Internacional

Portugal: um ano depois, a “geringonça” e as suas contradições (1)

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Luis Leiria – O go­verno do pri­meiro-mi­nistro An­tónio Costa, do Par­tido So­ci­a­lista, com­pletou no dia 26 de ja­neiro de 2017 um ano e dois meses de exis­tência, con­tra­ri­ando os que ju­ravam que não du­raria mais de um par de meses. Afinal, a “Ge­rin­gonça”, nome pelo qual ficou co­nhe­cida esta ar­qui­te­tura po­lí­tica em que um go­verno mi­no­ri­tário do PS se mantém graças ao apoio par­la­mentar do Bloco de Es­querda, do PCP e dos Verdes, é uma ex­pe­ri­ência iné­dita no país e pa­rece se­guir na con­tramão de uma Eu­ropa onde a di­reita cresce em tantos países cen­trais.

Se­gundo o di­ci­o­nário, uma ge­rin­gonça é uma “coisa mal­feita ou cons­trução com pouca so­lidez”. São sinô­nimos de ge­rin­gonça: en­ge­nhoca, ca­ran­gue­jola. O ape­lido do atual go­verno por­tu­guês foi in­ven­tado por um dos lí­deres da di­reita, pre­vendo que a sua “pouca so­lidez” seria a muito curto prazo com­pro­vada de­vido à fra­gi­li­dade dos acordos po­lí­ticos que lhe deram base. Só que a es­querda gostou do epí­teto, e re­solveu adotá-lo: hoje todo o mundo em Por­tugal se re­fere ao go­verno An­tónio Costa exa­ta­mente assim: a “ge­rin­gonça”.

Re­lem­brando o im­bró­glio

A ver­dade é que o acordo que vi­a­bi­lizou o go­verno do PS nunca acon­te­cera antes e por isso apa­receu como uma iné­dita en­ge­nhoca. Nunca, ex­ce­tu­ando os go­vernos pro­vi­só­rios que se su­ce­deram à Re­vo­lução dos Cravos de 25 de Abril de 1974, o PS acei­tara fazer acordos à sua es­querda, mesmo quando tinha mai­oria par­la­mentar para isso. Sob a Cons­ti­tuição apro­vada em 1975, e salvo epi­só­dicas ex­ce­ções de go­vernos de ini­ci­a­tiva pre­si­den­cial, Por­tugal foi go­ver­nado por dois par­tidos, o Par­tido So­ci­a­lista (PS, li­gado à so­cial-de­mo­cracia in­ter­na­ci­onal) e o Par­tido So­cial De­mo­crata (PSD, que apesar do nome é o prin­cipal par­tido da di­reita ne­o­li­beral, um pouco como o PSDB no Brasil). A eles se jun­tava o Centro De­mo­crá­tico So­cial (CDS, di­reita mais con­ser­va­dora) em di­fe­rentes mo­da­li­dades – em geral aliado ao PSD, mas também chegou a par­ti­cipar de um go­verno com o PS. Estes três par­tidos eram tidos como os do “arco da go­ver­nação”, en­quanto que o Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês (PCP) e, mais tarde, o Bloco de Es­querda – que nasceu em 1999 – eram vistos como “par­tidos de pro­testo”, que nunca te­riam acesso ao poder.

Acon­tece que as elei­ções de 4 de ou­tubro de 2015 ti­veram um re­sul­tado ines­pe­rado: quem ficou em pri­meiro lugar foi a co­li­gação dos mesmos dois par­tidos da di­reita (PSD e CDS) que go­ver­naram du­rante os anos da cha­mada “aus­te­ri­dade”. Aqueles em que tra­ba­lha­dores e apo­sen­tados so­freram vi­o­lentas re­du­ções sa­la­riais e foram obri­gados a pagar so­bre­taxas no im­posto de renda, ao mesmo tempo em que o de­sem­prego dis­pa­rava, as verbas so­ciais eram re­du­zidas e se pri­va­ti­zava o pouco que ainda era es­tatal no país.

