Sociedade

“Discutir mobilidade urbana é vital também para a economia”

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Raphael Sanz – Co­meçou a valer no úl­timo dia 10 mais um au­mento de ta­rifas no trans­porte pú­blico na Grande São Paulo. Dessa vez, a ta­rifa mu­ni­cipal de R$3,80 não au­mentou, mas em com­pen­sação, e é disso que se trata, pre­fei­turas e es­tado uti­li­zaram-se dos sub­sí­dios cru­zados para manter o preço da ta­rifa. Em li­nhas ge­rais, au­men­taram a in­te­gração metrô-ônibus, taxas de ter­minal e li­nhas me­tro­po­li­tanas para com­pensar o con­ge­la­mento da ta­rifa mu­ni­cipal. Como res­posta a este au­mento, o Mo­vi­mento Passe Livre con­vocou duas ma­ni­fes­ta­ções no centro de São Paulo com cerca de duas mil pes­soas. Pa­ra­le­la­mente, a Jus­tiça pau­lista deu ganho de causa à li­minar que bus­cava barrar o au­mento. Ainda assim, para de­bater mais um re­a­juste dos trans­portes e pensar ques­tões es­tru­tu­rais, en­tre­vis­tamos Lucio Gre­gori, en­ge­nheiro civil, pro­fessor da USP e cri­ador da pro­posta de ta­rifa zero.

“Além de res­ta­be­lecer o sub­sídio cru­zado, um atraso mo­nu­mental está na ideia de re­gião me­tro­po­li­tana. O Alckmin fez leis e criou ór­gãos pú­blicos que re­gulam e au­xi­liam as re­giões me­tro­po­li­tanas – pura ba­lela. O fato é que a re­gião me­tro­po­li­tana tem um sis­tema de trans­porte no qual o ci­dadão de Di­a­dema é mu­ni­cipal quando paga os im­postos, mas é me­tro­po­li­tano quando anda de trans­porte co­le­tivo, paga adi­ci­onal no trans­bordo ou anda de EMTU. É uma pa­lha­çada. O que temos é uma re­gião me­tro­po­li­tana no papel, mas sob o ponto de vista da mo­bi­li­dade não é nada além de uma ba­gunça”, ana­lisou Lúcio Gre­gori, ex-se­cre­tário de trans­portes de São Paulo entre 1989 e 1992, du­rante a gestão de Luiz Erun­dina.

Em sua lei­tura, as mo­bi­li­za­ções contra o ta­ri­faço con­vo­cadas pelo MPL não ti­veram baixa adesão, mas co­me­çaram com a mesma que nor­mal­mente con­se­guem atrair – 2013 foi um caso es­pe­cial por haver ocor­rido em junho e ter tido mais re­per­cussão mi­diá­tica. Gre­gori re­a­firma a im­por­tância do MPL e da ju­ven­tude dis­cu­tindo trans­porte e mo­bi­li­dade ur­bana, avalia que este au­mento é um re­tro­cesso e pre­fere não co­mentar a atu­ação da Jus­tiça. Ao invés disso, pensa em ques­tões es­tru­tu­rais, como uma ampla re­forma tri­bu­tária que possa fi­nan­ciar o acesso a ser­viços pú­blicos de qua­li­dade.

“No plano fe­deral pre­ci­samos ins­ti­tuir im­posto sobre grandes for­tunas. Quem fa­tura mi­lhões com juros e di­vi­dendos pre­cisa pagar im­posto. Existem es­tudos que se você co­brar 1% sobre quem tem mais de 1 mi­lhão de reais de pa­trimônio no país, é pos­sível gerar uma re­ceita de mais de 100 bi­lhões de reais no país. Tem a re­forma do im­posto de renda. No âm­bito es­ta­dual pre­ci­samos de uma re­forma do IPVA. Por que ja­tinho e iate não pagam IPVA? No nível mu­ni­cipal é im­por­tante uma re­forma do IPTU tor­nando-o for­te­mente pro­gres­sivo”.

Leia abaixo a en­tre­vista com­pleta.

Cor­reio da Ci­da­dania: Qual sua aná­lise deste re­a­juste nos trans­portes pú­blicos na Grande São Paulo, com au­mento na in­te­gração entre ônibus e tri­lhos, taxas de uti­li­zação de ter­mi­nais pe­ri­fé­ricos e au­mentos em torno de 7% em todas as li­nhas in­ter­mu­ni­ci­pais?

