Internacional

Obama na política internacional: o peso do sistema

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Luiz Eça – Como se sabe, o pre­si­dente dos EUA é o homem mais po­de­roso do pla­neta. Mas ele não manda tanto quanto a frase faz supor.

O cha­mado “sis­tema” cos­tuma ser mais forte. Co­me­çando pelo seu prin­cipal ator, o Con­gresso, a quem cabe o papel de aprovar leis, além de contar com ou­tras atri­bui­ções que lhe per­mitem cortar as asas de qual­quer ocu­pante da Casa Branca com pre­ten­sões de voar alto.

Ao con­trário do que existe no Brasil, o pre­si­dente dos EUA não pode apre­sentar leis em qual­quer das casas do Con­gresso, ou seja, o Se­nado e a Casa de Re­pre­sen­tantes (Câ­mara dos De­pu­tados).

Certo que ele dispõe das cha­madas “or­dens exe­cu­tivas”, ver­da­deiros de­cretos-lei, que dis­pensam apro­vação de re­pre­sen­tantes e se­na­dores. No en­tanto, em muitos casos, elas podem ser tor­nadas sem efeito pelos par­la­men­tares através dos va­ri­ados re­cursos da com­plexa rede de leis e re­gu­la­mentos es­ta­du­ni­denses.

Sem contar que seus su­ces­sores na Casa Branca po­derão can­celar sem ex­pli­ca­ções qual­quer ordem-exe­cu­tiva emi­tida pelo go­verno an­te­rior.

Claro, o pre­si­dente tem o poder de veto às de­ci­sões do Le­gis­la­tivo que não lhe agradem. É uma arma forte, pois vetos pre­si­den­ciais só podem ser der­ru­bados por uma mai­oria de 2/3, nor­mal­mente di­fícil de ser al­can­çada.

Também in­fluem em muito nas de­ci­sões dos pre­si­dentes dos EUA as po­de­rosas cor­po­ra­ções e res­pec­tivos lob­bies, que de­fendem seus in­te­resses, con­tri­buindo com vastos re­cursos fi­nan­ceiros para con­quistar o apoio dos par­la­men­tares.

Somem-se a tais grupos os lob­bies de Is­rael e das Armas, prin­ci­pal­mente, que uti­lizam os mesmos ar­gu­mentos “fi­nan­ceiros” para co­locar do seu lado mem­bros do Le­gis­la­tivo e da Ad­mi­nis­tração.

Não vamos es­quecer o Pen­tá­gono, cuja voz é sempre res­pei­tada (quando não te­mida) pelas fi­guras que detêm, ao menos, uma fração do poder. Estas ca­te­go­rias, que cons­ti­tuem o “sis­tema”, cos­tumam ser tra­tadas com be­ne­vo­lência e res­peito pela grande mídia e pela im­prensa do in­te­rior do país.

Con­tra­riar todas, ou mesmo parte delas, torna-se uma missão que beira o im­pos­sível para qual­quer pre­si­dente. Ele pre­cisa de muita co­ragem, equi­lí­brio, es­pí­rito pú­blico e ha­bi­li­dade para con­se­guir o que quer.

Di­ante dessa re­a­li­dade, o pen­sa­mento de um pre­si­dente dos EUA nor­mal­mente não cor­res­ponde a grande parte, se não à mai­oria, das ações do seu go­verno.

Ba­rack Obama é, sem dú­vida, um po­lí­tico de ideias pro­gres­sistas, li­beral e hu­ma­nista, que chegou à Casa Branca com a in­tenção de mudar os EUA.

Será que seu go­verno con­se­guiu?

Na po­lí­tica in­ter­na­ci­onal, a mu­dança pre­ten­dida seria subs­ti­tuir o tra­di­ci­onal ob­je­tivo im­pe­rial do seu país por uma li­de­rança vol­tada para a ga­rantia da ordem e da paz uni­ver­sais, com base na jus­tiça e no res­peito aos di­reitos hu­manos, a nor­tear as re­la­ções entre todos os povos.