Com tantas mal­fei­to­rias, como se ex­plica que ti­vessem fi­cado em pri­meiro lugar nas urnas? Apenas o uso de um ar­ti­fício: apre­sen­taram-se ao voto como co­li­gação e não os dois par­tidos se­pa­ra­da­mente, como é ha­bi­tual. A apa­rente vi­tória era na ver­dade uma der­rota pe­sada: em re­lação às elei­ções an­te­ri­ores, esses par­tidos ti­nham per­dido 730 mil votos e a pos­si­bi­li­dade de obter mai­oria par­la­mentar para go­vernar. Na noite das elei­ções cla­maram “vi­tória”, mas essa pro­cla­mação era falsa e ilu­sória: a di­reita tinha ob­tido o seu se­gundo pior re­sul­tado na his­tória (38,5% dos votos).

Todos os res­tantes par­tidos, pelo con­trário, cres­ceram: o PS (32,3%) ga­nhara 172 mil votos, ob­tendo mais 12 de­pu­tados que em 2011, o Bloco de Es­querda (10,19%) ar­ran­cara mais 260 mil votos, quase du­pli­cando a vo­tação e ga­nhando novos 11 de­pu­tados (num total de 19); fi­nal­mente, a CDU (co­li­gação PCP-Verdes), com (8,25%), con­so­li­dara a vo­tação an­te­rior (mais 4 mil votos) e ga­nhou um de­pu­tado.

PS com pro­grama ne­o­li­beral

Apesar de ter cres­cido em votos e de­pu­tados, o PS teve uma de­cepção com o re­sul­tado elei­toral, porque es­pe­rava ar­rancar uma vo­tação su­pe­rior à da co­li­gação da di­reita, ficar em pri­meiro lugar e go­vernar com tran­qui­li­dade, isto é, com mai­oria par­la­mentar ab­so­luta; em vez disso, foi re­me­tido ao se­gundo lugar. O mau re­sul­tado der­rubou um dos mitos há muito exis­tentes e que foram pul­ve­ri­zados pelas elei­ções de ou­tubro de 2015: o de que o par­tido que quer ga­nhar as elei­ções tem de fazer cam­panha “ao centro”, para con­quistar o elei­to­rado os­ci­lante entre o PS e o PSD.

Para a sua cam­panha elei­toral, An­tónio Costa, o líder do PS, en­car­regou um grupo de eco­no­mistas ne­o­li­be­rais de fazer o seu pro­grama econô­mico. Estes, como seria de es­perar, fi­zeram… Um pro­grama que im­punha novas me­didas de aus­te­ri­dade, como con­gelar as pen­sões (apo­sen­ta­do­rias) du­rante quatro anos, im­pli­cando numa perda de 1,6 bi­lhão de euros aos já de­pau­pe­rados apo­sen­tados, e a fa­ci­li­tação das de­mis­sões, num me­ca­nismo apre­sen­tado como “por con­senso”.

Assim, en­quanto a di­reita pro­metia pros­se­guir a mesma po­lí­tica de aus­te­ri­dade, ga­ran­tindo que “o pior já pas­sara”, o PS apre­sen­tava um pro­grama igual­mente res­tri­tivo.

Com esta dis­puta com a di­reita para ocupar o es­paço do “centro”, era ine­vi­tável que a cam­panha do PS cor­resse mal. Foi o que acon­teceu. No final, quando o de­ses­pero tomou conta, os di­ri­gentes do PS não en­con­traram nada me­lhor do que acenar o es­pan­talho da vi­tória da di­reita, pe­dindo aos elei­tores que não vo­tassem no Bloco de Es­querda ou na CDU, porque eram “votos inú­teis” (che­garam mesmo a dizer que cada voto no Bloco ou na CDU era um voto na di­reita), e cha­mando-os a votar “útil” no PS. Em vez de pro­postas mo­bi­li­za­doras que lhes trou­xessem votos, os di­ri­gentes do PS, porque não as ti­nham, op­taram pela arma do medo.

Desta vez não fun­ci­onou. E com isso caiu outro mito: o de que o voto útil é sempre na opção “menos pior”. Desta vez, o quase um mi­lhão de votos no Bloco de Es­querda e na CDU foram ver­da­dei­ra­mente úteis porque fi­zeram a di­fe­rença.

O de­safio de Ca­ta­rina

O acordo que viria a dar origem à “ge­rin­gonça” co­meçou a nascer no de­bate te­le­vi­sivo entre An­tónio Costa e Ca­ta­rina Mar­tins, de 42 anos, a líder do Bloco, re­pre­sen­tante má­xima de uma ge­ração jovem que as­sumiu re­cen­te­mente o co­mando do par­tido.