Lúcio Gre­gori: Apa­ren­te­mente, aquilo que foi ven­dido pelo pre­feito Doria como uma no­vi­dade soa mais como re­tro­cesso. É mais do mesmo. É o que cha­mamos de sub­sídio cru­zado. Ou seja, o clás­sico que se fazia nas con­ces­sões de ser­viços pú­blicos de trans­portes para, por exemplo, dar des­conto de 50% da ta­rifa de es­tu­dante – que para ser ban­cada au­men­tava um pouco a ta­rifa dos que pa­gavam in­teira.

Essa fór­mula do sub­sídio cru­zado é atra­sada por duas ra­zões. Em pri­meiro lugar por não re­solver nada, tanto que o trans­porte pú­blico em São Paulo sempre foi pre­cário. Em se­gundo porque acaba jo­gando partes da po­pu­lação uma contra a outra – quem paga um pou­quinho a mais acaba fi­cando com raiva do outro que paga menos.

No caso deste ano em São Paulo, ao fazer esse tipo de ope­ração, o pre­feito Doria não au­menta a ta­rifa de R$3,80 re­gular, mas para com­pensar o con­ge­la­mento au­menta a in­te­gração metrô-ônibus, a taxa de ter­minal e assim por di­ante. Uma forma de dis­tri­buir a ge­ração de re­cursos para ou­tros ser­viços li­gados ao trans­porte a fim de ga­rantir a ma­nu­tenção da ta­rifa atual. Um re­tro­cesso que não al­tera em ab­so­lu­ta­mente nada a forma de se gerir o trans­porte e não tem nada de iné­dito.

Minha in­ter­pre­tação bá­sica é que o pre­feito fez isso numa jo­gada que nega seu ca­ráter au­toim­pu­tado de gestor. Ele é um “po­li­ticão da velha guarda”, que sabe muito bem que o início do go­verno, logo em ja­neiro, é o tempo certo para fazer um re­a­juste ta­ri­fário que vai causar certo des­gaste na opi­nião pú­blica. Para re­me­diar as con­sequên­cias, ele gerou esse su­posto con­ge­la­mento através dos ve­lhos sub­sí­dios cru­zados.

Além de res­ta­be­lecer o sub­sídio cru­zado, um atraso mo­nu­mental está na ideia de re­gião me­tro­po­li­tana. O Alckmin fez leis e criou ór­gãos pú­blicos que re­gu­la­riam e au­xi­li­a­riam as re­giões me­tro­po­li­tanas; pura ba­lela. O fato é que a re­gião me­tro­po­li­tana tem um sis­tema de trans­porte no qual o ci­dadão de Di­a­dema é mu­ni­cipal quando paga os im­postos, mas é me­tro­po­li­tano quando anda de trans­porte co­le­tivo, paga adi­ci­onal no trans­bordo ou anda de EMTU. É uma pa­lha­çada.

O que temos é uma re­gião me­tro­po­li­tana no papel, mas, sob o ponto de vista da mo­bi­li­dade, não é nada além de uma ba­gunça que só serve para ter 600 di­fe­rentes so­lu­ções para pro­blemas que serão ge­ridos por “di­fe­rentes-mesmas” em­presas, com seus res­pec­tivos lu­cros ob­tidos através da ne­ces­si­dade, por parte da po­pu­lação, de usar ônibus in­te­rur­banos de ver­dade. E ela acaba fa­zendo ver­da­deiro papel de idiota. No en­tanto, uma re­gião me­tro­po­li­tana in­te­grada de fato é algo que es­tamos longe de ver por aqui.

Cor­reio da Ci­da­dania: Se­gundo dados do IBGE, a in­flação média ficou em 6,29% em 2016; mas nesse novo ‘ta­ri­faço’, apenas as li­nhas que atendem o ABC fi­caram abaixo (6,10%); todas as ou­tras re­giões da Grande São Paulo acima, in­cluindo os des­ta­cá­veis 7,18% na re­gião de Gua­ru­lhos. O que isso pode dizer do mo­mento do país, de crise econô­mica?

