Economia

“Modelo de telecomunicações se tornou insustentável”

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Raphael Sanz – O PL 79/2016 está prestes a ser a apro­vado no Se­nado. Re­di­gido pelo de­pu­tado Da­niel Vi­lela (PMDB-GO), faz parte da fa­mi­ge­rada Agenda Brasil de Renan Ca­lheiros e propõe al­te­ra­ções e atu­a­li­za­ções na Lei Geral de Te­le­co­mu­ni­ca­ções (1997), es­pe­ci­al­mente no que se re­fere aos bens re­ver­sí­veis à União, ou seja, o pa­trimônio pú­blico que é uti­li­zado pelas grandes ope­ra­doras. En­tre­vis­tamos Gus­tavo Gindre, jor­na­lista e pes­qui­sador do tema, para dis­cutir este con­tro­verso pro­jeto de lei, que pode causar enorme im­pacto no acesso à banda larga em todo o país.

“Esta mu­dança é uma pés­sima so­lução para um pro­blema real. O pro­blema real é que o mo­delo de te­le­co­mu­ni­ca­ções, do jeito que se en­contra, tornou-se in­sus­ten­tável. O novo pro­blema é que está sendo mu­dado da pior forma pos­sível, guiado pelos in­te­resses das grandes ope­ra­doras de te­le­co­mu­ni­ca­ções”, de­clarou Gindre.

Entre ou­tros as­suntos, ele res­salta a im­por­tância da Oi, que seria su­pos­ta­mente “salva” pela nova lei, pois a per­mi­tiria vender os bens que, de acordo com a le­gis­lação atual, se­riam de­vol­vidos para a União. Por ser o grupo na­ci­onal res­pon­sável pelo abas­te­ci­mento de banda larga em grande parte do país, es­pe­ci­al­mente em es­tados e re­giões que não dis­põem de grande in­fra­es­tru­tura, ele diz que a em­presa “é sim­ples­mente a di­fe­rença entre ter acesso à te­le­fonia fixa e in­ternet e não ter acesso ne­nhum”. Além do fato de a mesma in­fra­es­tru­tura fí­sica ser uti­li­zada para in­ternet e te­le­fonia fixa, o que causa outro pro­blema na in­ter­pre­tação do pro­jeto de lei.

“É fun­da­mental en­con­trar outro mo­delo que ga­ranta a so­bre­vi­vência da Oi. Não adi­anta nada deixar a em­presa vender tudo agora, manter o mo­delo atual e daqui cinco ou seis anos estar que­brada de novo, e sem os bens dos quais ela se desfez, não tendo mais o que fazer para se re­er­guer. Mais im­por­tante do que essa pro­posta do go­verno de li­vrar a cara da Oi e deixá-la vender tudo, é pensar um outro mo­delo, em que sejam me­lhores dis­tri­buídas as obri­ga­ções para as em­presas”, ava­liou.

Leia abaixo a en­tre­vista na ín­tegra.

Cor­reio da Ci­da­dania: O PL 79 que busca al­te­ra­ções na Lei Geral de Te­le­co­mu­ni­ca­ções (1997) foi apro­vado pela Co­missão Es­pe­cial de De­sen­vol­vi­mento Na­ci­onal, no Se­nado. Como avalia este avanço e que mu­danças trará à Lei Geral de Te­le­co­mu­ni­ca­ções?

Gus­tavo Gindre: Esta mu­dança é uma pés­sima so­lução para um pro­blema real. O pro­blema real é que o mo­delo de te­le­co­mu­ni­ca­ções do jeito que se en­contra hoje se tornou in­sus­ten­tável. Esse mo­delo hoje não faz sen­tido e pre­cisa mudar. O pro­blema é que está sendo mu­dado da pior forma pos­sível, guiado pelos in­te­resses das grandes ope­ra­doras de te­le­co­mu­ni­ca­ções.

Na origem, este mo­delo já tem erros graves. Em pri­meiro lugar, por ter apos­tado em uma forma de fa­tiar o país, como fi­zeram os Es­tados Unidos em 1981 e re­vo­garam em 1996, por con­si­derá-la fra­cas­sada: a ideia de re­ta­lhar o país em al­gumas áreas e dis­tri­buir entre as ope­ra­doras.