Ines­pe­ra­da­mente, Ca­ta­rina lançou um de­safio ao in­ter­lo­cutor: se o PS de­sis­tisse de três pontos do seu pro­grama (con­ge­la­mento de pen­sões, cortes na taxa so­cial única – a con­tri­buição pa­tronal para a Pre­vi­dência So­cial – e o “re­gime de des­pe­di­mento con­ci­li­a­tório” que fa­ci­li­tava as de­mis­sões), o Bloco es­taria dis­posto, no dia se­guinte às elei­ções, a ini­ciar con­ver­sa­ções para poder vi­a­bi­lizar um go­verno al­ter­na­tivo ao da di­reita. Costa ficou mudo di­ante da pro­posta, nada res­pondeu e a líder do Bloco viria a re­peti-la inú­meras vezes no final da cam­panha, num mo­mento em que já era vi­sível nas ruas que a vo­tação do par­tido iria sur­pre­ender.

Hoje é pra­ti­ca­mente con­senso que este de­safio, aliado a uma cam­panha firme contra os que que­riam pros­se­guir a aus­te­ri­dade e obe­decer aos di­tames da União Eu­ro­peia e da “troika” (além da UE, o Banco Cen­tral Eu­ropeu e o FMI), foram de­ci­sivos para o ex­tra­or­di­nário re­sul­tado do Bloco.

Cu­ri­o­sa­mente, o par­tido so­frera antes das elei­ções uma cisão im­por­tante, de uma ala que queria in­serir no seu pro­grama a von­tade de in­te­grar uma so­lução go­ver­na­tiva com o PS. Este novo par­tido, o “Livre – Tempo de Avançar”, apesar de contar com uma ex-de­pu­tada das mais po­pu­lares do Bloco e de um ex-de­pu­tado eu­ropeu também eleito pelo Bloco, fra­cassou es­tre­pi­to­sa­mente, não ele­gendo nin­guém. Por quê? Porque na prá­tica di­luiu o seu pro­grama na pri­o­ri­dade de go­vernar com o PS. Se ele se re­sumia a isto, para quê, então, votar neles e não no pró­prio PS?

Apesar de pa­recer se­me­lhante, a po­lí­tica era oposta à do Bloco. Este apre­sentou o seu pro­grama, bateu forte e feio no PS, e deixou no ar um de­safio que po­deria ser ou não con­cre­ti­zado me­di­ante uma re­lação de forças que apenas os re­sul­tados elei­to­rais po­de­riam es­ta­be­lecer.

Acordos di­fí­ceis

Na noite de 4 de ou­tubro, quando foram di­vul­gados os re­sul­tados, a di­reita exigiu que lhe fosse en­tregue o go­verno, já que ob­ti­vera o pri­meiro lugar nas elei­ções. O então pre­si­dente Ca­vaco Silva, em final de man­dato, fez-lhe a von­tade, com a es­pe­rança de que pelo menos um setor dos so­ci­a­listas não vo­tasse a moção de re­jeição ao novo go­verno, que o Bloco e o PCP ti­nham anun­ciado. Mas foi em vão. O an­te­rior pri­meiro-mi­nistro Passos Co­elho formou um novo ga­bi­nete e foi der­ru­bado 12 dias de­pois – o go­verno mais breve do pe­ríodo pós-74. E, 53 dias de­pois das elei­ções, em 26 de no­vembro, tomou posse o go­verno do PS ba­seado em acordos com o Bloco de Es­querda, o PCP e os Verdes, que lhe ga­ran­tiram a base par­la­mentar para go­vernar, der­ro­tando a moção de re­jeição apre­sen­tada pela di­reita por 122 votos contra 107 e uma abs­tenção, no dia 3 de de­zembro.

Nesses 53 dias, ne­go­ci­a­ções fe­bris de­cor­reram entre PS, Bloco de Es­querda e PCP, que che­garam, com muita di­fi­cul­dade, aos acordos de 10 de no­vembro. Uma imagem das di­fi­cul­dades foi a pró­pria for­ma­li­zação destes acordos. Em vez de um acordo global e de uma ce­rimônia que jun­tasse os quatro par­tidos, como seria normal, foram fir­mados três acordos em se­pa­rado: PS-Bloco de Es­querda, PS-PCP e PS-Verdes. E os mo­mentos das as­si­na­turas destes acordos, também em se­pa­rado, só foram re­gis­trados porque al­guém do PS se lem­brou de os fo­to­grafar. A im­prensa não es­teve pre­sente. Mais tarde soube-se que isto fora assim por exi­gência do PCP, que não per­doara ao Bloco tê-lo ul­tra­pas­sado nas elei­ções, tor­nando-se o ter­ceiro maior par­tido do país.

