Pratap Chartterjee e Tom Dispach – Sobrecarregados e traumatizados por imagens bárbaras de ataques, pilotos de drones nos EUA pedem demissão em número recorde. Profissionais têm abandonado posto devido a excesso de exposição a cenas de destruição e mortes de inocentes causadas pelos ataques. Força Aérea oferece bônus e busca voluntários para sanar lacuna.
A guerra com drones dos Estados Unidos em parte do Oriente Médio e da África está em crise. Mas não porque civis estão morrendo ou porque Washington está questionando a lista de alvos da guerra ou o direito de levá-la a cabo. Algo bem mais básico está em jogo: pilotos de drones estão pedindo demissão em números recordes.
Há cerca de mil pilotos de drones trabalhando para a Força Aérea dos Estados Unidos, conhecidos no meio como “18X”. A cada ano, 180 pilotos se formam em um programa de treinamento realizado em duas bases da Força Aérea no próprio país. No entanto, durante os mesmos 12 meses em que 180 pilotos se formam, cerca de 240 pilotos treinados pedem demissão, e a Força Aérea não sabe como explicar o fenômeno.
O site norte-americano Daily Beast publicou em janeiro um memorando interno escrito pelo general Herbert Carlisle e direcionado ao chefe da Força Aérea, o general Mark Welsh. Nesse documento ele afirma que “o aumento da saída [de pilotos] prejudicará a capacidade de prontidão e combate do empreendimento MQ-1/9 [que utiliza os drones Predator e Reaper, ‘predador’ e ‘ceifador’ em tradução literal] nos próximos anos”. O general disse também estar “extremamente preocupado”.
A questão ganhou destaque numa entrevista coletiva especial com o comando da Força Aérea algumas semanas depois. A secretária da Força Aérea, Deborah Lee James, abordou o assunto ao lado de Welsh. “Este efetivo está sob um estresse significativo, devido ao ritmo acelerado das operações”, declarou James.
Teoricamente, os pilotos de drones têm uma vida confortável. Ao contrário dos soldados que trabalham em “zonas de guerra”, eles vivem com suas famílias nos Estados Unidos, sem trincheiras em meio à lama, nem quartéis em desertos com tempestades de areia e ameaças de ataque. Em vez disso, estes “guerreiros tecnológicos” saem de casa todos os dias para trabalhar como qualquer outro funcionário de escritório e sentam-se em frente a telas de computador manejando joysticks, jogando o que a maioria das pessoas consideraria ser um videogame metido a besta.
Eles normalmente “voam” em missões sobre o Afeganistão e o Iraque, onde a tarefa é coletar fotos e vídeos e cuidar dos soldados norte-americanos no terreno. As missões de execução da CIA no Paquistão, Somália ou Iêmen são delegadas a um grupo seleto, que recebe as ordens para matar do céu “alvos de grande valor”. Nos últimos meses, alguns desses pilotos também participaram dos conflitos nas fronteiras da Síria e do Iraque, realizando ataques a militantes do Estado Islâmico.
Cada uma dessas patrulhas aéreas de combate envolvem três a quatro drones, que geralmente são Predators e Reapers armados com mísseis Hellfire, que necessitam 180 funcionários para voar. Além dos pilotos, há operadores de câmeras, especialistas em inteligência e comunicação e funcionários da manutenção.
Atualmente, a Força Aérea segue as ordens de manter abastecidas de funcionários 65 dessas “patrulhas aéreas de combate”. Para isso, o número ideal seria 1.700 pilotos treinados. Ao encarar uma taxa de demissão em crescimento acelerado que baixou esse número para menos de mil, a Força Aérea tem precisado pressionar pilotos de carga normal e de aviões a jato, assim como reservistas, para tornarem-se pilotos de drones da noite para o dia.