Ele até que tentou ser fiel às suas pro­messas de mu­dança. Em 2009, logo nos pri­meiros meses do seu go­verno, Obama pro­curou re­atar re­la­ções com o Irã, per­didas em 1953, quando um golpe mon­tado pela CIA der­rubou o go­verno na­ci­o­na­lista e de­mo­crá­tico do pre­mier Mos­sa­degh. Que fi­caram ainda mais ra­di­ca­li­zadas em 1979, com a in­vasão da em­bai­xada norte-ame­ri­cana em Teerã por es­tu­dantes, os quais man­ti­veram se­ques­trados 56 di­plo­matas du­rante 414 dias, en­quanto o go­verno de Teerã la­vava as mãos.

Através de um vídeo, Obama fez um apelo de paz ao povo ira­niano, ofe­re­cendo “um novo co­meço” nas re­la­ções entre as duas na­ções, para en­cerrar 30 anos de ani­mo­si­dade re­cí­proca.

Se­guiram-se di­versos acenos de boa von­tade da Casa Branca. No meio do ano, a apro­xi­mação nau­fragou após Obama con­denar du­ra­mente a vi­o­lenta re­pressão do go­verno de Teerã à “Re­vo­lução Verde,” que mo­bi­lizou mul­ti­dões de opo­si­ci­o­nistas pro­tes­tando contra fraudes nas elei­ções pre­si­den­ciais lo­cais.

Em 2015, com o pró­prio Irã, Obama acabou re­gis­trando a maior vi­tória do seu go­verno ao pro­mover acordo com os ira­ni­anos, que adiou por 10 anos ou mais um even­tual pro­grama nu­clear bé­lico desse país.

O sis­tema saiu per­dendo, apesar das vo­ci­fe­ra­ções e ame­aças de Ne­tanyahu, das ma­no­bras dos par­la­men­tares re­pu­bli­canos e de anos de cam­pa­nhas de opi­nião pú­blica de­mo­ni­zando o Irã, dis­pa­radas por po­lí­ticos, jor­nais e lob­bies pró-Is­rael.

Pri­ma­vera Árabe

En­quanto o acordo nu­clear com o Irã tem sido co­lo­cado cor­re­ta­mente em pri­meiro lugar entre os su­cessos de Obama, seu maior fra­casso seria na Síria, con­forme sus­tenta pra­ti­ca­mente toda a mídia.

Um equí­voco. Ve­jamos como os fatos se pas­saram. Em­pol­gados pela Pri­ma­vera Árabe, opo­si­ci­o­nistas sí­rios ini­ci­aram ma­ni­fes­ta­ções contra o go­verno Assad. A re­pressão vi­o­lenta gerou um mo­vi­mento re­vo­lu­ci­o­nário, ao qual ade­riram mi­li­tares que de­ser­taram do exér­cito.

A Arábia Sau­dita, o Catar e a Tur­quia, por ra­zões po­lí­ticas e também re­li­gi­osas (no caso dos dois pri­meiros), pas­saram a apoiar os re­beldes com armas e mu­ni­ções. O go­verno Obama os imitou, jus­ti­fi­cando sua in­ter­venção pelas tor­turas e ou­tras bru­ta­li­dades pra­ti­cadas pelo re­gime du­rante o con­flito.

E a voz de Obama fez-se ouvir em todo o mundo, de­cla­rando que Assad per­dera sua re­pre­sen­ta­ti­vi­dade e de­veria ser de­fe­nes­trado. A jus­ti­fi­cação do go­verno dos EUA não colou muito.

Afinal, a Arábia Sau­dita, aliada na guerra, tinha um go­verno mais to­ta­li­tário e vi­o­lador dos di­reitos hu­manos do que o de Assad. Nem por isso Obama pediu a queda da mo­nar­quia sau­dita, com quem man­tinha uma só­lida re­lação de ami­zade.