O fim de um ciclo

É comum aos três acordos, que poucas di­fe­renças têm, a ga­rantia da vi­a­bi­li­zação do go­verno en­quanto ele for cum­prido, o que ba­si­ca­mente sig­ni­fica que os par­tidos da es­querda se com­pro­me­tiam desde logo a der­rotar a re­jeição da di­reita e em se­guida votar a favor de um Or­ça­mento de Es­tado para 2016 ne­go­ciado entre eles. Mas nem PCP nem Bloco en­travam no go­verno.

“O Bloco de Es­querda não pode in­te­grar go­vernos que subs­crevem” com­pro­missos com que o Bloco não con­corda, em que “o povo não foi ou­vido” e que “não per­mitem romper to­tal­mente com a aus­te­ri­dade”, es­cla­receu a líder do par­tido, Ca­ta­rina Mar­tins, na época re­fe­rindo-se ao Tra­tado Or­ça­mental da União Eu­ro­peia, que força os países a ter dé­fi­cits in­fe­ri­ores a 3%, e à ne­ga­tiva do PS de re­es­tru­turar a dí­vida pú­blica, que su­foca a eco­nomia do país.

Mas isto não queria dizer que os blo­quistas não dessem im­por­tância ao que ti­nham fir­mado. “Este acordo não ga­rante a trans­for­mação de que o país pre­cisa. Mas re­pre­senta um virar de pá­gina, o fim de um ciclo em que a po­breza nunca parou de au­mentar e os sa­lá­rios e pen­sões (apo­sen­ta­do­rias) nunca pa­raram de di­mi­nuir”, su­blinha Ca­ta­rina Mar­tins, para quem “o grande de­safio” co­me­çava na­quele mo­mento. “Ha­ve­remos de ter um país um pouco mais justo. Este acordo e a der­rota da di­reita é apenas um bom co­meço”.

Os textos dos acordos podem sem lidos aqui, aqui e aqui. O Es­querda.net pu­blicou um dossiê sobre o acordo.

O oposto do Sy­riza

Na prá­tica, Bloco e PCP acei­tavam a im­po­sição do PS de não pôr em causa as re­gras da União Eu­ro­peia, não ab­di­cando de se po­si­ci­onar contra elas – e sa­bendo que as con­tra­di­ções iriam surgir. Mas obri­gavam o go­verno a pro­curar outra via que não a da aus­te­ri­dade. Os acordos ga­rantem a de­vo­lução de sa­lá­rios, apo­sen­ta­do­rias e di­reitos rou­bados pelo go­verno an­te­rior, o des­con­ge­la­mento das pen­sões, o com­bate à pre­ca­ri­e­dade, o au­mento do sa­lário mí­nimo para atingir os 600 euros na le­gis­la­tura de quatro anos, com au­mentos de 5% nos dois pri­meiros anos; anula pro­postas que o PS avan­çara na cam­panha, como os cortes na Pre­vi­dência So­cial ou o re­gime con­ci­li­a­tório das de­mis­sões.

Ficou também es­ta­be­le­cido o fim da so­bre­taxa e o au­mento da pro­gres­si­vi­dade do im­posto de renda; o fim das pri­va­ti­za­ções e a re­versão das já re­a­li­zadas nas em­presas de água, da EGF (tra­ta­mento de re­sí­duos) e dos trans­portes co­le­tivos de Lisboa e Porto. No geral, ficou claro que se punha fim à po­lí­tica de em­po­bre­ci­mento le­vada a cabo pelo go­verno an­te­rior. Se o PS quiser aceitar novas im­po­si­ções da União Eu­ro­peia, terá de fazê-lo sem cortar nem sa­lá­rios nem apo­sen­ta­do­rias, nem deixar de au­mentar o sa­lário mí­nimo, nem fazer novas pri­va­ti­za­ções. Caso con­trário, es­tará rom­pendo o que foi fir­mado.