Lúcio Gre­gori: Há dois as­pectos. A pri­meira con­clusão que se tem é que crise no Brasil quem paga são os de baixo. Sempre foi assim, não vemos nada de iné­dito, apenas uma edição pi­o­rada do que sempre foi feito. Se tem crise e in­flação, au­mentam juros, cortam gastos, aprovam di­mi­nuição de sa­lário e gera-se de­sem­prego – mas rico con­tinua não pa­gando im­posto, ban­queiro con­tinua en­ri­que­cendo e não vemos ne­nhuma no­vi­dade. Isso que está acon­te­cendo é o que sempre acon­tece em crises no Brasil porque não con­se­guimos ainda chegar mi­ni­ma­mente se­quer a uma etapa de so­ci­e­dade ca­pi­ta­lista con­tem­po­rânea. Es­tamos ainda nos ve­lhos tempos do co­ro­ne­lismo.

Outro as­pecto é a in­flação, uma dis­cussão com­pli­cada. Sempre digo que a in­flação é uma me­dida de preços de uma cesta de pro­dutos. Mas quando se olha o trans­porte, não se pode fazer uma lei­tura li­near de ní­veis de in­flação, pois há vá­rias coisas en­vol­vidas. Tem o preço do com­bus­tível e a mão de obra, por exemplo. Al­guma dessas coisas pode ter au­men­tado acima ou abaixo da in­flação e pre­ci­samos saber como re­per­cute no cál­culo final de custos. Mas não é o mais re­le­vante, que é saber a forma pela qual são feitos os con­tratos – os cál­culos de como se vão pagar as em­presas de trans­porte – que é ab­so­lu­ta­mente atra­sada.

A ci­dade de São Paulo tem con­tratos que re­mu­neram por pas­sa­geiro trans­por­tado. E aí está o erro ini­cial. Se está acima ou abaixo da in­flação é menos im­por­tante do que ve­ri­ficar que a pre­fei­tura paga por pas­sa­geiro trans­por­tado, quando num sis­tema de trans­porte, ao con­trário de custo, o pas­sa­geiro é a re­ceita. Ou seja, se você paga por pas­sa­geiro, au­to­ma­ti­ca­mente gera ônibus mais lo­tados, com custos me­nores para o em­pre­sário e mais giros de ca­traca por vi­agem. Mais ainda: uma linha é sec­ci­o­nada, o mesmo pas­sa­geiro roda a ca­traca duas vezes. Duas re­ceitas para o em­pre­sário onde se pa­gava uma só.

Isso tudo ilustra uma si­tu­ação pa­té­tica, que vi­vemos pe­ri­o­di­ca­mente nesse país a cada vez que temos mo­mentos de crise, ou mesmo de es­ta­bi­li­dade econô­mica, quando vemos essas so­lu­ções far­sescas, dis­tor­cidas e mal cons­truídas serem postas em prá­tica, coisas de um país ainda muito atra­sado.

Cor­reio da Ci­da­dania: Que ou­tras saídas po­de­riam ser viá­veis para con­tornar essa crise, em es­pe­cial no tema dos trans­porte e di­reito a ci­dade?

Lúcio Gre­gori: A crise no trans­porte é sis­te­má­tica. Estou com 80 anos de idade e con­fesso que poucas vezes ao longo da minha vida eu vi o sis­tema de trans­portes de São Paulo – e do Brasil em geral – de forma sa­tis­fa­tória. Sempre houve cor­rupção, di­fi­cul­dades, falta de verba, ônibus cheio, po­luidor, mal con­ser­vado, caro de­mais, li­nhas in­su­fi­ci­entes e assim por di­ante. Ra­rís­si­ma­mente houve uma época em que pu­dés­semos ter ava­liado o trans­porte pú­blico como um ser­viço bom, de boa qua­li­dade, preço aces­sível ou mesmo pago in­di­re­ta­mente como de­veria ser.

Por outro lado, há uma crise no país e a parte dos trans­portes ur­banos é uma das par­celas da crise. No Brasil, ricos não pagam im­postos. Quem paga im­posto nesse país é pobre e tra­ba­lhador; 0,05% da po­pu­lação, que são cerca de 71 mil pes­soas, ficam com uma renda de 4,1 mi­lhões de reais por ano, e 52 mil dessas não pagam ne­nhum tostão de im­posto, pois re­cebem lu­cros e di­vi­dendos. Isso de­pois de 1997 ou 98, quando o se­nhor FHC isentou lu­cros e di­vi­dendos de pessoa fí­sica do im­posto de renda.