Com a en­trada em massa de grupos is­lâ­micos, em geral jiha­distas, nas hostes re­beldes, que pra­ti­cavam os mesmo atos con­de­ná­veis atri­buídos a Assad, ficou ainda mais claro que os mo­tivos dos EUA não po­de­riam ser hu­ma­ni­tá­rios. Na ver­dade, ra­zões po­lí­ticas pa­re­ciam estar atrás da po­sição anti-Assad dos EUA.

O re­gime de Da­masco en­trara na lista negra de Washington quando re­beldes ira­qui­anos, vindos da Síria, ha­viam pe­ne­trado no Iraque para atacar as forças de ocu­pação. Assad negou sua res­pon­sa­bi­li­dade, chegou mesmo a barrar re­beldes nas fron­teiras, mas os EUA não o per­do­aram.

Mesmo porque a Síria vinha se apro­xi­mando da Rússia e do Irã, dois dos mai­ores ini­migos dos EUA, que, aliás, es­tavam for­ne­cendo ar­ma­mentos ao exér­cito de Assad.

Apesar da ajuda dos EUA e ali­ados aos se­tores mo­de­rados, a re­vo­lução só ga­nhou forças graças aos grupos is­lâ­micos jiha­distas.

Eles se tor­naram pre­do­mi­nantes, cri­ando um pro­blema para Obama, já que eram hostis ao Oci­dente e seus “va­lores de­mo­crá­ticos”.

Esse fato e a re­jeição com­pleta do povo norte-ame­ri­cano a in­ter­ven­ções ar­madas dei­xaram Obama numa saia justa.

Ele optou por au­mentar a quan­ti­dade e qua­li­dade das armas en­vi­adas, pro­cu­rando evitar que caíssem em mãos dos ali­ados jiha­distas, que, no caso de vi­tória da re­vo­lução, pro­va­vel­mente as usa­riam contra in­te­resses es­ta­du­ni­denses.

Há quem sus­tente que Obama po­deria vi­brar um golpe de­ci­sivo no go­verno Assad, bom­bar­de­ando Da­masco, em re­ta­li­ação ao uso de armas quí­micas pelo exér­cito do go­verno (fato que, na oca­sião, ainda es­tava em in­ves­ti­gação).

O go­verno va­cilou – afinal, Assad era o pre­si­dente da nação. Havia sido re­e­leito por grande mai­oria, ven­cendo vá­rios par­tidos de opo­sição, em­bora os mai­ores lí­deres dessa cor­rente es­ti­vessem no exílio, atu­ando na re­vo­lução. Si­tu­ação idên­tica acon­teceu no Egito, após o golpe mi­litar.

O ma­re­chal Sissi ga­nhou as elei­ções, sem can­di­datos do prin­cipal opo­sitor – Ir­man­dade Mu­çul­mana -, todos presos ou exi­lados. E John Kerry saudou sua eleição como a en­trada do Egito na de­mo­cracia…

No de­correr da guerra síria, os re­beldes pas­saram à ofen­siva. Com a pers­pec­tiva de der­rota de um dos seus poucos ali­ados no Ori­ente Médio, a Rússia de­cidiu in­tervir.

Sua força aérea foi lan­çada para apoiar o exér­cito do go­verno, bom­bar­de­ando as forças do ini­migo.

Não havia nada de ilegal, afinal Assad havia sido eleito em elei­ções apa­ren­te­mente justas. E Moscou virou o jogo, in­dig­nando o Oci­dente.

Ale­gava que seu alvo eram os grupos ter­ro­ristas, ini­migos de todas as na­ções ci­vi­li­zadas.

O pro­blema é que os aviões russos es­tavam ata­cando “aci­den­tal­mente” também os mo­de­rados. Con­forme Putin, era im­pos­sível dis­tingui-los dos jiha­distas, pois di­vi­diam os mesmos es­paços.

Obama ficou im­pe­dido de in­tervir com seus aviões, pois po­deria re­sultar num con­fronto di­reto contra a avi­ação russa, com riscos de se pro­vocar uma guerra mun­dial.