Numa pa­lavra, os acordos de Por­tugal re­pre­sentam uma po­lí­tica que, apesar das li­mi­ta­ções, é o oposto do que o Sy­riza, na Grécia, aceitou fazer. Re­cor­demos que em julho de 2015, apesar de um re­fe­rendo em que a mai­oria do povo grego re­jei­tava a de­ter­mi­nação da “troika” de impor uma eco­nomia de guerra ao país, o go­verno do Sy­riza ca­pi­tulou e aceitou aplicar os planos im­postos pela União Eu­ro­peia. O re­sul­tado foi a apli­cação de um ex­ten­sís­simo pro­grama de pri­va­ti­za­ções, o es­ma­ga­mento ainda maior de sa­lá­rios e apo­sen­ta­do­rias, a perda de di­reitos tra­ba­lhistas.

Em troca de nada: um ano e meio de­pois, a eco­nomia grega con­tinua tão de­vas­tada quanto antes e as im­po­si­ções pros­se­guem. Em de­zembro de 2016, uma greve geral pro­testou contra novos cortes or­ça­men­tais e a al­te­ração das leis tra­ba­lhistas para fa­ci­litar as de­mis­sões e tornar mais di­fícil a re­a­li­zação de greves.

Por que o PS aceitou o acordo?

Em pri­meiro lugar, por uma questão de so­bre­vi­vência. O fan­tasma do Pasok grego, que pra­ti­ca­mente de­sa­pa­receu no país, nunca deixou de as­som­brar os di­ri­gentes so­ci­a­listas. Se o PS vi­a­bi­li­zasse um novo go­verno de Passos e Portas, con­ti­nui­dade do an­te­rior (abs­tendo-se, por exemplo, na moção de re­jeição), uma boa parte do seu elei­to­rado en­traria em fúria e a crise po­deria ser fatal. Foi essa, re­cen­te­mente, a opção do PSOE es­pa­nhol, o que pro­vocou a prévia de­missão de seu se­cre­tário-geral e uma fra­tura do par­tido.

É que o exe­cu­tivo de Passos Co­elho não fora qual­quer go­verno. Nunca, de­pois de 1974, houve um go­verno que de­mons­trasse tanta sanha no ataque aos tra­ba­lha­dores, aos apo­sen­tados, aos po­bres, aos fra­gi­li­zados pela do­ença, aos jo­vens, aos de­sem­pre­gados. To­tal­mente sub­ser­vi­ente às po­lí­ticas do go­verno alemão, que é quem manda na União Eu­ro­peia, pro­curou sempre ser “mais troi­kista que a ‘troika’”, agra­vando as me­didas de aus­te­ri­dade para além do que lhe fora exi­gido. Foi o exe­cu­tivo que con­vidou a sua po­pu­lação a sair do país, apre­sen­tando a emi­gração como uma “opor­tu­ni­dade”. Que sus­tentou que os por­tu­gueses ti­nham an­dado muitos anos a “viver acima das pos­si­bi­li­dades”, e por isso te­riam de pagar a fa­tura. Que tomou inú­meras me­didas de des­truição do Es­tado So­cial, par­ti­cu­lar­mente na Se­gu­rança So­cial, na Saúde e na Edu­cação.

Ora, An­tónio Costa não é um Corbyn (o atual di­ri­gente dos tra­ba­lhistas do Reino Unido, líder da es­querda do La­bour), não é se­quer o que se po­deria chamar de “so­ci­al­de­mo­crata de es­querda”. Mas os acordos com os par­tidos à sua es­querda eram a única pos­si­bi­li­dade que ele tinha de chegar a pri­meiro-mi­nistro, mesmo tendo fi­cado em se­gundo lugar nas elei­ções. E era for­çoso, pela ma­te­má­tica elei­toral, que o acordo in­te­grasse tanto o Bloco quanto o PCP. Se um deles se ex­cluísse, não ha­veria mai­oria no par­la­mento.

O Bloco e o PCP fi­zeram o certo?

Na opi­nião deste es­criba, que não es­conde a sua fi­li­ação ao Bloco de Es­querda, sim, fi­zeram o que ti­nham de fazer. Não firmar acordo algum, por uma questão de prin­cípio ou em nome de um pro­grama má­ximo que o PS não pu­desse aceitar, sig­ni­fi­caria a con­ti­nui­dade do go­verno Passos-Portas, o mesmo dos ter­rí­veis quatro anos an­te­ri­ores. A des­mo­ra­li­zação que esta forma in­di­reta de vi­a­bi­lizar um go­verno da di­reita pro­vo­caria entre os tra­ba­lha­dores, os jo­vens, os apo­sen­tados, todos aqueles que so­freram bru­tal­mente e se mo­bi­li­zaram contra o go­verno seria tal que as fe­ridas dei­xadas iriam de­morar anos e anos a sarar.