O Brasil adotou este mo­delo jus­ta­mente em 1997, um ano de­pois de ser con­si­de­rado fra­cas­sado nos EUA. Deu er­rado. E pior: foi pi­o­rado no go­verno Lula com o de­creto de 2008 que per­mitiu a fusão e a compra da Brasil Te­lecom pela Te­lemar – ge­rando a Oi que co­nhe­cemos hoje. O mo­delo foi pi­o­rado porque acabou dei­xando com que uma única em­presa fi­casse com pra­ti­ca­mente todas as obri­ga­ções do mo­delo re­gu­la­tório. No caso, a Oi.

Assim, re­pa­remos: a Amé­rica Movil, que é com­posta por Claro, Em­bratel e NET, não tem obri­gação ne­nhuma. A TIM não tem obri­gação ne­nhuma. A Vivo só tem obri­ga­ções no es­tado de São Paulo, que são bas­tante fá­ceis de cum­prir por ser um es­tado or­ga­ni­zado, com renda e in­fra­es­tru­tura. Já a Oi tem obri­ga­ções em todo o país. E em todas as áreas que não são ren­tá­veis.

Quando se per­mite que grupos es­tran­geiros que já chegam fi­nan­ci­ados no Brasil atuem onde dá lucro, ao passo que se obriga um único grupo na­ci­onal a atuar em todas as áreas que não dão lucro, é obvio que acaba se cri­ando uma as­si­me­tria pre­ju­di­cial a esse grupo na­ci­onal. Assim, esse mo­delo de pri­va­ti­zação que re­ta­lhou o país e de­pois co­locou todas as obri­ga­ções numa única em­presa ob­vi­a­mente não seria sus­ten­tável a longo prazo, ge­rando a si­tu­ação que vemos hoje.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como a crise geral por que passa o país di­a­loga com essa con­jun­tura nas te­le­co­mu­ni­ca­ções? Que in­te­resses es­ta­riam en­vol­vidos?

Gus­tavo Gindre: Há esta con­jun­tura que ex­pli­quei, fora o fato de que a his­tória da Oi po­deria muito bem ser con­tada nas pá­ginas po­li­ciais. Houve de tudo quanto é pi­ca­reta pos­sível e ima­gi­nário, pes­soas que usaram a em­presa para se darem bem e de­pois que a que­braram, lar­garam.

Essa junção de coisas fez com que a Oi se tor­nasse uma em­presa in­viável e fa­lisse. De­vido prin­ci­pal­mente ao mo­delo ela­bo­rado em 1997, que além de tudo é cen­trado na te­le­fonia fixa – e já se sabia na época que a te­le­fonia fixa per­deria seu papel. Por­tanto, esse mo­delo tinha que mudar, por ser in­sus­ten­tável. O pro­blema é que se optou por mudar de uma forma ab­surda, sim­ples­mente di­zendo para as ope­ra­doras, e em es­pe­cial para a Oi, o se­guinte: “olha, vocês agora não vão mais ter obri­gação ne­nhuma, podem pegar os bens de in­fra­es­tru­tura e em vez de de­volver para a União, podem sair por aí ven­dendo esses bens e se sal­varem”.

A Oi, por exemplo, tem perto de 27500 imó­veis que de­veria de­volver à União ao fim do con­trato. Com essa nova lei, ela pode vender esses imó­veis todos. Uma for­tuna em imó­veis. Um re­médio hor­ro­roso para um pro­blema con­creto.

Cor­reio da Ci­da­dania: A in­fra­es­tru­tura de te­le­fonia fixa tem sido usada pela Oi para levar in­ternet aos rin­cões do Brasil. O que muda com a re­dução das obri­ga­ções dos con­tratos de te­le­fonia fixa? Como im­pac­taria o con­su­midor?

Gus­tavo Gindre: Quando, ao for­mular o mo­delo ini­cial, foi pro­posto que se­riam re­ver­sí­veis à União os bens pres­tados em re­gime de con­cessão e não seria pre­ciso re­verter à União os bens pres­tados em re­gime de au­to­ri­zação; do ponto de vista tec­no­ló­gico já es­tava criada uma con­fusão. Isso porque o mesmo cabo que presta te­le­fone fixo e os ser­viços, cujos bens devem ser re­ver­tidos à União, também presta ser­viços de in­ternet que estão em re­gime pri­vado, à base de au­to­ri­za­ções e sem pen­dên­cias com a União.