No mo­mento, a so­lução que agora se abre para o novo pre­si­dente dos EUA é ne­go­ciar uma paz hon­rosa, plan­tando-se as bases de um novo re­gime, onde, ao menos numa fase de tran­sição, Assad, em van­tagem, teria de par­ti­cipar. Ad­mita-se que Obama saiu per­dendo, mas não que seja seu maior fra­casso.

As cir­cuns­tân­cias da guerra li­mi­taram suas chances. E mesmo que os re­beldes apoi­ados por ele ven­cessem, seria uma vi­tória de Pirro: os po­de­rosos grupos jiha­distas trans­for­ma­riam a Síria num caos, a exemplo do que acon­tece na Líbia.

Pa­les­tina, o grande fra­casso

Acre­di­tando que po­deria con­quistar a boa von­tade do go­verno Ne­tanyahu para que acei­tasse a cri­ação de um Es­tado pa­les­tino in­de­pen­dente e viável, fez toda a sorte de con­ces­sões e fa­vores ao go­verno de Te­la­vive.

Tais como de­fender as ações de Is­rael, justas ou in­justas, em todos os fó­runs in­ter­na­ci­o­nais.

Em­bora pro­va­vel­mente com dores na cons­ci­ência, Obama não con­denou os mas­sa­cres de Gaza, ale­gando que “Is­rael tem o di­reito de se de­fender”; aceitou as de­mo­li­ções de casas de pa­les­tinos e a ex­pulsão dos ha­bi­tantes da re­gião; de­clarou legal o ataque contra a Frota da Li­ber­dade, que as­sas­sinou 8 mi­li­tantes; nada opôs ao tra­ta­mento brutal dos me­nores pa­les­tinos e a ou­tras vi­o­la­ções dos di­reitos hu­manos pra­ti­cadas pelo go­verno Ne­tanyahu, além de vetar ou tra­ba­lhar contra re­so­lu­ções da ONU con­de­nando tais mal­fei­to­rias.

Além disso, os EUA con­cedeu um au­mento no sub­sídio de 30 para 38 bi­lhões de dó­lares, du­rante 10 anos, pres­tado ao exér­cito is­ra­e­lense, que já é o maior do Ori­ente Médio, para pro­teger Is­rael da ameaça ine­xis­tente e im­pro­vável dos países is­lâ­micos vi­zi­nhos.

Essas be­nesses não são de amigo para amigo, mas de pai e mãe para filho. Ne­tanyahu res­pondeu sa­bo­tando todas as ne­go­ci­a­ções de paz na Pa­les­tina de ini­ci­a­tiva de Obama. Chegou a ir dis­cursar em pleno Se­nado dos EUA para tentar des­truir o acordo nu­clear com o Irã, po­lí­tica fun­da­mental do pró­prio go­verno norte-ame­ri­cano.

Obama levou anos para per­ceber que o go­verno de ul­tra­di­reita de Is­rael não tinha in­te­resse algum na in­de­pen­dência da Pa­les­tina, con­forme o pró­prio Ne­tanyahu afirmou na sua cam­panha elei­toral. Só aí Obama re­solveu atacar os mal­feitos is­ra­e­lenses.

Suas crí­ticas tor­naram-se bem mais duras, as di­ver­gên­cias foram além das antes pá­lidas pre­o­cu­pa­ções ofi­ciais, in­cluindo até in­for­ma­ções va­zadas na im­prensa. E as con­de­na­ções ofi­ciais a atos ile­gais is­ra­e­lenses foram mais fre­quentes, ame­a­çando por li­mites à tra­di­ci­onal de­fesa in­con­di­ci­onal dos in­te­resses de Te­la­vive.

Entre ou­tras crí­ticas, Obama en­trou de pé alto, em en­tre­vista a uma rádio is­ra­e­lense: “as pro­postas de paz de Ne­tanyahu in­cluíam tantas ad­ver­tên­cias, tantas con­di­ções, que não é re­a­lís­tico pensar que essas con­di­ções po­de­riam ser aten­didas em qual­quer mo­mento num fu­turo pró­ximo”.

