Carlos Madeiro – Em um período de apenas cinco anos, o Brasil deixou o quinto lugar para tomar a liderança no número de presos por habitante na América do Sul. Os dados são do Institute for Criminal Policy Research (Instituto de Pesquisa de Polícia Criminal, em tradução livre), ligado à Universidade de Londres e que mantém um banco de dados sobre população carcerária de todo o mundo.
Em 2010, o Brasil tinha 496.251 presos e uma média de 253 detentos para cada 100 mil habitantes. Já no relatório de 2016, o país apresentava 607.731 presos e saltava em 20% a média: 301 para cada 100 mil moradores.
No relatório, o instituto britânico levou em conta os dados mais recentes dos países disponíveis no início do ano passado. Nesse quesito, o Brasil apresentou as informações mais defasadas do continente, referentes a junho de 2014. No último dado oficial, divulgado pelo Depen em abril de 2016 e não contabilizado no levantamento do instituto britânico, que já estava fechado, o número de presos no país já havia aumentado para 622 mil.
Em resposta ao UOL, o Depen informou que os dados “precisam vir dos Estados” e são divulgados apenas no ano seguinte. “O levantamento de 2015 está sendo consolidado e será divulgado nos próximos meses”, diz, explicar o motivo do atraso.
Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que o Brasil está na contramão do mundo ao adotar uma política de encarceramento em massa, que foi alavancada pela lei antidrogas de 2006 –que endureceu regras e ajudou a prender mais pessoas. Outro ponto crucial é a quantidade presos provisórios, que seria gerada pela cultura judiciária de manter presas pessoas que respondem a processos.
No último relatório, o Depen também afirma que o crescimento da população prisional nos últimos anos ocorre pela grande “quantidade de presos provisórios e das prisões relacionadas ao tráfico de drogas”. Diz que o Brasil “vai na contramão” do resto do mundo que tenta esvaziar, ao invés de encher os presídios.
Salto de 126% presos por habitantes
Com o aceleramento da política de encarceramento nos últimos cinco anos, o país pulou quatro posições e passou Chile, Guiana Francesa, Guiana e Uruguai. Dos quatro países que estavam à frente do Brasil, apenas o Uruguai cresceu o percentual de presos em relação à população. Os demais apresentaram redução.
Em 2000, o Brasil não figurava nem entre os cinco primeiros colocados nesse ranking, com média 133 presos por 100 mil habitantes. Se considerarmos o crescimento de população carcerária proporcional, o país foi o segundo do continente com maior alta em 15 anos: 126%, atrás apenas do Equador, que teve alta de 153% no mesmo período. O país, porém, tem taxa bem menor que a brasileira, de um detento para cada 162 equatorianos.
Em números absolutos, até por ter a maior população do continente, o país lidera com folga o ranking, com 607 mil detentos, seguido por Colômbia (121 mil), Peru (75 mil), Argentina (69 mil) e Venezuela (55 mil). Segundo o relatório, o país responde por 60% do total de 1,036 milhão de presos.
“Soluções eleitoreiras, que contrariam estatísticas”
A coordenadora da área de Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global, Isabel Lima, afirma que o Brasil erra por fechar os olhos para estudos e estatísticas da área, visto que a política de encarceramento em massa não reduziu a violência, nem a atuação do tráfico de drogas.
“As políticas criminais têm de ser feitas por meio de diagnósticos sérios, e o Brasil não costuma se basear nelas. Um exemplo é a proposta da redução da maioridade, que vai contra qualquer diagnóstico que o Brasil tem dessa questão. É um grande exemplo dessas soluções eleitoreiras, que contrariam estatísticas”, explica.
Além disso, a advogada vê que, mesmo com a atual crise, o país volta a errar quando pretende focar na construção de presídios em vez de tentar esvaziar os superlotados. “O Brasil continua fazendo a escolha errada, que traz um aprofundamento da crise. Quando o governo anuncia a construção de mais presídios, vai na contramão do que deveria seguir, que é o desencarceramento”, aponta.
Condições de encarceramento “sub-humanas”
Para a advogada da ONG (organização não-governamental) Conectas Direitos Humanos, Vivian Calderoni, a política de encarceramento adotada pelo Brasil está na contramão de vários países do mundo e é alvo de críticas.