A Força Aérea explica a saída desses pilotos com termos simples: eles estão sobrecarregados. Os pilotos dizem ser desprezados por seus colegas da Força Aérea. Alguns também foram a público afirmar que os horrores vistos diariamente nas telas estão levando a versões inéditas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) à distância.
Alguns pilotos de drones se ressentem pelas diferenças frente a outros pilotos da Força Aérea. “Alguns deles pensam que o programa inteiro ou as pessoas por trás dele são uma piada, que somos guerreiros de videogame, lutadores de Nintendo”, disse Brandon Bryant, ex-operador de câmera de drones, ao site Democracy Now.
Mas o ritmo de trabalho com drones não é nada engraçado. Os pilotos voam de 900 a 1.800 horas por ano em comparação com as máximas 300 horas anuais dos pilotos comuns da Força Aérea. “Uma pessoa que trabalhou nessa missão nos últimos sete ou oito anos trabalhou seis ou sete dias por semana, doze horas por dia”, afirmou o general Welsh à NPR recentemente. “E, no fim das contas, essa folga de um ou dois dias não é suficiente para cuidar da família e do resto da sua vida.”
Os pilotos concordam. “É como quando o medidor de temperatura do motor está abaixo da linha vermelha no painel do seu carro, e, em vez de diminuir e aliviar o estresse do motor, você pisa fundo”, disse um piloto de drones à revista Air Force Times. “Você sacrifica o motor para ter uma rápida explosão de velocidade sem levar em conta o dano causado.”
A Força Aérea propôs uma solução provisória: está planejando oferecer um aumento de cerca de 50 dólares na diária dos pilotos. Mas com tantos deixando o trabalho, somente alguns têm os anos de experiência suficientes para se qualificar para o bônus. A Força Aérea admite que apenas dez poderão pedir a quantia extra este ano.
A maioria dos 18X diz que seu trabalho é mais complicado e significativamente mais pessoal do que o trabalho dos pilotos de jatos. “Um operador de drone está bem mais envolvido no que está acontecendo do que um piloto de um caça de alta velocidade, que nem mesmo verá o alvo”, afirmou o tenente-coronel Bruce Black, ex-piloto de drones da Força Aérea. “Um piloto de drone observa o alvo por um tempo, conhece-o bem, sabe o que está ao redor dele.”
Alguns pilotos dizem que a guerra com drones levou-os além de seu limite. “Quantas mulheres e crianças você já viu incineradas por um míssil Hellfire? Quantos homens você já viu rastejando enquanto sangram com as pernas decepadas em busca de ajuda?”, perguntou Heather Linebaugh, ex-analista de imagens de drones, em artigo publicado no jornal britânico The Guardian. “Quando se é exposto àquelas imagens repetidamente, elas permanecem em looping na sua cabeça, causando uma dor psicológica e um sofrimento que muita gente, espero, jamais vivenciará.”
“Foi apavorante descobrir o quão fácil era. Senti-me um covarde porque estava do outro lado do mundo e o cara nem sabia que eu estava lá”, contou Bryant. “Senti-me assombrado por uma legião de mortos. Minha saúde mental estava em pedaços. Eu fiquei tão mal que estava prestes a me matar.”
No entanto, muitos pilotos de drones defendem o seu papel nas execuções seletivas. “Não matamos pessoas por diversão. Seria a mesma coisa se estivéssemos no terreno”, disse a controladora de missões Janet Atkins a Chris Woods, autor do livro Sudden Justice [“Justiça repentina”, em tradução literal]. “É preciso pegar [o inimigo] de qualquer jeito, senão morremos todos.”
Outros, como Bruce Black, têm orgulho de seu trabalho. “Eu estava salvando centenas de pessoas, incluindo iraquianos e afegãos”, contou ao jornal de sua cidade natal, no Novo México. “Depois saíamos para tomar cerveja e falávamos sobre a missão. Era surreal. Era fácil perceber o quão importante era aquele trabalho. O valor que esse sistema agrega à batalha não é evidente até que você esteja lá.”