Ou seja, quando chegar ao fim do con­trato, o que é que se de­volve? Que tipo de bem vai ser de­vol­vido?

Isso com­plicou ainda mais também por conta de outro de­creto do go­verno Lula, quando ele acen­tuou essa con­fusão, que é o cha­mado Plano Geral de Metas e Uni­ver­sa­li­zação 2.5; entre 2008 e 2009, dei­xando ainda mais am­bígua a dis­tinção entre bens re­ver­sí­veis e não re­ver­sí­veis. Hoje já se parte de um pro­blema, que são dois ser­viços de na­tu­reza ab­so­lu­ta­mente dis­tintos: um com bens re­ver­sí­veis à União e outro não; um pres­tado em con­cessão e outro não; um com obri­ga­ções de uni­ver­sa­li­zação e outro não. E esses ser­viços são pres­tados com a mesma in­fra­es­tru­tura. Assim, já temos, de cara, uma com­pli­cação para saber o que é re­ver­sível e o que não é para a União.

No caso da Oi ainda se acres­centa outro pro­blema, porque mais de 2 mil mu­ni­cí­pios bra­si­leiros só dis­põem dessa in­fra­es­tru­tura. Não passa ne­nhuma outra in­fra­es­tru­tura neles. Por­tanto, a Oi, para tais mu­ni­cí­pios, é sim­ples­mente a di­fe­rença entre ter acesso à te­le­fonia fixa e in­ternet e não ter acesso ne­nhum. E esse tipo de si­tu­ação pre­cisa ser le­vada em conta pelo de­creto, sob pena de criar uma si­tu­ação onde os aci­o­nistas da Oi acabem ven­dendo tudo aquilo que dá lucro, já que agora podem fazer isso, e de­volver para a União tudo aquilo que não dá lucro.

Este é um risco cada vez mais con­creto. Se apro­vada essa PEC eles podem vender, por exemplo, a in­fra­es­tru­tura pre­sente em São Paulo, os data cen­ters, a rede de ce­lu­lares e assim por di­ante – a fim de pagar dí­vidas – e o que sobra é a te­le­fonia fixa nos rin­cões do país, que não teria como se sus­tentar por ser de­fi­ci­tária. E logo a de­vol­ve­riam à União. É um risco con­creto.

Cor­reio da Ci­da­dania: A in­fra­es­tru­tura pú­blica trans­fe­rida ao setor pri­vado será de que ordem?

Gus­tavo Gindre: Tem vá­rios es­tudos e cada um aponta para uma di­reção, mas hoje po­demos falar com certa se­gu­rança que li­damos com algo na casa dos 60 ou 70 bi­lhões de reais. É mais ou menos esse o valor que ve­remos de trans­fe­rência de bens pú­blicos para o setor pri­vado. Um pre­juízo con­si­de­rável.

O que acho fun­da­mental é en­con­trar outro mo­delo, que ga­ranta a so­bre­vi­vência da Oi. Não adi­anta nada deixar a em­presa vender tudo agora, manter o mo­delo atual e daqui cinco ou seis anos estar que­brada de novo, e sem os bens dos quais ela se desfez, não tendo mais o que fazer para se re­er­guer.

Mais im­por­tante do que essa pro­posta do Go­verno de li­vrar a cara da Oi e deixá-la vender tudo é pensar um outro mo­delo, em que sejam me­lhores dis­tri­buídas as obri­ga­ções para as em­presas. Es­pe­ci­al­mente porque es­tamos li­dando com grupos es­tran­geiros que já chegam aqui com re­cursos e ca­pa­ci­dades mai­ores, além de terem ou­tros mer­cados a ex­plorar.

Cor­reio da Ci­da­dania: Al­guns crí­ticos têm dito que o pro­jeto visa atender aos in­te­resses das grandes ope­ra­doras de te­le­fonia e ser­viços de in­ternet. Con­corda com isso?

Gus­tavo Gindre: Com cer­teza. As ope­ra­doras desde o início nunca acre­di­taram que te­riam mesmo de de­volver os bens à União. E agora é o que es­tamos a ver.

Cor­reio da Ci­da­dania: Qual sua opi­nião sobre a pos­tura da Anatel em meio a essa con­jun­tura e como os des­do­bra­mentos disto im­pactam no de­sen­vol­vi­mento do país?