A nova pos­tura do pre­si­dente norte-ame­ri­cano chegou ao ápice na abs­tenção na vo­tação de re­so­lução, que não só con­denou os as­sen­ta­mentos, mas também de­ter­minou o fim de sua ex­pansão, com re­la­tó­rios da si­tu­ação a cada três meses. O que tor­nava Ne­tanyahu res­pon­sável pelo cum­pri­mento da re­so­lução da ONU.

In­fe­liz­mente, a ou­sadia do pre­si­dente é pra­ti­ca­mente ine­ficaz pelas po­si­ções 100% pró-Is­rael do novo pre­si­dente dos EUA.

Será um triste epí­logo na his­tória dos man­datos de Obama que em oito anos não con­se­guiu ab­so­lu­ta­mente nada para os pa­les­tinos.

Di­fi­cil­mente existe uma causa mais im­por­tante do que a li­ber­tação de um povo, sob 68 anos da ocu­pação es­tran­geiras.

O go­verno Obama dis­punha de poder capaz de do­brar as re­sis­tência dos ul­tra­di­rei­tistas de Te­la­vive, ainda mais com a mai­oria dos países eu­ro­peus pronta a formar a seu lado.

Po­deria ame­açar cortar os 38 bi­lhões para o exér­cito de Is­rael e votar no Con­selho de Se­gu­rança da ONU contra todas vi­o­la­ções de di­reitos hu­manos e das leis in­ter­na­ci­o­nais pra­ti­cadas por Ne­tanyahu. For­çando-o a con­cordar com um acordo justo para tornar re­a­li­dade a so­lução dos dois Es­tados.

Claro, seria uma ta­refa de Her­cules vencer a po­de­rosa opo­sição do sis­tema, sua tre­menda con­junção das forças dos lob­bies pró-Is­rael e do di­nheiro dos seus bi­li­o­ná­rios apoi­a­dores, das in­dús­trias de ar­ma­mentos ad­versas a uma da paz que re­du­ziria seus lu­cros, do Pen­tá­gono sempre com a mão no ga­tilho, dos inú­meros veí­culos de mídia es­pa­lhados pelos de EUA e, prin­ci­pal­mente, dos par­la­men­tares re­pu­bli­canos e de­mo­cratas sempre em guarda pela de­fesa dos in­te­resses is­ra­e­lenses. O que de­mons­traram ao re­agir fu­ri­o­sa­mente à abs­tenção fatal, pla­ne­jando pro­testos e mesmo a anu­lação da abs­tenção na ONU.

Pro­va­vel­mente Obama so­nhava em re­a­lizar a in­de­pen­dência pa­les­tina. Mas não teve força po­lí­tica ou co­ragem para en­frentar o Le­viatã. Na dú­vida, não se deve culpá-lo pelo maior dos seus fra­cassos.

Não estou certo de que esse mesmo cri­tério seja apli­cado à questão de Guan­tá­namo. Obama pro­meteu fe­char a ins­ta­lação em um ano, emi­tindo or­dens exe­cu­tivas nesse sen­tido.

Guan­tá­namo

Mas a mai­oria re­pu­bli­cana no Con­gresso tornou-as sem efeito, vo­tando me­dida que proibia a alo­cação de re­cursos para trans­ferir presos ao ter­ri­tório dos EUA e aos países que os aco­lhessem. Obama pre­feriu não vetar.

Talvez te­mendo uma der­rota (im­pro­vável), talvez pro­cu­rando con­tem­po­rizar para, aos poucos, ir des­po­vo­ando Guan­tá­namo. Até não ficar mais nin­guém. Guan­tá­namo de­serto im­pli­caria no en­cer­ra­mento de uma das mais ver­go­nhosas pá­ginas da his­tória es­ta­du­ni­dense.