Uma equipe da Escola de Medicina Aeroespacial da Base da Força Aérea Wright-Patterson, em Ohio, publicou uma série de estudos sobre o estresse dos pilotos de drones. Um estudo de 2011 concluiu que cerca de metade deles tinha um “alto nível de estresse operacional”. Parte deles também exibia “angústia clínica”, isto é, ansiedade, depressão ou estresse severo o suficiente para afetar a vida pessoal.
Wayne Chappelle, coordenador de alguns desses estudos, concluiu que o problema é, em geral, a sobrecarga de trabalho causada pela escassez crônica de pilotos. Seus estudos mostram que os níveis de estresse pós-traumático são, na verdade, menores entre os pilotos de drones do que entre a população geral.
Outros, no entanto, questionam esses números. Jean Otto e Bryant Webber, do Centro de Vigilância em Saúde das Forças Armadas, advertem que a falta de relatos de estresse pode apenas ser um “reflexo da subnotificação das preocupações dos pilotos devida aos efeitos que os diagnósticos de saúde mental têm em suas carreiras, como a remoção das atividades, a perda do pagamento por voos e menos competitividade nas promoções”.
Os pilotos não estão matando somente terroristas, e sabem disso. Como Black aponta, eles veem tudo o que acontece antes, durante e depois do ataque com drone.
A única transcrição detalhada de uma missão de vigilância e execução seletiva divulgada ao público ilustra isso. São gravações de conversas entre operadores de drone na base da Força Aérea em Nevada, o analista de vídeo na sede de operações especiais, na Flórida, e os pilotos da Força Aérea na província de Daikondi, no Afeganistão, todos trabalhando juntos no dia 21 de fevereiro de 2010.
Naquela ocasião, três veículos foram avistados num comboio logo antes do amanhecer, carregando cerca de doze pessoas cada. Acreditando que fossem “insurgentes” saindo para matar soldados norte-americanos que estavam próximos numa missão, a equipe do drone decidiu atacar.
Depois que os sobreviventes do ataque se entregaram, a transcrição gravou a frustração dos pilotos enquanto viam mulheres e crianças no comboio, sem encontrar nenhuma evidência visual de armas.
Uma investigação feita no terreno em seguida estabeleceu que todos os mortos eram simples aldeãos. O major general da Força Aérea James Poss, que supervisionou a investigação, disse depois ao jornal norte-americano Los Angeles Times que “a tecnologia pode, às vezes, dar uma sensação falsa de segurança, de que você pode ver tudo, ouvir tudo, saber de tudo”.
Funcionários da administração Obama alegam que episódios como esse são raros. Em junho de 2011, quando o diretor da CIA John Brennan ainda era o conselheiro antiterrorismo da Casa Branca, ele abordou a questão das mortes de civis em ataques de drones com uma afirmação ousada: “[No último ano,] não houve uma única morte colateral devido à proficiência excepcional e a precisão das capacidades que pudemos desenvolver”.
Mas segundo um relatório divulgado em novembro de 2014 elaborado por Jennifer Gibson, da organização britânica de direitos humanos Reprieve, alguns homens da “lista de execução” de terroristas suspeitos da Casa Branca “‘morreram’ até sete vezes”: “Encontramos 41 nomes de homens que parecem ter feito o impossível. Isso levanta uma questão urgente: com cada tentativa frustrada em assassinar um dos homens da lista, quem preencheu o saco de cadáver em seu lugar?”.
A organização descobriu que, com as repetidas tentativas de eliminar estes 41 “alvos”, pelo menos 1.147 pessoas morreram no Paquistão em ataques de drones. Um exemplo é o atual líder da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri. De acordo com a ONG, em dois ataques contra ele nos últimos anos, 76 crianças e 29 adultos foram mortos, enquanto al-Zawahiri continua vivo.
Traumatizados, pilotos de drones dos EUA pedem demissão em massa
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