Os elei­tores do Bloco e do PC não con­se­gui­riam com­pre­ender a in­ca­pa­ci­dade de se chegar a um acordo, por mí­nimo que fosse, para im­pedir que os te­ne­brosos Passos e Portas con­ti­nu­assem a go­vernar. Por isso, se um dos dois par­tidos “ro­esse a corda” e saísse do acordo, seria ime­di­a­ta­mente res­pon­sa­bi­li­zado pela ma­nu­tenção de Passos Co­elho no go­verno, o que equi­va­leria a um sui­cídio po­lí­tico.

Não é à toa que entre as vá­rias cor­rentes in­ternas do Bloco de Es­querda houve con­senso na po­lí­tica de ne­go­ciar as con­di­ções para dar su­porte par­la­mentar ao go­verno PS, e ne­nhuma voz se le­vantou contra o acordo. Mas todos sa­biam que a sua con­cre­ti­zação seria muito di­fícil, porque An­tónio Costa seria muito pres­si­o­nado pela União Eu­ro­peia para pros­se­guir a aus­te­ri­dade e adotar novas me­didas, novos cortes.

A pos­si­bi­li­dade de a União Eu­ro­peia usar armas como san­ções para punir o país que não se­guia os seus câ­nones e aban­do­nava as re­ceitas da aus­te­ri­dade era enorme. E ainda é hoje, pas­sado mais de um ano. Por outro lado, mesmo sa­bendo que sem re­ne­go­ciar a dí­vida pú­blica e de­so­be­decer às or­dens de Bru­xelas não são pos­sí­veis so­lu­ções de fundo que ga­rantam o re­gresso con­sis­tente do cres­ci­mento e a re­dução drás­tica do de­sem­prego, o Bloco apostou em de­mons­trar que apesar desse gar­rote se pode acabar com a po­lí­tica de em­po­bre­ci­mento do go­verno an­te­rior, que é men­tira que não haja al­ter­na­tiva à aus­te­ri­dade e que as pres­sões e pro­postas do Bloco e do PCP pro­duzem re­sul­tados. Com isso se acom­panha a ex­pe­ri­ência dos tra­ba­lha­dores a ca­minho dos cho­ques que ine­vi­ta­vel­mente che­garão, com a União Eu­ro­peia, com o go­verno ou com os dois.

Há o risco de criar ilu­sões de que a “ge­rin­gonça” é a so­lução para tudo e basta es­perar que ela re­solva os pro­blemas e baixar os braços, dei­xando de lutar? Há, e o Bloco tem cons­ci­ência de que está no fio da na­valha. Por um lado, tem de de­mons­trar que as suas pro­postas, na prá­tica, me­lhoram a vida de pes­soas con­cretas, reais. Por outro, tem de in­sistir que não pode haver uma saída du­ra­doura sem que o país se veja livre do peso da dí­vida e rompa com as re­gras da UE.

Esse é um equi­lí­brio di­fícil e ar­ris­cado. Mas um par­tido que chega aos dez por cento dos votos tem res­pon­sa­bi­li­dades acres­cidas. Pre­cisa sair da mera pro­pa­ganda e correr riscos. E apostar em vencê-los.

Por outro lado, o com­pro­misso do Bloco, PCP e Verdes abrange apenas as ma­té­rias cons­tantes dos acordos. Sobre ou­tras ques­tões que não constam do texto fir­mado, os par­tidos de es­querda têm total li­ber­dade de dis­cordar e votar contra o go­verno, como acon­teceu prin­ci­pal­mente em ques­tões fi­nan­ceiras como o res­gate do banco Banif, a so­lução para o Novo Banco (o su­cessor do fa­lido Banco Es­pí­rito Santo) ou, na que cons­ti­tuiu a pri­meira crise séria da “ge­rin­gonça”, a re­dução da TSU pa­tronal (parte da con­tri­buição pre­vi­den­ciária dos tra­ba­lha­dores paga pelos pa­trões) para com­pensar o pa­tro­nato pelo au­mento do sa­lário mí­nimo.

Sobre este úl­timo tema, fa­la­remos adi­ante.

http://correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12319-portugal-um-ano-depois-a-geringonca-e-as-suas-contradicoes-1

Leia o artigo 2 – https://controversia.com.br/3067

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