O que as­sis­timos no trans­porte, por falta de re­cursos para ter um ser­viço de boa qua­li­dade e ba­rato, é uma pe­quena es­cala da­quilo que acon­tece em grande es­cala no país: no Brasil, rico não paga im­posto. E pior: dizem que o Brasil tem uma das mais altas cargas tri­bu­tá­rias do mundo e pre­cisa fazer uma re­forma tri­bu­tária por tais ra­zões, o que é um de­lírio. Pre­cisa, sim, de uma re­forma tri­bu­tária, mas para que grandes for­tunas, pa­trimônio e renda pa­guem im­postos pra valer, não o con­trário.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como avalia o pon­tapé ini­cial das jor­nadas contra a ta­rifa, no­va­mente con­vo­cadas pelo MPL e que con­taram com poucas cen­tenas de pes­soas?

Lúcio Gre­gori: O MPL avalia que na pri­meira ma­ni­fes­tação de 2017 houve cerca de 2 mil pes­soas pre­sentes. Vamos usar o nú­mero da ava­li­ação deles, ainda que a dis­cussão sobre a adesão seja sempre po­lê­mica. O que eles ava­liam é que, por exemplo, na pri­meira ma­ni­fes­tação de 2011 havia menos de duas mil pes­soas. Que em 2012 também não tinha muita gente na pri­meira ma­ni­fes­tação.

Em 2013 teve mais gente logo de cara, mas o caso é muito par­ti­cular. A pre­si­dente Dilma, em de­zembro de 2012, pediu a go­ver­na­dores e pre­feitos que adi­assem o re­a­juste ta­ri­fário para junho, nor­mal­mente feito em ja­neiro. Ao fazer isso, a opo­sição, que já tinha de­tec­tado uma alta de in­flação por razão do pe­dido da pre­si­dente, fez um tra­balho ao longo desses seis meses contra o re­a­juste ta­ri­fário e o au­mento da in­flação de tal modo que quando acon­teceu a pri­meira ma­ni­fes­tação, já em junho, ela teve uma re­per­cussão na mídia bem maior do que ha­bi­tu­al­mente tinha.

Hoje, em ja­neiro de 2017, es­tamos no tempo de sempre. No caso deste ano, dada a crise e as me­didas do go­verno Temer, pode deixar aquela sen­sação de que re­al­mente as mo­bi­li­za­ções po­de­riam ter sido muito mai­ores. Mas isso temos que per­guntar para a Rede Globo e a mídia em geral. Por que não deram a de­vida re­per­cussão? Por que não de­ba­teram o as­sunto? Acabam sendo os meios de co­mu­ni­cação os que de­cidem quais ma­ni­fes­ta­ções serão ou­vidas. Cá entre nós, a mídia não é o quarto poder. É o pri­meiro!

Cor­reio da Ci­da­dania: A atu­ação da mídia pode ex­plicar a baixa adesão às ma­ni­fes­ta­ções em com­pa­ração com os anos an­te­ri­ores que o mo­vi­mento co­meçou o ano le­vando al­gumas mi­lhares de pes­soas às ruas?

Lúcio Gre­gori: Mais que isso. A mídia está es­ta­be­le­cendo hoje que são a le­gis­lação tra­ba­lhista e a se­gu­ri­dade so­cial as res­pon­sá­veis pelo que acon­tece como crise no Brasil. É o que a mídia está re­per­cu­tindo o tempo todo. A Re­vista Exame põe na capa o Mick Jagger, com 75 anos, um homem feliz. Pra que iria se apo­sentar, não é?

Estão pas­sando uma ideia equi­vo­cada. A Rede Globo co­meça a fazer uma no­vela com um casal de idosos que não se apo­sentam. Há todo um tra­balho feito na ca­beça das pes­soas para con­vencê-las de que re­al­mente as pes­soas se apo­sentam muito cedo, que temos uma le­gis­lação tra­ba­lhista que onera a folha de pa­ga­mento, e assim por di­ante. Sobre juros que re­pre­sentam 82% do dé­ficit do go­verno… nada!