“Defendemos uma redução da população carcerária. A opção pelo encarceramento como primeira medida de punição se mostra inadequada. A taxa de criminalidade não se reduz em função do encarceramento. E as condições de encarceramento são violadoras de todos os direitos, são sub-humanas”, diz.
Um dos exemplos citados pela advogada que pode explicar o boom da população carcerária, em contraposição ao resto da América Latina, é a demora na realização de audiências de custódia –que o país começou a adotar em todos os Estados apenas em outubro de 2015. Com esse tipo de audiência, o detido em flagrante deve ser apresentado a um juiz num prazo de 24 horas e este decide pela permanência ou não na cadeia.
“As audiências de custódia são positivas, espera-se uma redução [das prisões]. Divulgamos isso há muitos anos, e o Brasil vem com muito atraso na medida –era o único da América Latina que não aplicava”, conta.
Outro ponto citado pela advogada como crucial para o crescimento das prisões no Brasil é a nova legislação de combate às drogas, que ampliou penas. “Depois da lei –adotada pelo Brasil em 2006– você vê o aumento da taxa de encarceramento muito maior que o da população. Percebe-se que há uma opção pelo aprisionamento. E no caso das mulheres, isso ainda é mais destacado: 64% das mulheres presas são por drogas. Defendemos a revisão dessa política”, afirma.
“Houve uma escalda da violência nos últimos anos”
Para o juiz José Fabiano Camboin, da 1ª Vara de Execuções Criminais de São Paulo, é um erro culpar os juízes pelas prisões. “Não se pode culpar a janela pela vista. O número de prisões é muito grande porque a violência tem aumentado. Houve uma escalda da violência nos últimos anos, e a repercussão imediata disso é aumento da taxa de encarceramento. Ao judiciário cabe aplicar a lei”, diz.
Camboin também questiona a nova lei de drogas. “Também não concordo. A antiga lei de drogas, previa pena minima de três anos, e em 2005 aumentou-se para 5. Só que na verdade, os traficantes primários, que não tem associações criminosa, têm redução de até dois terços. Ou seja, antes a pena mínima hoje é de um ano e oito meses, quando antes era três”, conta.
Procurada pela reportagem para comentar a lei antidrogas e o número de presos provisórios, a Associação dos Magistrados Brasileiros respondeu, por meio de sua assessoria: “O presidente da AMB já se posicionou sobre esse assunto durante entrevista coletiva realizada ontem (dia 18) e não pretende falar sobre o assunto”.
Medidas alternativas à prisão “são ignoradas”
A coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes e ex-diretora do sistema penitenciário do Rio, Julita Lengrumber, concorda que a nova lei brasileira de drogas foi determinante na superlotação, mas avalia que o percentual de presos sem julgamento é uma segunda vertente que faz as cadeias ficarem cheias.
“Em geral, esse número de [presos] provisórios é bem menor em diferentes países da América Latina. Nos países em que esses percentuais [de presos provisórios] são pequenos, cumpre-se a lei; e no Brasil a lei não é cumprida. Segundo a lei, alguém só deve ficar preso se tiver a capacidade de interferir ou tumultuar o processo, intimidar testemunhas ou ser um risco para ordem pública”, diz.
Nesse caso, a coordenadora defende a aplicação de leis já existentes. “O Brasil já tem um cardápio bastante razoável de medidas alternativas à prisão. O problema é que elas são ignoradas na maioria das vezes. Quase na totalidade dos casos [de prisões provisórias], as pessoas não têm nenhuma capacidade de intimidar testemunhas, atrapalhar processos. São medidas conservadoras e elitistas do Ministério Público e do Judiciário, que contribuem para manter pessoas privadas da liberdade”, analisa.
Para Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a tese de que o Brasil prende pessoas sem risco explica em parte o “boom” carcerário. “A gente não está prendendo pessoas que sejam homicidas, estupradores, grandes traficantes, e sim o pequeno traficante e roubadores. É uma opção política. O repertório da segurança pública é muito limitado de politicas públicas; é um repertório sem inovação nenhuma”, diz.
O professor afirma que os países que têm as maiores populações carcerárias do mundo estão adotando medidas para reduzir a quantidade de presos. “Nos EUA, por exemplo, onde há a maior política do mundo, políticos têm sofrido críticas pela defesa de encarceramento, e estão reduzindo lá a quantidade de pessoas no cárcere.”
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/01/22/em-5-anos-pais-vai-de-5-a-lider-em-presos-por-habitante-da-america-do-sul.htm
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