentro do bolso de cada um de nós”, apontou.
Frente ao endividamento das famílias, dá-se a queda do consumo e, por consequência, a queda da produção industrial. “As empresas não têm para quem vender e ainda precisam tomar crédito a juros de 30% ou 40%”. O resultado é que ao invés de optar por atividades produtivas, essas empresas acabam lucrando mais com as atividades especulativas, comprando títulos do tesouro que “pagam 12,25% para uma inflação a 5%”.
Já o quarto motor – o Estado – encontra-se atado pela dívida pública. “Ele não criou o tal do déficit. O que aconteceu é que desde de julho de 1996, para compensar os bancos da queda da inflação, foi criada a taxa Selic elevada. A média no período FHC, estima Luiz Gonzaga Belluzo, foi de 22%. E eles chegaram a 46%”.
Com os indecentes juros cobrados no país, explicou Dowbor, a cada pagamento da dívida pública, o dinheiro das pessoas é transferido aos bancos, impedindo que esses recursos voltem à sociedade por meio de salário indireto sob a forma de investimentos em saúde, educação, políticas sociais. Para onde foi vai esse dinheiro? “A evasão fiscal foi estimada em 570 bilhões, 10% do PIB, em 2016. O Brasil tem 520 bilhões de dólares acumulados no exterior em paraísos fiscais. Eles não só não investem como sequer pagam impostos”, apontou.
“A gente pode dizer Fora Temer, Fora Gilmar, Fora Moro e uma lista imensa, mas o problema é o sistema. A economia não funciona quando não tem gente comprando, porque não tem grana para comprar ou quando tem o dinheiro vai para o pagamento de juros. O dinheiro do Estado precisa voltar a financiar a economia. Não tem mistério quanto aos caminhos, mistério existe quanto aos equilíbrios políticos que permitam os caminhos”.
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Dowbor-Nos-perdemos-qualquer-controle-sobre-os-sistemas-financeiros-/4/37975&utm_source=emailmanager&utm_medium=email&utm_campaign=Boletim_Carta_Maior_Doacao_20042017
Deixe uma resposta