Eu não diria que houve baixa adesão. É isso que quero dizer. Houve a adesão que há sempre, todo ano. Eu diria que, dada a crise geral, talvez a adesão pu­desse ser maior. Vamos ver o que vai acon­tecer no de­correr das se­manas. Após a se­gunda ma­ni­fes­tação e o ju­di­ciário im­pe­dindo o au­mento, o MPL não tem con­vo­cado mais ma­ni­fes­ta­ções cen­trais, temos que es­perar pra ver. Há um jogo nisso tudo, mas de um modo geral eu quero dizer que a ma­ni­fes­tação es­pe­cí­fica sobre trans­porte co­le­tivo está na es­cala de sempre.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como você in­ter­preta a pre­sença de se­tores li­gados ao PT, ao mesmo tempo que sempre ma­ni­festam des­prezo por esse e ou­tros mo­vi­mentos so­ciais an­ti­ca­pi­ta­listas e pouco sub­missos a sua agenda par­ti­dária?

Lúcio Gre­gori: Em pri­meiro lugar de­ve­ríamos per­guntar pra eles por que não apoiam certas ma­ni­fes­ta­ções e apoiam ou­tras, não é? Eu vejo isso como uma forma pela qual o PT segue se in­se­rindo nas dis­putas pelas ins­ti­tui­ções.

Como ele foi ali­jado do poder, agora está no­va­mente lu­tando pelo poder. O que do ponto de vista de um par­tido po­lí­tico faz parte. É normal e é pre­ciso fazer uma in­ter­pre­tação sobre como o PT tem se com­por­tado nos úl­timos anos em re­lação a essas ques­tões. De acordo com a si­tu­ação ele se com­porta de uma ma­neira di­fe­rente. Se o pre­feito é do PT, não entra nas lutas, cri­tica as ma­ni­fes­ta­ções e fica cheio de dedos. Se o pre­feito é da opo­sição ao PT, ele es­ti­mula a pre­sença na rua. O PT faz sempre uma dis­puta par­ti­dária.

E ao mesmo tempo em que eles es­tavam na ma­ni­fes­tação, eu vi outro dia textos li­gados à mídia do PT cri­ti­cando o MPL em 2013, que teria ido para a rua não pelos 20 cen­tavos, mas para fazer um golpe contra a Dilma. Uma lei­tura com­ple­ta­mente ex­tra­va­gante. O com­por­ta­mento do PT é um com­por­ta­mento po­lí­tico-par­ti­dário-elei­toral.

É im­por­tante lem­brar que graças ao MPL, desde se­tembro de 2015, o trans­porte é um di­reito so­cial nos termos do ar­tigo sexto da Cons­ti­tuição Fe­deral. Isso sig­ni­fica que terá de haver, mais dia menos dia, me­didas para ga­rantir esse pre­ceito cons­ti­tu­ci­onal. Ou seja, de­ci­di­da­mente o trans­porte ur­bano é um pro­blema po­lí­tico que en­volve dis­puta de re­cursos para e dentro do Es­tado.

Cor­reio da Ci­da­dania: Dessa vez só a jus­tiça, antes dos pro­testos, po­derá ser o pro­ta­go­nista da con­tenção da ta­rifa?

Lúcio Gre­gori: Nesta questão da Jus­tiça é pre­ciso ter muito cui­dado, so­bre­tudo aqueles que se ali­nham ao cha­mado setor pro­gres­sista da so­ci­e­dade bra­si­leira. Em certa hora es­tamos fa­lando que a Jus­tiça é com­pro­me­tida com o status quo, que faz o ser­viço para os grandes po­deres etc. Por outro lado, a gente acaba fi­cando eu­fó­rico quando a Jus­tiça barra um au­mento como barrou aqui em São Paulo. Sou cau­te­loso nesse sen­tido.