No­ticia-se que Obama sairá do poder dei­xando 56 de­tentos na prisão da ilha. Trump po­derá cum­prir sua pro­messa de en­cher Guan­tá­namo de bad guys.

Líbia

Outro erro do pre­si­dente foi a par­ti­ci­pação na guerra da Líbia, contra o di­tador Ka­dafi. O re­sul­tado foi a de­po­sição de um go­verno que, em­bora ti­râ­nico e de­su­mano, ex­plo­rava seu pe­tróleo com sa­be­doria, ge­rando ren­di­mentos que per­mi­tiam ofe­recer im­por­tantes be­ne­fí­cios so­ciais. Ka­dafi foi subs­ti­tuído pelo caos.

Os grupos jiha­distas par­ti­ci­pantes da re­vo­lução, ar­mados pela In­gla­terra, França, EUA e ou­tros países, lutam entre si, im­pedem a for­mação de um Es­tado or­ga­ni­zado e ater­ro­rizam a po­pu­lação.

Aqui o su­cesso mi­litar trans­formou-se em uma tra­gédia civil. O que, apa­ren­te­mente, não deve estar acon­te­cendo na guerra contra o Es­tado Is­lâ­mico (EI).

Con­tra­ri­ando a opi­nião de muitos re­pu­bli­canos e mi­li­tares, Obama vetou uma ação mi­litar em terra, pre­fe­rindo usar bom­bar­deios por aviões, os quais vêm apoi­ando com êxito a ação dos exér­citos ira­qui­anos e dos com­ba­tentes curdos.

Em­bora os pes­si­mistas fa­lassem em 20 anos para der­rotar os fa­ná­ticos do EI, pa­rece que muito antes eles per­derão seus ter­ri­tó­rios e terão de partir para a clan­des­ti­ni­dade.

O prazo final da guerra seria abre­viado caso os EUA acei­tassem bom­bar­dear as po­si­ções do Es­tado Is­lâ­mico em co­or­de­nação com a avi­ação russa.

Pa­rece que a rus­so­fobia do Pen­tá­gono in­flu­en­ciou Obama para re­jeitar a ideia.

Re­a­ta­mento com Cuba

No caso de Cuba, o pre­si­dente foi firme e, mesmo com pres­sões dos re­pu­bli­canos, do­mi­nantes no Le­gis­la­tivo, re­a­briu re­la­ções com a ilha.

Pru­dente, ele vem pro­mo­vendo acordos se­to­riais até chegar ao prin­cipal que é o res­ta­be­le­ci­mento de plenas re­la­ções co­mer­ciais entre as partes. Tem a seu favor a di­visão do sis­tema di­ante da ideia.

Se­tores am­plos da eco­nomia norte-ame­ri­cana são al­ta­mente fa­vo­rá­veis a fazer in­ves­ti­mentos em Cuba – apro­vei­tando sua ex­ce­lente mão de obra, além de poder im­portar pro­dutos lo­cais, ex­portar um mundo de pro­dutos dos quais os cu­banos são ca­rentes, en­viar tu­ristas, cons­truir ho­téis, entre ou­tros bons ne­gó­cios.

Par­la­men­tares are­jados e até a mai­oria dos cu­bano-ame­ri­canos jo­vens e do povo dos EUA também são fa­vo­rá­veis.

No­va­mente, Obama não teve tempo para chegar ao fim do pro­cesso. Esta prer­ro­ga­tiva fi­cará para o in­certo Trump.

Acordo nu­clear com Irã

Não há quem aposte em que ele agirá com juízo (há dú­vidas de que ele tenha). Dú­vidas também per­sistem no que The Do­nald fará com o acordo nu­clear, apro­vado pelas prin­ci­pais na­ções eu­ro­peias e a China, de­pois de um longo pro­cesso onde a ação de Obama foi de­ter­mi­nante para que se che­gasse a um happy end.

