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Dinheiro, trabalho e terra na agenda desestruturante de política agrária

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Guilherme C. Delgado – Em con­di­ções nor­mais de tem­pe­ra­tura e pressão, esta época do ano seria de pre­pa­ração da po­lí­tica agrí­cola con­ven­ci­onal do Plano-Safra 2017-2018, mo­vido ba­si­ca­mente a cré­dito sub­ven­ci­o­nado e di­fe­rentes ar­ranjos de ga­rantia à co­mer­ci­a­li­zação (se­guros de preço, cré­dito, re­gras de co­mer­ci­a­li­zação da safra etc.).

Na atual con­jun­tura econô­mica e po­lí­tica, muito con­di­ci­o­nada pela crise fiscal, os ar­ranjos para o Plano Safra são se­cun­dá­rios. O di­nheiro de cré­dito anda es­casso, até mesmo porque o sis­tema ban­cário car­rega car­teiras de ina­dim­plência po­ten­cial dos se­tores in­dus­trial e de in­fra­es­tru­tura não des­pre­zí­veis, en­quanto o Te­souro da União re­vela cres­cente di­fi­cul­dade para manter o nível de sub­ven­ções fi­nan­ceiras ao Plano-Safra pra­ti­cadas no pe­ríodo 2000-2014 (o cré­dito rural cresce a taxas reais em torno de 9,5% ao ano, com sub­venção fi­nan­ceira em pa­ra­lelo).

Na con­jun­tura, sob o signo da pro­pa­ganda e mar­ke­ting do jargão to­ta­li­tário (“agro é tudo”), pla­neja-se no Exe­cu­tivo e no Con­gresso um novo ar­ranjo da po­lí­tica agrí­cola e agrária. Este ar­ranjo, em sín­tese, se propõe a de­ses­tru­turar ra­di­cal­mente os apa­ratos re­gu­la­tó­rios que ainda pro­tegem na ordem legal o tra­balho hu­mano e os re­cursos da na­tu­reza (terra) de sua com­pleta “mer­ca­do­ri­zação”. A sub­missão, por su­posto, fi­caria re­me­tida ao ca­pital-di­nheiro, pre­pon­de­ran­te­mente ex­terno, sem quais­quer li­mites, que su­pos­ta­mente viria para re­a­lizar um novo pro­jeto de eco­nomia po­lí­tica.

É neste sen­tido, mas ques­ti­o­nando-o, que me pro­ponho a in­ter­pretar a ver­da­deira fúria de pro­dução le­gis­la­tiva do go­verno Temer, em ín­tima li­gação com o bloco ru­ra­lista do Con­gresso – as­pecto que in­fe­liz­mente não é pos­sível de­ta­lhar neste ar­tigo.

Sob o manto da com­pleta ‘mer­ca­do­ri­zação’ da terra, o go­verno pa­tro­cina por Me­dida Pro­vi­sória (MP 759-2016) uma ope­ração ampla, de ca­ráter na­ci­onal, de “re­gu­la­ri­zação fun­diária” rural e ur­bana, sub­ter­fúgio para pre­tensa le­ga­li­zação da gri­lagem de terras, à margem da ordem cons­ti­tu­ci­onal.

Mas diga-se, em be­ne­fício da ver­dade, que esse pro­cesso não é novo: ocorreu no go­verno Lula para a re­gião amazô­nica (MP 458/2008), e no go­verno Dilma, através da Lei 13.178-2015, de “re­gu­la­ri­zação fun­diária em zonas de fron­teira”, à re­velia do mi­nistro de De­sen­vol­vi­mento Agrário de então – Pa­trus Ana­nias. Esta úl­tima peça le­gis­la­tiva (Lei 13.178/2015) é ob­jeto de Ação Di­reta de In­cons­ti­tu­ci­o­na­li­dade no STF (ADIn 5.623), apre­sen­tada pela CONTAG.

O in­gre­di­ente novo da es­tra­tégia de “mer­ca­do­ri­zação total”, na linha do “agro é tudo”, é a ver­tente da in­ter­na­ci­o­na­li­zação do mer­cado de terras, ora em pro­cesso avan­çado de com­bi­nação entre o mi­nistro Eliseu Pa­dilha, da Casa Civil e o re­pre­sen­tante ru­ra­lista Nilton Car­doso Ju­nior – Re­lator do pro­jeto de Lei 4.059-2012 (em fase de vo­tação na Câ­mara Fe­deral).

A pre­tensão ofi­cial, no caso, é abrir in­te­gral­mente ao ca­pital es­tran­geiro (pes­soas ju­rí­dicas de mai­oria de ca­pital es­tran­geiro) a compra e o ar­ren­da­mento de terras no Brasil, ori­gi­nal­mente sem li­mi­ta­ções (no Pro­jeto) quan­ti­ta­tivas e/ou de lo­ca­li­zação. A ex­pec­ta­tiva dos pro­mo­tores dessa ini­ci­a­tiva é “es­quentar” o mer­cado de terras, mo­men­ta­ne­a­mente pa­ra­li­sado pela crise fiscal e de com­mo­di­ties.

Da agenda re­gres­siva em re­lação à pro­teção ao tra­balho geral e do tra­balho agrí­cola em par­ti­cular, bre­ve­mente ci­tamos a con­trar­re­forma da Pre­vi­dência pre­vista na PEC 287/2016, abor­dada em vá­rios ar­tigos an­te­ri­ores; as novas re­gras da ter­cei­ri­zação das re­la­ções de tra­balho e os pro­jetos de re­forma tra­ba­lhista, dos quais vou des­tacar um – o Pro­jeto 6.442/2016 do ru­ra­lista de­pu­tado Nilson Leitão (trata es­pe­ci­fi­ca­mente do tra­balho agrí­cola). Re­fe­rido texto, ora sob o pri­vi­légio de tra­mi­tação em Co­missão Es­pe­cial, por de­fe­rência do Pre­si­dente da Câ­mara, de­cla­ra­da­mente subs­titui a CLT por re­gras con­tra­tuais di­retas, con­sa­grando de vez a de­si­gual­dade como regra a pre­va­lecer.

A ne­ces­si­dade de au­to­pro­teção da so­ci­e­dade contra a ten­dência en­dó­gena do sis­tema econô­mico de “mer­ca­do­rizar”, des­re­gu­la­mentar e des­pro­teger os seres hu­manos e a pró­pria na­tu­reza repõe em pleno sé­culo 21 fenô­meno ori­ginal dos pri­mór­dios do ca­pi­ta­lismo, ana­li­sado no clás­sico “A grande Trans­for­mação” de Karl Po­lanyi. Sig­ni­fica hoje pro­teger-se contra a bar­bárie to­ta­li­tária do ca­pital di­nheiro, sem quais­quer li­mites.

Fe­liz­mente, a so­ci­e­dade co­meça a per­ceber e a re­agir à pro­fun­di­dade e ex­tensão do golpe re­gres­sivo que se ar­ti­cula nessa es­tra­tégia ora em exe­cução. A ra­di­ca­li­zação re­gres­siva ora em curso pre­cisa ser co­nhe­cida, con­tida, re­ver­tida e pro­va­vel­mente exi­girá em curto prazo um en­fren­ta­mento à al­tura do de­safio que está posto.

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