Gus­tavo Gindre: A Anatel, na minha ava­li­ação, é uma agência cap­tu­rada. Não sei se ela leva grana, ja­mais faria uma afir­mação dessas sem ter provas. Digo que é cap­tu­rada do ponto de vista ide­o­ló­gico. É uma agência que pensa com a ca­beça das ope­ra­doras.

A Anatel muitas vezes não cumpre seu papel. Por exemplo, a Oi já des­res­peitou tudo quanto é le­gis­lação li­gada a so­ci­e­dades anô­nimas que po­demos ima­ginar, en­quanto a agência foi no mí­nimo omissa em re­lação a isso. Entre ou­tros casos.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como ana­lisa a co­ber­tura da im­prensa sobre o tema? Acre­dita que tenha con­tri­buído com o não-de­bate na so­ci­e­dade cri­ti­cado pelos opo­si­tores do pro­jeto?

Gus­tavo Gindre: A grande im­prensa não tem ne­nhum in­te­resse em fazer uma0 co­ber­tura de forma res­pon­sável. Você vai en­con­trar al­guma coisa um pouco me­lhor no Valor Econô­mico, vol­tado para um pú­blico seg­men­tado, em­pre­sa­rial, ali pode-se achar al­guma coisa que valha a pena.

Mas a grande im­prensa de ca­ráter mais mas­sivo não vai de­bater. Em pri­meiro lugar, porque é um tema com­plexo e a im­prensa tem oje­riza a as­suntos com­plexos. Nada que de­more mais de dois mi­nutos para ser ex­pli­cado o jor­na­lista hoje em dia con­segue su­portar, porque pre­cisa fazer uma in­fi­ni­dade de pautas e não vai se es­pe­ci­a­lizar e nem perder muito tempo com aquilo.

Assim, os as­suntos com­plexos têm uma enorme di­fi­cul­dade de apa­recer na im­prensa por conta da na­tu­reza de pro­dução fa­bril da mesma. E acres­cente-se a isso o fato de que o tema não atende aos in­te­resses co­mer­ciais, por­tanto, muita gente passa a mão na ca­beça do go­verno em re­lação a esse as­sunto.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que pensa da pro­posta da cam­panha “Banda larga é seu di­reito” que diz para ao invés de al­terar o re­gime da in­fra­es­tru­tura de te­le­fonia fixa, propõe re­gu­lação pú­blica da ca­mada de rede e pri­vada da ca­mada de ser­viços? Que ou­tras al­ter­na­tivas existem?

Gus­tavo Gindre: Acho que esta cam­panha é o que há de mais avan­çado em termos de pro­postas da so­ci­e­dade civil. E, no­va­mente, assim como ocorreu no pe­ríodo de pri­va­ti­zação, em que a so­ci­e­dade civil apre­sentou um pro­jeto al­ter­na­tivo apon­tando uma série de erros que havia na­quele pro­cesso, o go­verno ig­nora a so­ci­e­dade, como ig­norou na­quela oca­sião e os pro­blemas apon­tados se tor­naram reais.

Outra vez a so­ci­e­dade civil co­la­bora, apon­tando ques­tões graves e en­ca­mi­nhando su­ges­tões, como, por exemplo, ori­en­ta­ções sobre a pres­tação do ser­viço de banda larga. Ob­vi­a­mente hoje este é o ser­viço mais im­por­tante, não é pos­sível que per­ma­neça sem ne­nhum tipo de obri­gação de uni­ver­sa­li­zação, afinal, em tudo quanto é país no mundo hoje se es­força para uni­ver­sa­lizar a banda larga com po­lí­ticas como, por exemplo, as de­cla­ra­ções es­tru­tu­rais am­plas ao pres­tador de ser­viço e ope­rador da rede.

Há um con­junto de me­didas pro­postas pela so­ci­e­dade civil, es­pe­ci­al­mente por essa cam­panha, que na minha ava­li­ação são o que têm de mais só­lido em termos de pro­postas al­ter­na­tivas. O pro­blema é que o go­verno não pa­rece ter ne­nhum in­te­resse em adotar esse tipo de pro­posta, o que mostra estar com­ple­ta­mente com­pro­me­tido com os in­te­resses das grandes ope­ra­doras.

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