Ali­ados ao go­verno de Is­rael, os con­gres­sistas do Par­tido Re­pu­bli­cano lan­çaram mão de muitos ex­pe­di­entes para por a pique o acordo. Che­garam a ne­go­ciar uma emenda nesse sen­tido, com apoio de muitos par­la­men­tares de­mo­cratas.

Con­fi­antes em que apro­va­riam essa emenda, pro­cu­raram con­vencer se­na­dores de­mo­cratas a votar com eles. Es­tavam con­se­guindo, mas Obama de­clarou que ve­taria uma emenda an­ti­a­cordo nu­clear.

Em­bora con­tando com muitos se­na­dores de­mo­cratas, os re­pu­bli­canos ve­ri­fi­caram que não te­riam apoios su­fi­ci­entes para der­rubar o veto pre­si­den­cial.

O acordo nu­clear com o Irã foi de im­por­tância cru­cial para a hu­ma­ni­dade. Ele evi­tará uma guerra, que in­cen­di­aria todo o Ori­ente Médio e cau­saria imensos pre­juízos em vidas hu­manas e re­cursos fi­nan­ceiros.

Ter­mi­nadas as san­ções, o mer­cado ira­niano foi aberto aos ne­gó­cios com as em­presas in­ter­na­ci­o­nais. Tendo o Irã se li­vrado das san­ções, sua eco­nomia vol­tará a crescer e gerar em­pregos, e o país rom­perá seu iso­la­mento em re­lação ao Oci­dente.

Ucrânia

O equi­lí­brio e co­ragem com que Obama en­frentou o sis­tema e está exe­cu­tando sua po­lí­tica de des­truição do EI pa­rece au­sente no caso da Ucrânia e seu efeito co­la­teral: a mo­bi­li­zação da OTAN nas fron­teiras russas com os an­tigos países co­mu­nistas.

So­mente a vo­cação im­pe­rial po­deria jus­ti­ficar a ação norte-ame­ri­cana na re­vo­lução ucra­niana. Tirar a Ucrânia da ór­bita de Moscou foi con­si­de­rado ex­tre­ma­mente im­por­tante para der­rotar o país que ou­sava en­carar o líder mun­dial na Síria e no Irã.

Daí a par­ti­ci­pação norte-ame­ri­cana no mo­vi­mento que Ge­orge Fri­edman, o pre­si­dente do in­sus­peito e con­cei­tuado think-thank Strat­ford, de­finiu como ”o mais cla­mo­roso golpe na his­tória”.

Como da ár­vore ruim nascem maus frutos, Putin re­agiu no mesmo tom. Re­cu­perou a Cri­méia, num re­fe­rendo onde o povo ucra­niano aprovou a ane­xação. A re­gião fora parte da Rússia até o go­verno Krus­chev, que de­cidiu torná-la uma das re­pú­blicas so­vié­ticas.

Putin também apoiou com ar­ma­mentos e até tan­ques a in­sur­reição dos ha­bi­tantes russos do leste ucra­niano, onde eram mai­oria ab­so­luta. Os EUA e a Eu­ropa pro­tes­taram in­dig­nados contra a ile­ga­li­dade.

Obama lançou san­ções econô­micas contra a Rússia e forçou a União Eu­ro­peia a fazer o mesmo. Malgré elle que perdeu vul­tosos ne­gó­cios como con­sequência.

Di­ante destes lances, al­guns países, ou­trora sa­té­lites de Moscou, sen­tiram-se ar­ris­cados a serem alvo do ex­pan­si­o­nismo do novo Na­po­leão Bo­na­parte, o pre­si­dente Putin.

A OTAN lhes deu razão. Seu líder, os EUA, ins­ta­laram ca­nhões e sis­temas e sis­temas an­ti­mís­seis (que fa­cil­mente se trans­formam em lan­ça­dores), nos países ex-sa­té­lites de Moscou.

E os norte-ame­ri­canos, além de di­versos países da OTAN, en­vi­aram e se­guem en­vi­ando grandes con­tin­gentes mi­li­tares, es­pe­ci­al­mente norte-ame­ri­canos, para se pos­tarem nas fron­teiras da Rússia, em po­sição de de­fesa.