Hoje eu posso achar ótima a atu­ação da jus­tiça, mas amanhã um pre­feito, como o de Ma­ricá, im­planta um ser­viço de ta­rifa zero e a mesma jus­tiça proíbe o ser­viço. A questão é se ajuste de ta­rifa de trans­porte co­le­tivo é uma questão ju­di­cial ou não. E de que forma. Sou cau­te­loso nesse tipo de re­ação. Não li o pro­cesso mo­vido pela ban­cada do PT na As­sem­bleia e a partir daí não sei por quê a jus­tiça re­solveu barrar o re­a­juste. Tam­pouco posso ava­liar se é per­ti­nente ou não a jus­tiça en­trar no mé­rito de um re­a­juste ta­ri­fário desta ou da­quela ma­neira. Pre­firo uma dis­cussão no campo da po­lí­tica efe­tiva. Ou seja, como fazer po­lí­tica tri­bu­tária no país para ter mais re­cursos, ser­viços pú­blicos de qua­li­dade e no caso dos trans­portes com ta­rifa for­te­mente sub­si­diada – e ta­rifa zero no li­mite.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como essas re­formas po­lí­tica e tri­bu­tária se­riam feitas? De que forma po­demos ter re­cursos para usu­fruirmos de ser­viços pú­blicos de qua­li­dade?

Lúcio Gre­gori: Nor­mal­mente, a po­lí­tica tri­bu­tária no Brasil para fazer trans­porte co­le­tivo sub­si­diado en­volve os âm­bitos fe­deral, es­ta­dual e mu­ni­cipal. A pro­posta ori­ginal de 1990 de re­forma dis­tri­bu­tiva de IPTU é da­tada com os li­mites e nu­ances da época.

No plano fe­deral, pre­ci­samos ins­ti­tuir im­posto (pre­visto na Cons­ti­tuição e ja­mais re­gu­la­men­tado) sobre grandes for­tunas e ou­tros ajustes, aquilo que fa­lamos no início da en­tre­vista. Quem fa­tura mi­lhões com juros e di­vi­dendos pre­cisa pagar im­posto. Existem es­tudos que afirmam que ao se co­brar 1% sobre quem tem mais de 1 mi­lhão de reais de pa­trimônio no país é pos­sível gerar uma re­ceita de mais de cem bi­lhões de reais no país por ano. Tem a re­forma do im­posto de renda, a taxa li­mite de 27,5%, que é ri­dí­cula: nos EUA, Japão e Ca­nadá, por exemplo, chega-se a 40%, 50% e assim por di­ante.

No âm­bito es­ta­dual pre­ci­samos de uma re­forma do IPVA. Por que ja­tinho e iate não pagam IPVA en­quanto o car­rinho 1.0 e a Kombi pagam? No nível mu­ni­cipal é im­por­tante uma re­forma do IPTU tor­nando-o for­te­mente pro­gres­sivo.

Não tem chance de ser uma pe­quena re­forma apenas em um desses ní­veis que vá re­solver o pro­blema, tem de haver um con­junto de re­formas, a tal re­forma tri­bu­tária. E para sair do dis­curso do­mi­nante, pro­ponho o nome de mu­dança tri­bu­tária.

Cor­reio da Ci­da­dania: Sendo um im­por­tante pen­sador e ide­a­li­zador da pro­posta de Ta­rifa Zero, como vê a evo­lução da pauta – es­pe­ci­al­mente de 2013 pra cá?

Lúcio Gre­gori: Vejo de ma­neira po­si­tiva porque tudo isso in­dica que o trans­porte que até um par de anos atrás era as­sunto para es­pe­ci­a­listas de trá­fego, trân­sito, con­ges­ti­o­na­mento e assim por di­ante, passou a ser um pro­blema po­lí­tico na­ci­onal – o que de fato é. Uma dis­cussão po­lí­tica na­ci­onal sobre mo­bi­li­dade ur­bana nas ci­dades é uma coisa vital não só para a po­pu­lação das ci­dades, mas para a eco­nomia do país.

Um di­retor exe­cu­tivo do Banco Mun­dial que es­teve no Brasil, uma opi­nião in­sus­peita, disse que um dos grandes pro­blemas da Amé­rica La­tina é sua ine­fi­ci­ência nos sis­temas de trans­portes ur­banos, o que gera uma de­se­co­nomia e uma ine­fi­ci­ência pro­du­tiva com­pro­me­te­dora.

Por­tanto, sou ex­tre­ma­mente oti­mista: as dis­cus­sões sobre au­mento de ta­rifa, sis­tema de trans­porte e, assim por di­ante, vi­raram dis­cus­sões po­lí­ticas, como têm de ser.

http://correiocidadania.com.br/34-artigos/manchete/12303-lucio-gregori-discutir-mobilidade-urbana-e-vital-tambem-para-a-economia

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