Os russos fazem o mesmo. O am­bi­ente está tão tenso que qual­quer in­ci­dente iso­lado entre sol­dados dos dois lados pode de­ge­nerar em algo como uma guerra mun­dial.

Não se sabe se Obama deixou-se con­ta­minar pelo es­pí­rito im­pe­rial, ao de­cidir ame­açar o maior ad­ver­sário da he­ge­monia mun­dial dos EUA. A se­guinte frase pa­rece ilus­tra­tiva: “eu acre­dito no ex­cep­ci­o­na­lismo ame­ri­cano com todas as fi­bras do meu ser”.

Pa­rece pre­fe­rível supor que não passou de um ar­roubo num clima eu­fó­rico de cam­panha elei­toral. E que Obama es­teve agindo na Eu­ropa Ori­ental sob pressão do Pen­tá­gono, ávido por tomar es­paços de in­fluência dos russos.

Drones

Isso não pa­rece estar acon­te­cendo na questão dos drones, ana­listas dizem que Obama age sponte pró­pria.

“Já que pre­ci­samos matar che­fões ter­ro­ristas no ex­te­rior, ca­pazes de lançar novos ata­ques, até si­mi­lares ao das Torres Gê­meas, me­lhor usar drones do que a avi­ação ou mesmo forças es­pe­cais. As ví­timas civis serão em menor nú­mero e os países que ha­bitam não cri­arão caso por de­pen­derem da nossa ajuda. E, mais im­por­tante, pou­pa­remos vidas de our guys”.

O pro­grama de drones foi ini­ciado por Bush. Obama mul­ti­plicou por seis os lan­ça­mentos anuais feitos pelo pre­si­dente re­pu­bli­cano, só re­du­zindo seu nú­mero a partir de 2013.

Os drones são con­de­nados pela ONU e pelas prin­ci­pais or­ga­ni­za­ções de di­reitos hu­manos por ma­tarem de forma in­dis­cri­mi­nada muitos civis ino­centes. Se­gundo o Birô de Jor­na­lismo In­ves­ti­ga­tivo, já foram cerca de 1.500 civis, sendo 200 cri­anças as­sas­si­nadas por eles no Pa­quistão, Iêmen, So­mália e Afe­ga­nistão, até fins de 2016.

A partir de 2013, Obama es­ta­be­leceu cri­té­rios ri­go­rosos para iden­ti­ficar pes­soas sus­peitas de re­pre­sen­tarem pe­rigo para os EUA. Ele quer poupar vidas ino­centes.

Ainda assim, per­ma­nece o terror no povo das re­giões al­ve­jadas pelos drones. Vale citar o ge­neral Mc­Chrystal, ex-co­man­dante do exér­cito no Afe­ga­nistão: “há uma per­cepção de pes­soas de­sam­pa­radas numa área sendo al­ve­jadas por um raio vindo do céu, (dis­pa­rado) por uma en­ti­dade que age como se ti­vesse onis­ci­ência e oni­po­tência. E assim você cria uma tre­menda ani­mo­si­dade entre a po­pu­lação, mesmo entre aqueles que não foram fe­ridos”.

Pro­va­vel­mente, Obama deve sentir dores na cons­ci­ência por seus drones ma­tarem pes­soas, apesar dos seus es­forços para evitar.

As rugas pro­nun­ci­adas que re­cente foto mos­tram no seu rosto podem bem ser pelos pa­les­tinos, sí­rios, ira­qui­anos, pa­quis­ta­neses e ie­me­nitas que ele não pôde ajudar. Pois Obama é hu­mano, ho­nesto, suas ideias são pro­gres­sistas.

Ele pre­tendia fazer muito mais, re­a­lizar todas as mu­danças que pro­meteu. Sis­tema à parte, um go­verno vale pelo que faz, não pelo que gos­taria.

http://correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12301-obama-na-politica-internacional-o-peso-do-sistema

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